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Cockpit

Painéis integrados e visão sintética

Novas tecnologias devem deixar a pilotagem mais precisa e reduzir a carga de trabalho da tripulação


Painel Honeywell
Painel Honeywell dos novos Gulfstream G500 e G600

O cockpit do futuro deve ser cada vez mais tecnológico. A intenção é reduzir a carga de trabalho dos tripulantes, deixando a pilotagem mais segura e precisa. Telas sensíveis ao toque, sistema de reconhecimento de voz, visão sintética e head-up display são alguns dos projetos em estágio avançado de desenvolvimento ou até já instalados em algumas aeronaves. Pesquisas de mais longo prazo, para entrarem em operação em duas décadas, ainda são mantidas em sigilo por equipes de desenvolvimento, embora já se fale de comandos por gestos e mesmo holografia.

Para Bob Witwer, vice-presidente de Tecnologia Avançada da Honeywell Aerospace, mais do que recursos tecnológicos, os novos painéis terão de agregar sistemas que realmente facilitem a operação da aeronave de forma eficiente e segura. “Pensamos no cockpit com o objetivo de conseguir projetar a melhor experiência possível, atendendo às necessidades dos pilotos e facilitando seu trabalho, em vez de simplesmente criar um novo produto com a tecnologia mais avançada disponível”, diz o executivo.

Geoffrey Shapiro, engenheiro de sistemas da Rockwell Collins, diz que a empresa também trabalha no desenvolvimento de sistemas que buscam melhorar a experiência dos pilotos e aumentar a segurança de voo. “Ao diminuir a carga de trabalho, o piloto comete menos erros. Por isso somos tão motivados a dar ferramentas para que os pilotos tenham certeza de que estão fazendo a coisa certa”, afirma Shapiro.

Com as perspectivas de crescimento da aviação mundial, proporcionar mais precisão ao trabalho dos pilotos representa parte fundamental da estratégia da indústria para garantir a segurança de voo e a eficiência da malha aérea. Apesar das perspectivas, Mike Carriker, piloto-chefe do programa de desenvolvimento de aviões da Boeing, não acredita em uma grande revolução que mudará completamente a maneira como os aviões serão pilotados. “Em 20 anos, os pilotos estarão operando o dobro de aeronaves que temos atualmente. É difícil imaginar algo que substitua o operador humano ou elimine a visão do piloto na frente do avião. Em vez disso, vamos ver alguns refinamentos”, acredita o piloto.

Cockpit Cessna Citation  Latitude
Cockpit do novo Cessna Citation Latitude

Avião conectado

Com o avanço da tecnologia a passos largos, o que estará presente dentro dos cockpits em duas décadas pode nem ter sido pensado. “A grande questão é como vamos entender o que significa realmente um avião conectado. Há dez anos, não tínhamos um smartphone, mas agora como viver sem um? Metade das informações é trivial, mas muitas são importantes. Vamos descobrir o mesmo na aviação. Podemos ter informações fora e dentro do avião que fazem o sistema funcionar melhor, de forma mais segura, mais confortável para os passageiros e que proporcione um voo mais eficiente”, reflete o piloto Mike Carriker, da Boeing.

A questão financeira é um dos principais motivos para Carriker acreditar que o setor não deve “reinventar a roda” no futuro. Para a Boeing, mais que inovações tecnológicas, o futuro também deve reservar soluções para proporcionar conforto aos tripulantes, que passam horas em elevada altitude com baixa umidade. “Reduzir a sensação de cabine para altitude zero seria um bom caminho, sobretudo para quem vive acima de 8.000 pés durante 80 horas por mês. A situação atual deixa o piloto cansado, com menos energia e pele ressecada. O ideal seria que pudéssemos encontrar uma maneira de resolver isso ou reverter os efeitos de um fuso de 12 horas”, afirma Carriker.

Visão sintética

Uma tecnologia que já existe e deve ganhar espaço no futuro é a chamada visão sintética. Mesmo diante das piores condições de meteorologia, o piloto consegue “enxergar” o terreno abaixo da aeronave. Ele não vê o solo efetivamente, mas um mapa em três dimensões que mostra o relevo da região e a cidade, com seus prédios, torres e avenidas.

As imagens surgem no PFD (Primary Flight Display) junto com os demais dados essenciais ao voo, como velocidade, altitude, velocidade vertical e proa. Os mesmos dados podem ser mostrados também no HUD (head-up display). O equipamento parece um para-sol transparente. Instalado na altura da para-brisa, permite que o piloto acompanhe todas as informações no mesmo momento em que olha para fora do avião, sem ter de desviar o olhar.

O HUD já equipa algumas aeronaves da Embraer, como o Legacy 450, o Legacy 500 e o E190. Os dois sistemas trabalhando de forma integrada aumentam a segurança da operação, especialmente em condições adversas. “A segundos do pouso, é realmente importante poder olhar para fora e ainda ter todas as informações disponíveis à sua frente”, afirma Geoffrey Shapiro, da Rockwell Collins.

Pesquisadores europeus usam neuroergonomia para aprimorar cockpit

Um laboratório de pesquisas em Toulouse, parte da escola de engenharia ISAE SupAero, fundada pela empresa de seguros Axa, lançou uma iniciativa abrangente para aprimorar o design dos cockpits utilizando a neuroergonomia. Como sugere o nome, o objetivo é adaptar o cockpit ao modo como o cérebro humano trabalha melhor. Os pesquisadores, especificamente, estão procurando uma maneira de entender a perda de controle em voo e no voo controlado contra o terreno, já que nessas situações, segundo se acredita, os fatores humanos são responsáveis por 80% do problema. Nesses casos, a tripulação age dentro de um padrão de decisão irracional, a despeito dos alarmes no cockpit. Os resultados de testes mostram que, em uma situação embaraçosa – como uma aproximação com vento de través – 30% dos pilotos não ouvem os alarmes. Utilizando a eletroencefalografia, o professor Frédéric Dehais, que conduz o estudo, viu o canal aural no cérebro se fechando. Uma das soluções poderia ser a remoção da fonte de informação que é alvo da atenção exagerada do piloto, substituindo-a por uma orientação mais relevante. Dehais sugere um “vídeo loop” muito curto que surge de repente como um avatar, executando a operação exigida. Ver o avatar ativaria os neurônios-espelho do piloto, que induzem uma pessoa a imitar o que seus olhos estão vendo. Em ensaios, as reações dos pilotos têm sido mais rápidas quando veem o avatar do que quando não veem.

Por Ernesto Klotzel

Radar 3D

Os fabricantes de aviônicos também desenvolvem diversos outros sistemas para melhorar a eficiência do voo, como radares meteorológicos mais inteligentes e precisos, gerenciamento de tráfego aéreo, mapas de movimento em aeroportos em 2D e 3D, guias de taxiamento para mapas de movimento em aeroportos, gráficos de navegação aprimorados, entre outros.

No caso da Honeywell, duas soluções despontam: o radar meteorológico IntuVue 3-D e os sistema SmartRunway/SmartLanding. “O IntoVue apresenta uma visão global e em 3D com informações sobre o solo e a água. Também oferece detecção de turbulência até 60 milhas náuticas à frente e introduz recursos de granizo e relâmpagos preditivos. Facilita a decisão diante de diferentes padrões climáticos, aumentando a segurança, o conforto e a eficiência operacional”, diz Bob Witwer. “Já os sistemas SmartRunway/SmartLanding melhoram a segurança da pista, fornecendo avisos pontuais e alertas sonoros durante o taxiamento, decolagem, aproximação final, aterrissagem e desaceleração, o que reduz significativamente o risco de incursões na pista”.

Visão sintética
Visão sintética do painel EVS-3000

Comandos por voz

Um dos projetos que mais empolga a equipe de desenvolvimento da Rockwell Collins é o sistema de reconhecimento de voz para ativar determinados comandos no avião. O piloto pode alterar as velocidades horizontal e vertical, a altitude, a proa e ainda selecionar as informações que serão mostradas no PFD e MFD (Multi Function Display) somente com um comando de voz. “A vantagem é controlar sem precisar olhar ou tocar nos aviônicos. Em um espaço aéreo complicado, isso pode ser até 22 segundos mais ágil”, afirma o engenheiro de sistemas da Rockwell Collins.

Para dar o comando à aeronave, o piloto precisa apertar um botão localizado no manche. O sistema reconhece e repete a ordem. A ação é executada somente após o piloto confirmar que o sistema entendeu corretamente apertando novamente o botão. “Nós fazemos isso para qualquer comando crítico de segurança”, afirma Shapiro.

Em um exemplo prático, o engenheiro mostra a busca por informações meteorológicas do aeroporto de destino. Hoje, o piloto precisa pegar a carta em mãos, procurar o número da frequência correspondente e selecionar o código no avião. Com o sistema da Rockwell Collins, basta dar o comando por voz que as informações surgem na tela. Isso ocorre porque o sistema já identifica qual é o aeroporto de destino, procura o número da frequência e seleciona automaticamente.

O sistema reconhece apenas o idioma inglês. Apesar de garantir que poderiam ser criadas versões para outras línguas, Shapiro afirma que não há planos nesse sentido. “Essa é uma decisão de mercado, mas no momento só trabalhamos com o inglês, até porque é o padrão para muitos comandos. Se houver a necessidade, podemos desenvolver”, diz.

Geoffrey Shapiro no simulador da Rockwell Collins
Geoffrey Shapiro no simulador da Rockwell Collins e painel sensível ao toque da Honeywell

painel sensível ao toque da Honeywell

Toque na tela

Ainda com a intenção de melhorar o acesso dos pilotos aos comandos de voo, a Rockwell Collins e a Honeywell desenvolvem telas sensíveis ao toque para os aviões. No PFD, ao tocar na velocidade, surge uma pequena caixa na parte inferior com as setas para cima e para baixo. O piloto altera a velocidade como se estivesse mudando o volume do rádio. No MFD, o mapa pode ser deslocado com os dedos, de forma semelhante ao que é feito em smartphones e tablets.

Todos esses comandos também podem ser feitos pelo reconhecimento de voz e o piloto escolhe o que acha mais prático. “Alguns são melhores com voz e outros com toque na tela”, afirma o engenheiro da Rockwell. O deslocamento de mapa é um exemplo que não funciona bem com voz e funciona muito bem com o toque. Com voz, teria de repetir o comando muitas vezes até chegar ao ponto desejado e com o toque esse processo é bem mais rápido.

Apesar de o reconhecimento de voz e da tela sensível ao toque empolgarem seus desenvolvedores, a Boeing vê com ceticismo a adoção dessas tecnologias a bordo de suas aeronaves. “Não devemos adotar o sistema de reconhecimento de voz. Há muita possibilidade de erros. Usar luvas e mexer sua mão até a tela para mudar dados, por quê? Seria um custo muito alto. Precisaria de uma energia extra e um sistema de backup em caso de falhas. O que isso realmente economiza? Eu economizo 10 minutos no tempo da tripulação e treinamento ou é só uma coisa legal? Ninguém compra nossos produtos com um garantia de dois anos como um celular. Nós vendemos um produto que ficará em funcionamento por décadas. Nossos clientes querem os produtos que nós dissemos que iríamos entregar”, afirma Mike Carriker.

Apesar de a Boeing não demonstrar interesse nessas tecnologias, os fabricantes de aviônicos garantem que há outras empresas interessadas em adotar os novos sistemas. A tela sensível ao toque da Honeywell já recebeu certificação e está presente nos modelos Gulfstream G500 e G600, segundo a empresa, enquanto versões ­touchscreen da Garmin equiparão o novo jato Cessna Citation Latitude. A Rockwell também se mostra confiante e afirma que os sistemas podem ser implementados em diversos tipos de aeronaves, desde os menores turbo-hélices até os maiores jatos comerciais.

Nos próximos 21 anos, muitos outros sistemas ainda serão desenvolvidos para facilitar e melhorar a operação de aeronaves em todo mundo. Somente o tempo poderá dizer com precisão o que realmente entrará em operação e se tornará um padrão de mercado.

Riscos envolvendo o wi-fi a bordo

Especialistas discutem se o acesso à internet em voo não torna aviônica vulnerável à ação de hackers

O governo dos Estados Unidos emitiu um alerta para o risco de hackers se aproveitarem das redes Wi-Fi a bordo das aeronaves para interferirem nos aviônicos e até mesmo assumir o controle do avião. Segundo o estudo, realizado pelo Escritório de Prestação de Contas (GAO, na sigla em inglês), um hacker viajando como passageiro poderia teoricamente derrubar um avião.

“Os aviões modernos estão incrementando sua capacidade de conexão à internet. Esta conectividade pode potencialmente permitir acesso remoto aos sistemas de voo da aeronave”, diz o relatório da GAO. “De acordo com especialistas em segurança cibernética ouvidos para este relatório, a conexão à internet na cabine deve ser considerada como um vínculo direto entre a aeronave e o mundo exterior, o qual inclui potenciais atores malignos”, completa o relatório.

O GAO ressalta, no entanto, que a FAA tem adotado medidas para aprimorar as políticas de segurança e tentar eliminar as vulnerabilidades, mas admite que “existe margem de ação para outras modificações”. Apesar das polêmicas, a gerente de comunicações da Rockwell Collins, Pamela Tvrdy-Cleary, garante a segurança dos aviônicos desenvolvidos pela empresa. “Essa é uma área de prioridade máxima na Rockwell Collins e por isso tem muito estudo sendo desenvolvido nessa área. Temos sistemas bastante robustos em termos de segurança”, afirma.

Por Vinícius Casagrande
Publicado em 16/05/2015, às 00h00


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