Como funcionam os sistemas que evitam colisões em vôo, como o TCAS, e em que condições eles podem falhar
No tempo em que as aeronaves voavam a baixas altitudes e velocidades, os pilotos contavam com um único recurso para evitar colisões aéreas: tinham um bom par de olhos atentos às possíveis ameaças externas.
Com a crescente saturação dos espaços aéreos, o aumento da velocidade das aeronaves e a quantidade de sistemas gerenciados durante o voo, recursos auxiliares capazes de prevenir colisões tornaram-se imprescindíveis.
Nos anos 1980, a indústria aeronáutica norte-americana desenvolveu o TCAS (Traffic Collision Avoidance System). Mas somente em 1993, a ICAO (International Civil Aviation Organization) reconheceu o sistema de alerta de colisão entre aeronaves, chamado ACAS (Airborne Collision Avoidance System).
Criado inicialmente para equipar grandes aeronaves, um sistema ACAS encarrega-se de identificar a presença de tráfego nas vizinhanças da aeronave protegida. Ele faz isso por meio da captação dos sinais de transponder emitidos pelas aeronaves próximas. Diversos tipos de ACAS têm sido desenvolvidos para diferentes aeronaves. O mais conhecido deles é o TCAS. Este equipamento tornou-se obrigatório nos Estados Unidos depois da colisão de um DC-9 com outra aeronave de operação privada, sobre a cidade de Cerritos, na Califórnia, em 1986.
Analisando os Modos A e C, o TCAS tem condições de localizar e desenhar em um display os ícones que identificam as aeronaves interferentes, com informações de posição relativa, distância, diferença de altitude e tendência vertical (de subida ou de descida).
O equipamento monitora pelo menos trinta tráfegos que possam evoluir dentro de uma área aproximada de 14 milhas em torno da aeronave protegida, e a cerca 2.700 pés, gerando diferentes alertas à tripulação. Os alertas surgem como ícones nas telas do painel da aeronave, além de avisos sonoros.
A partir do TCAS, as tripulações melhoraram suas manobras de “ver” e “evitar” outros tráfegos. Em 1995, a ICAO estabeleceu novos padrões para o ACAS e a indústria logo lançaria o TCAS II. Nessa versão, duas áreas de proteção definem dois tipos de ameaças de colisão.
A área maior cria um cilindro de proteção de cerca de 6 milhas de raio e 1.200 pés para cima e para baixo, dentro da qual a aeronave interferente, operando transponder A/C, será representada por um losango azul ou branco — ícone que ainda não caracteriza uma ameaça iminente.
Nesse volume são identificadas aeronaves que se aproximam em alta velocidade relativa, cuja altitude, distância e tempo até o ponto de cruzamento de trajetórias sejam de cerca de 40 segundos.
A interferência gera para a tripulação um aviso de TA (Traffic Advisory), com o termo “TRAFFIC TA” escrito ao lado do ícone, agora redondo e amarelo, além de um alerta sonoro: “Traffic, traffic”. A princípio, nenhuma ação deve ser tomada pelo piloto, a não ser canalizar sua atenção a esse tráfego interferente.
Uma segunda área mais prioritária é formada por um raio de aproximadamente 2 milhas. Um tráfego interferente com elevada velocidade de aproximação horizontal e vertical, e impacto previsto para menos de 30 segundos gera um alarme de RA (Resolution Advisory). Nesse momento, é imperativo que o piloto resolva o conflito de tráfego. O alerta RA será provido com um ícone losango vermelho, acompanhado do termo “TRAFFIC RA” no display e de diversos alertas sonoros. Estes últimos são emitidos de acordo com a melhor manobra evasiva. E essa melhor manobra dependerá de algumas variáveis.
O TCAS II deve operar com um transponder Modo S que além de possuir os Modos A/C possa comunicar- se em link de dados com outros Modos S em estações de solo ou em aeronaves. É essa capacidade de comunicação que viabiliza a troca de protocolos entre os TCAS II das aeronaves em conflito de tráfego (se ambas o possuírem), possibilitando aos equipamentos “sugerir” manobras evasivas divergentes aos tripulantes. Caso a aeronave interferente não possua Modo S, o RA será prestado da mesma forma, porém com manobras evasivas oriundas de outros critérios. As manobras de RA devem ater-se à mudança de altitude apenas, sem alteração de rumo (subir ou descer). E devem cessar tão logo o piloto receba uma mensagem de conflito: “CLEAR OF CONFLIT”, no display.
Em situação de TA, o piloto que decide alterar a rota deve antes obter do ATC uma nova autorização. O procedimento é dispensado para o caso de RA. Nesta condição, o controle de tráfego permitirá a manobra evasiva, prestando informações de voo às outras aeronaves adjacentes. Ao resolver o RA, a tripulação deve retornar à última autorização de tráfego recebida.
Considerados, porém, os ambientes complexos de circulação aérea, alguns riscos potenciais surgem. O TCAS não informará a distância vertical da aeronave interferente se esta não estiver operando o Modo C (ou Modo S). Assim, nenhum dos alertas será efetivado e o ícone que surgirá na tela será apenas um losango vazio. Transponder defeituosos ou não aferidos podem gerar falsos TA ou RA. Por isso, o controle de tráfego aéreo tem como praxe tolerar erros máximos de altimetria em mais ou menos 300 pés, além dos quais poderá determinar o desligamento do Modo C.
A altitude em que uma manobra evasiva é realizada não é considerada para os primeiros modelos de TCAS, gerando situações potencialmente arriscadas. Eis uma delas: a manobra é realizada em grande altitude por uma aeronave pesada, que não consegue subir o suficiente a fim de aumentar a separação vertical. Para evitar isso, os espaços RVSM (Reduced Vertical Separation Minimums) exigem o TCAS II, que considera também a altitude pressão para decisões de evasivas.
Outra situação potencialmente perigosa é um RA em área de alta densidade de tráfegos. Um exemplo é a área terminal de São Paulo. O cruzamento de aeronaves na aproximação final do aeroporto de Congonhas, com as dos helicópteros que voam na região nobre de São Paulo, são causas frequentes deTA e até de RA.
Mas o TCAS(I ou II) não é o único modelo de ACAS. Outros de menor preço vêm equipando aeronaves de porte médio e pequeno. São especialmente úteis ao voo em classes de espaços aéreos cuja separação seja de responsabilidade do piloto ou provida pelo ATC apenas entre voos IFR.
Em transpoders mais simples os recursos não incluem o RA. O piloto acompanha outros tráfegos que operam o transponder A/C ou S, dentro de um volume correspondente a um cilindro de 6 milhas de raio, com limite vertical entre 2.700 e 9.000 pés. Os alertas são apenas de TA (Traffic Advisory) e os ícones são similares ao TCAS. Há ainda os PCAS (Portable Collision Avoidance System). São equipamentos portáteis, montados sobre os painéis de pequenas aeronaves, que podem detectar sinais de transponder dentro de uma área de 6 milhas e 2.500 pés. Alguns custam menos de mil dólares e não requerem modificações nas aeronaves.
Determinados segmentos da aviação civil, porém, têm dificuldade pa-a oferecer boas condições de treinamento aos pilotos. O operador privado, por exemplo, desobrigado de manter especificações operativas ou manuais gerais de operação, tenderá a deixar a critério do piloto a improvisação de uma reação aos conflitos de tráfego identificados pelo ACAS. Por isso, a padronização para manobras evasivas seria muito bem vinda.
Outra questão importante é a diversidade de modelos de aeronaves voando no mesmo espaço aéreo. As equipadas com motores a pistão são maioria. E, dentre elas, existe um grande número de experimentais avançados, com desempenho tão elevado ou superior a algumas aeronaves homologadas. São comuns os voos de aeronaves sem transponder ou com o equipamento desligado. E também casos em que o transponder apresenta defeito ou ainda que não passa por aferição a cada dois anos.
O sistema ACAS somente terá a sua merecida glória se outros dois sistemas anticolisão falharem. O primeiro e mais eficiente deles é o tradicional plano de voo. Em um cenário em que os voos são previamente conhecidos, fluindo com uma autorização de tráfego, e que as regras são respeitadas, a probabilidade de dois tráfegos convergirem é muito pequena.
Aeronaves com movimentos conhecidos pelo ATC mantêm a sequência ordenada e segura. De alguns anos para cá, as áreas terminais de alta densidade vêm sendo providas com apro- ximações estabilizadas (cartas STAR), reduzindo a possibilidade de conflitos. Também o uso do GPS é um meio de tornar os espaços aéreos mais bem esquadrinhados. O segundo recurso importante é a comunicação bi-lateral. Bem praticada, oferece informação entre as aeronaves que dividem o mesmo espaço e o ATC.
Todo investimento em segurança de voo é muito bem vindo. Mas, no momento da definição de prioridades, a boa infraestrutura de navegação aérea e procedimentos praticados corretamente por parte de pilotos e controladores podem manter os sistemas ACAS como sempre deveriam ter permanecido: em silêncio.
*Publicado originalmente na edição 150 de AERO Magazine,
com o título "Muito além da visão".
Republicado após adaptações e revisões.
Por Jorge Barros
Publicado em 06/11/2023, às 14h05
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