A ciência e tecnologia dos balonistas para calcular a altitude com precisão permite voos de jatos modernos, mas ainda não está completamente solucionada
À medida que uma aeronave ganha altura, as estimativas visuais de altitude se tornam cada vez mais precárias. Isso vale para um voo de balão, avião ou helicóptero. Em situações de baixa visibilidade ou voando sobre regiões com poucas referências – como a superfície do mar, desertos de areia ou grandes áreas cobertas de neve ou densa vegetação –, mesmo em baixa altura, um piloto pode ser levado a uma perda de orientação espacial, com risco de se envolver em colisões com o solo em voo controlado (ou CFIT, controlled flight into terrain), uma das causas tragicamente comuns de acidentes fatais na aviação.
Nos antigos balões de hidrogênio, o controle da altitude do voo combinava dois procedimentos: o acionamento de uma válvula de alívio situada no topo do balão (que deixava escapar parte do gás para reduzir a sustentação) e o descarte de lastros presos ao cesto (sacos de areia que eram esvaziados para reduzir o peso).
Ambos os recursos compensavam as mudanças de altitude causadas por variações na atmosfera e pelas correntes de vento ascendentes ou descendentes. Mas, uma vez descartados, não havia como repor nem a areia nem o gás, o que limitava a margem de ajuste do balonista.
O controle da altitude se tornou mais crítico quando surgiram os primeiros dirigíveis, nos quais a manutenção da rigidez e das formas aerodinâmica dos balões (em geral, em formato de fuso ou charuto) depende da pressão do gás que está dentro do invólucro.
Uma das maiores preocupações de Alberto Santos Dumont era encontrar um modo de manter seus balões devidamente inflados sem exceder os limites de resistência do tecido, que podia se romper pelo aumento da temperatura em dias de sol ou pela redução da pressão atmosférica à medida que a aeronave ganhava altura.
Suspeita-se que o descuido com esses fatores tenha sido a causa da explosão em 1902 do dirigível PAX, durante um voo de demonstração em Paris – matando o brasileiro Augusto Severo e seu colega de voo Georges Saché.
Motivo de inquietação entre os balonistas, a redução da pressão atmosférica com a altitude se converteu em uma grande aliada dos aeronautas. Desde o século 17, quando Toricelli criou o primeiro barômetro (veja boxe), tornou-se possível medir as variações da pressão do ar no ambiente.
Sistemas atuais de medida definiram como padrão internacional que, no nível médio do mar (MSL, de mean sea level), o peso do ar atmosférico (ou pressão) equivale ao peso de uma coluna de 760 milímetros (29,92 polegadas) de mercúrio líquido. Convertida ao sistema métrico, essa atmosfera padrão corresponde a 1.013,25 milibares (mbar) ou hectopascais (hPA) ou, ainda, a 101,325 quilopascais (kPA) – o pascal (Pa) é a unidade padrão de pressão e tensão no Sistema Internacional de Unidades e a unidade de pressão bar equivale a 100 mil pascais, praticamente o valor da atmosfera padrão.
Conforme se ganha altitude, a pressão atmosférica começa a cair de forma quase linear em 3,5 milibares (ou hPA) a cada 100 pés (30,5 metros) de altura adicional. Isso torna possível, em teoria, o uso de um barômetro portátil para estimar com razoável precisão a altitude sobre o nível médio do mar.
Na prática, há algumas complicações. A primeira é que a pressão da atmosfera não é constante e varia em função de diversos fatores meteorológicos. Já foram registradas pressões atmosféricas (ajustadas para o equivalente ao nível do mar) variando entre 658 milímetros ou 877,3 hPA (medida no olho de um tufão no sul do Oceano Pacifico) e 813 milímetros ou 1.083,9 hPA (em uma localidade no meio da Sibéria). Ainda que sejam raras variações tão extremas, isso significa que a altitude indicada por um barômetro pode estar sujeita a erros que, com frequência, superam os 50 metros.
Outro fator que interfere na precisão dessas medidas é a temperatura. O ar gelado é mais denso e pesado do que o ar aquecido. Por isso, em lugares frios a variação da pressão em função da altitude aumenta, diminuindo em ambientes muito quentes. Por fim, a partir de uma certa altitude, a queda de pressão deixa de ser linear com o aumento da altitude e se torna progressivamente exponencial.
Apesar dessas complicações, o controle da altitude com base na pressão atmosférica foi considerado (e ainda é, em grande medida) a maneira mais prática de calcular a altitude na qual está uma aeronave. No final dos anos 1920, Paul Kollsman, um engenheiro alemão radicado nos Estados Unidos, desenvolveu e patenteou o primeiro altímetro barométrico de precisão, que podia ser instalado em painéis de aeronaves.
Em 1928, após tentar sem sucesso convencer a empresa para a qual trabalhava (a Pioneer Instruments Co) a fabricar o seu invento, Kollsman montou sua própria empresa.
Seu altímetro permitiu que o aviador militar James “Jimmy” Doolittle mostrasse a viabilidade dos voos por instrumentos e Kollsman conseguiu vender um primeiro lote de aparelhos para a marinha dos EUA.
Versões aperfeiçoadas dos altímetros de Kollsman ainda são usadas. Aviões modernos possuem uma ou mais tomadas de ar estáticas (static ports), orifícios posicionados nas laterais da fuselagem (onde não sofrem interferência da velocidade de deslocamento) e conectados por tubos a sensores analógicos ou digitais que medem a pressão do ar.
Os altímetros convertem mecânica ou eletronicamente essas variações em movimentos de ponteiros ou contadores numéricos, que indicam a altitude do avião (em pés ou, mais raramente, em metros). Alguns modelos indicam ainda a chamada “velocidade vertical” (também chamada de razão de subida ou razão de descida) da aeronave – uma informação especialmente importante no controle da rampa de aproximação para o pouso.
A grande inovação de Kollsman foi inserir nos aparelhos um recurso (originalmente mecânico, eletrônico em modelos mais recentes) que permite ao aeronauta ajustar a indicação de altitude do instrumento ao QNH: um código (derivado da estrutura de comunicação por Código Q com origem no tempo das mensagens por Código Morse) que se refere ao valor real da pressão atmosférica no local, devidamente compensada para o nível do mar. Esse valor é fornecido pelas estações meteorológicas locais ou ajustado pelo próprio piloto a partir de um ponto em terra que tenha altitude conhecida. Assim, antes de decolar de um aeroporto, o piloto gira um botão para ajustar o seu altímetro à pressão efetiva do ar no local e naquele momento.
Durante o curso do voo, novos ajustes podem ser feitos com base em informações solicitadas por rádio às estações em terra (hoje, há sistemas que fazem isso automaticamente). Antes de efetuar o pouso, a tripulação solicita ao aeroporto de destino um novo valor de ajuste. Com isso, torna-se possível aumentar bastante a precisão da medição barométrica de altitude, garantindo uma distância segura em relação aos morros e demais obstáculos conhecidos no terreno, mesmo nos voos em condição de baixa visibilidade.
A partir dos anos 1930, com o aumento do número de aviões cada vez mais velozes cruzando os céus, foi preciso criar sistemas de controle do tráfego aéreo (ATC) que evitassem colisões entre aeronaves em voo.
Um dos principais recursos usados pelos controladores é determinar um afastamento vertical mínimo entre aviões que se cruzam, o que se fez estabelecendo aerovias posicionadas em diferentes altitudes. No entanto, para que esse sistema funcione com a devida precisão, é necessário que todos os aviões num mesmo setor estejam com os altímetros ajustados em um único padrão – e não pelo QNH dos seus aeroportos de origem.
Uma solução adotada em todo o mundo a partir de negociações feitas pela ICAO (International Civil Aviation Organisation) determinou a criação de três grandes faixas de altitude. Nas operações de pouso e decolagem, assim como nos voos a baixa altura, considera-se que a prioridade é que o piloto evite os obstáculos no terreno e tenha uma indicação precisa da elevação em que se encontra a pista.
Os altímetros são, portanto, ajustados com base no QNH fornecido pelo controle de tráfego (ATC) local. Voando nessa condição, as comunicações de altitude entre pilotos e controladores são feitas nomeando valores em metros ou, mais usualmente, em pés: três mil pés, cinco mil pés e assim por diante. Por vezes, complementa-se com o código QNH.
Acima de uma determinada altura (que é denominada altitude de transição, transition level, TA ou TL), considera-se que a prioridade já não é mais evitar os obstáculos em solo, mas, sim, manter o distanciamento mínimo entre as aeronaves em voo. Por isso, ao atingir essa altitude, todos os aviões devem obrigatoriamente reajustar seus altímetros para uma pressão atmosférica padrão de 1.013,25 hectopascais (ou 29,92 polegadas de mercúrio). Entre essas duas grandes faixas de altitude existe uma camada de transição (transition layer) na qual não é permitido o voo nivelado, mas apenas a passagem de aeronaves subindo ou descendo.
Acima da camada de transição, as comunicações de altitude com os ATC passam a ser feitas em termos de níveis de voo ou Flight Levels. Por exemplo: aviões que estejam autorizados a voar no FL 070 devem se conservar a sete mil pés, enquanto que aqueles autorizados para FL 330 voam a 33 mil pés. Entre os FL 290 e 410 (29 mil a 41 mil pés) todas as aerovias que seguem em direções opostas ocupam níveis de voo com afastamento vertical de 610 metros ou dois mil pés (reduzido para mil pés em regiões onde se adota a RSVM, reduced vertical separation minima).
Na prática, isso significa que os aviões que estão voando em um Flight Level fixo e monitorado por seus altímetros barométricos, costumam variar a sua altitude real, subindo ou descendo ligeiramente conforme cruzam zonas de baixa ou alta pressão na atmosfera (mudanças repentinas podem causar movimentos bruscos). Mas isso não chega a ser um problema, já que todos os demais aviões nessa mesma região farão exatamente o mesmo movimento, conservando, assim, as distâncias seguras de separação vertical. Além disso, do ponto de vista do comportamento aerodinâmico da aeronave, o que importa de fato é a pressão atmosférica, e não a altitude real.
Em alguns espaços aéreos ao redor do mundo houve a decisão de padronizar um valor para a altitude de transição TA. Nos EUA e no Canadá, por exemplo, ela fica a 18 mil pés; no Japão, a 14 mil pés; na Austrália, a 10 mil pés. Dentro da União Europeia, Alemanha e Espanha, adotaram seis mil pés (com exceção de algumas áreas) enquanto nos Países Baixos a TA está a três mil pés.
No Brasil (como em boa parte do mundo), a TA é determinada pelos controles aéreos de cada região. Caso ela não esteja indicada, adota-se como padrão três mil pés sobre o aeródromo de partida.
Como a altitude barométrica indica a altura do avião em relação ao nível médio do mar, ela não tem relação direta com a distância para o terreno que se está sobrevoando. Um avião que passa sobre o Aeroporto de Brasília cruzando em FL 100 está a cerca de 10 mil pés (3.048 metros) acima do nível do mar, mas somente a 6.500 pés (1.982 metros) de distância do solo, já que o próprio aeroporto está situado em uma elevação superior a mil metros do nível do mar. Sobrevoando regiões montanhosas, como os altiplanos dos Andes ou os picos do Himalaia, essa diferença se torna ainda mais acentuada.
Em situações de voo noturno ou com baixa visibilidade, é de grande ajuda para o piloto saber a altura real em relação ao solo em que seu avião se encontra. Por isso, ainda nos anos 1920, o norte-americano Lloyd Espenschied inventou o primeiro rádio-altímetro, um instrumento que usa a medição do tempo de retardo no retorno de ondas de rádio emitidas pela aeronave em direção ao solo para calcular a distância do terreno. Os primeiros modelos funcionais foram desenvolvidos pela Bell Labs e começaram a ser instalados em aviões por volta de 1938.
Os rádio-altímetros perdem precisão à medida que o avião se afasta do solo. Por isso, eles raramente são usados como referência quando o aparelho está a mais de três mil pés (915 metros) de altura em relação ao terreno. Mas são equipamentos fundamentais nos sistemas de pouso por instrumentos (instrument landing systems), em especial nos ILS de categoria II e III, que comandam automaticamente o arredondamento do pouso (flare) quando o avião se encontra a 65 pés (20 metros) de altura em relação à pista.
Além disso, os rádio-altímetros são a base dos sistemas GPWS de alerta de proximidade de terreno (ground proximity warning system) – que começaram a surgir nos anos 1970 e hoje são de uso obrigatório em aeronaves comerciais.
Nas últimas duas décadas, tornou-se cada vez mais comum o uso em aviação do sistema norte-americano GPS (Global Positioning System), com auxílio do qual a localização instantânea da aeronave pode ser determinada pela triangulação de dados fornecidos por um conjunto de satélites artificiais posicionados na órbita da terra (alternativamente, existem os sistemas Galileo da União Europeia, o Glonass da Rússia e o BeiDou chinês). A maior parte dos instrumentos GPS (mesmo os de uso pessoal) fornece, além de coordenadas de localização, uma estimativa da altitude real em que se encontra o aparelho. Mas seu uso como altímetro aeronáutico tem restrições, trata-se de um indicador secundário.
Uma das razões é que a altitude indicada pelo GPS não toma como base o nível médio do mar, mas, sim, uma elipse global teórica da superfície da Terra, o que implica em valores ligeiramente diferentes.
Além disso, a precisão da localização pode ser limitada por restrições governamentais e a aferição de altitude requer que ao menos um dos satélites usado na triangulação esteja posicionado acima do avião (e não próximo à linha do horizonte), o que, com certa frequência, não ocorre. Por isso, o GPS só deve ser usado como uma alternativa de contingência na indicação da altitude.
Encontra-se atualmente em implantação no espaço aéreo norte-americano o WAAS (Wide Area Augmentation System), um sistema que associa as informações dos satélites GPS com outros dados fornecidos por bases terrestres e satélites geoestacionários. Sistemas semelhantes estão em implantação na Europa (Egnos), no Oriente (Gagan e MSAS) e na Rússia (SDCM). Onde eles já se encontram implantados, o uso de novos instrumentos (disponíveis para instalação em aeronaves mais antigas) permite obter um posicionamento extremamente acurado da aeronave nas três dimensões: os dados de altitude têm apenas três metros de margem de erro em 95% das situações.
Ainda não há uma previsão para expansão desse sistema (ou de algo equivalente) por todo o espaço aéreo global. Mas é possível que, dentro de mais algumas décadas, as medições barométricas deixem se ser tão fundamentais na determinação da altitude, e os velhos altímetros se tornem uma relíquia do passado.
Por André Borges Lopes
Publicado em 02/08/2024, às 12h00
+lidas