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Do pistão à turbina

Conheça mais sobre a transição dos aviões a pistão para turboélices e jatos

Conceitos fundamentais para pilotos que estão migrando entre aviões a pistão para modelos turboélices e jatos


Daher
Daher

Muitos pilotos têm o primeiro contato profissional com pequenos aviões equipados com motores a pistão que operam para empresários, profissionais liberais, executivos, sendo muitos pilotos-proprietários.

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, uma aeronave pequena, adequada para determinado momento, pode se tornar insuficiente para o negócio e obrigar seu operador a substituí-la por outra, mais rápida e de maior alcance, abrindo o leque para aeronaves turboélices e até mesmo jatos.

O que muda? 

Muitas variáveis são adicionadas à operação quando o upgrade acontece. Por ora, abordaremos a peça fundamental para que essa transição ocorra de maneira segura e adequada: a pilotagem.

A maioria dos aviões do degrau acima já possui uma maior complexidade de operação e fatores que antes não existiam passam a valer no dia a dia do voo, como o controle de pressurização, o voo em altitudes elevadas, as velocidades mais altas de decolagem e pouso e o voo em condições meteorológicas desfavoráveis (como a formação de gelo, por exemplo).

Em aeronaves de menor porte, o voo diurno, estritamente feito em condições visuais de meteorologia ou sob regras de voo visual (VFR), darão lugar possivelmente a condições meteorológicas abaixo dos mínimos estabelecidos para voar segundo as regras do voo visual (IMC), regras de voo por instrumentos (IFR) e voos no período noturno.

Considerando o relacionamento próximo entre o piloto da aviação de negócios e o proprietário da aeronave, baseado antes de tudo em confiança mútua, é comum que a transição ocorra também para esse profissional. Ou seja, o piloto vê o desenvolvimento de sua carreira atrelado ao crescimento dos negócios de seu empregador, o que lhe dá a chance de, literalmente, alçar voos mais altos e mais longos.

King Air

Duplo comando

A transição do piloto deve acontecer de maneira natural e segura. Não é preciso ser cientista de foguete da Nasa para conseguir ultrapassar essa barreira, afinal, ninguém nasceu habilitado para comandar um Airbus A380. Considere também que mais um profissional pode (normalmente, deve) ser incluído nessa operação e o piloto acostumado a voar sozinho passará a dividir a cabine com outro colega.

Ainda que muitas aeronaves sejam certificadas para serem pilotadas por somente um piloto, vale a pena considerar os prós e contras do chamado voo single-pilot em aeronaves maiores [leia artigo sobre o assunto publicado em AERO edição 249], principalmente em condições IMC (dentro das nuvens, sem qualquer referência com o solo). Muitos pensam que o processo de transição será difícil e penoso. Certamente não é!

Treinamento

O primeiro passo a ser considerado, que serve para toda e qualquer aeronave, da mais simples à mais complexa, é o treinamento. Quando certifica uma aeronave, a autoridade aeronáutica também coloca à prova o programa de treinamento, balizando não só os pilotos que receberão a formação como os instrutores que irão ministrar o curso.

Cumprir os requisitos do treinamento e demonstrar a aptidão necessária para operar a aeronave representam o primeiro passo para uma transição segura. Algumas aeronaves possuem simuladores disponíveis para realização de voos de instrução. Usá-los desde o início do treinamento é o padrão ouro de segurança de voo. Fazendo isso, o piloto vai treinar de maneira padronizada (principalmente as emergências) e realizar os procedimentos adequados às mais diversas situações (comuns e adversas) que encontrar.

Turboélices

Piper M600

Os turboélices têm um excelente histórico de segurança operacional, proporcionado por equipamentos que melhoram muito a pilotagem e os controles de voo, além da altíssima confiabilidade do motor. Uma grande vantagem de segurança para turboélices é sua capacidade de fornecer operações mais seguras durante condições climáticas adversas. 

Os motores turboélices são capazes de gerar muito ar em excesso, que pode ser usado em sistemas de proteção contra gelo (como os boots de descongelamento), pressurização da cabine, ar condicionado, entre outros.

Eles também “perdoam” mais os erros do operador, sofrendo menos desgaste, com pouca vibração e fadiga de materiais. Controlá-los e gerenciá-los se revela mais fácil na comparação com um motor a pistão, que requer ajustes de passo de hélice, de mistura e de pico da temperatura dos cilindros, além de uma descida mais eficiente.

Pressurização

Beechcraft Denali

Se o avião for pressurizado, o piloto pode programar a descida em seu ponto ideal, perfazendo uma trajetória mais íngreme sem que ninguém a bordo sinta aquela pressão desagradável nos ouvidos e garantindo mais tempo de voo em altitudes superiores, com maior velocidade aerodinâmica e menor consumo. 

Em um avião a pistão, o piloto tem de programar a descida com muita potência aplicada, pois a mudança de altitude de maneira abrupta (como ocorre em turboélices e jatos) pode fazer com que a temperatura da cabeça do cilindro baixe muito rapidamente e cause danos ao motor, além dos efeitos desagradáveis no corpo humano.

Trem retrátil e aproximação

Pilatus PC-12

Nos aviões maiores, o trem de pouso passa a ser retrátil, exigindo checklists em todas as fases do voo para que os procedimentos de segurança sejam realizados de maneira adequada e nada seja esquecido (como baixar o trem de pouso, por exemplo).

Outro ponto que os pilotos devem sempre estar muito atentos se refere à aproximação final logo após cruzar a cabeceira da pista. A praxe dos pilotos que voaram somente aviões com motores a pistão é a redução total dos manetes para, então, já começar a quebrar a razão de descida, arredondando a aeronave para o pouso.

Em uma aeronave turboélice, as hélices em passo mínimo produzem muito arrasto e acabam por servir também como um belo freio aerodinâmico. Ao reduzir o manete na curta final logo após a cabeceira, o piloto irá fazer com que sua velocidade (que já deve estar baixa) se reduza a níveis perigosos. Caso a aproximação seja feita um pouco mais alta do que o normal ou com menor velocidade (já próximo ao limite de estol), uma situação indesejável pode acontecer. 

Portanto, a redução de manete na aproximação final deve ser bastante suave. Essa é uma diferença de fácil percepção para os pilotos e pode ser identificada sem dificuldades com um treinamento adequado.

Seja como for, os turboélices também podem contar com sistema de passo reverso da hélice, o que ajudará (e muito) no pouso, encurtando consideravelmente a distância a ser percorrida após o toque.

Velocidade a jato

Phenom 300

Até agora, privilegiamos as dicas de transição para aeronaves turboélices, mas muito do que já foi dito também vale se a transição for para jatos, independentemente da ordem que isso ocorra, sendo possível, seguro e viável inclusive a transição direta de pistão para jato.

Em aviões a jato alguns fatores são mais críticos e devem ser considerados de maneira bastante criteriosa. Os cálculos de velocidades de decolagem e pouso são fundamentais para que a operação seja conduzida de maneira segura e adequada. Em aeronaves a pistão ou turboélices, as variações dessas velocidades também existem, mas em níveis muito menores em relação ao que acontece com os jatos. Se o freio ou o reverso falharem durante o pouso de um jato e o piloto estiver acima da velocidade estipulada no manual de operações para o cruzamento da cabeceira, saiba que cada um nó a mais de velocidade representa 100 metros adicionais de pista para desaceleração.

Essa questão de velocidade já nos remete para o próximo ponto a ser considerado, que é a devida análise de pista, considerando também se está molhada ou seca e já planejando o perfil de arremetida caso ocorra.

Altitudes elevadas

Devemos ter a consciência de que jatos voam em altitudes mais elevadas do que aeronaves a pistão ou turboélices e, por isso, estão sujeitos a diferentes fenômenos meteorológicos, como aqueles presentes na tropopausa (camada intermediária entre a troposfera e a estratosfera). Além disso, disso pilotos de aviões a reação têm de enfrentar correntes de jato, nuvens cirrus, turbulências de céu claro, trilhas de condensação, camadas de "neblina" de alta altitude e o famoso fogo de santelmo (descarga elétrica).

Aviônica

Garmin G1000 King Air

A cada degrau que o piloto sobe em sua transição para outros tipos de aeronaves, mais complexa vai ficando a operação e novas itens vão sendo adicionados a cada etapa do voo. Mas, felizmente, isso tende a não ser mais tão complexo como já foi no passado. A aviônica embarcada nas aeronaves mais modernas é bastante similar em diferentes tipos de aviões. O mesmo sistema Garmin 1000 pode estar em um monomotor Cessna 172, em um monoturboélice Daher TBM 900 e em um jato Phenom 100, tornando muito mais amistoso esse processo de transição. As modernas plataformas de gerenciamento de navegação e da aeronave têm proporcionado uma redução significativa da carga de trabalho dos pilotos na cabine, além de adotarem filosofias similares de operação intuitiva.

Por fim, vale ressaltar: o treinamento e a transmissão de conhecimento de pilotos mais experientes para os menos experientes farão com que os voos sejam efetuados de maneira adequada e segura alcançando objetivos cada vez mais longínquos.

* Texto adaptado do original publicado
na edição 320 de AERO Magazine

Por Rodrigo Duarte
Publicado em 08/11/2022, às 16h30


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