O Boeing 737 não utiliza tampas no compartimento do trem de pouso principal por questões técnicas e conceituais
O Boeing 737 é um dos poucos aviões comerciais modernos que não tem portas no compartimento do trem de pouso principal, mantendo os pneus a mostra. A escolha do trem de pouso retrátil, mas não escamoteável, contrasta com modelos como o Airbus A320, por exemplo.
A solução remonta ao conceito original do 737, desenvolvido no final dos anos 1960 com foco em voos curtos e operação em aeroportos com pouca ou nenhuma infraestrutura. O objetivo dos engenheiros foi obter uma solução leve, prática e com baixo impacto no desempenho do avião.
Na prática, o pneu atua como uma superfície de transição que atenua o impacto aerodinâmico da abertura no compartimento — função normalmente desempenhada por tampas que selam o compartimento do trem de pouso. Na ausência de portas, os pneus assumem parcialmente o papel de suavizar o escoamento do ar, funcionando como elemento de contorno para a fuselagem. Embora a princípio pareça um contrasenso, por resultar em maior arrasto, a diferença prática é mínima, especialmente comparado aos ganhos na redução de peso estrutural e de complexidade de manutenção.
A escolha da Boeing priorizou robustez e simplicidade. Nos modelos iniciais da série 737-200, voltados a voos curtos e operação em pistas secundárias, o ganho aerodinâmico das portas não justificava o aumento de peso e complexidade. A eliminação das tampas também reduziu o número de componentes móveis e potenciais pontos de falha, o que facilitava o suporte técnico em localidades com poucos recursos de solo.
Embora a configuração gere maior arrasto em voo de cruzeiro, o impacto é mitigado por soluções como vedadores de borracha nos compartimentos e calotas nas rodas, que suavizam o perfil inferior da fuselagem. Além disso, as hastes do trem possuem portas próprias, que se fecham na junção da asa e a fuselagem, deixando expostas apenas as rodas.
Esse arranjo técnico também é adotado por outras aeronaves como a primeira geração dos E-Jets, nos CRJ e também nos Airbus A220.
No caso do 737, mesmo modernizado em três gerações, modificar essa característica exigiria alterações significativas no projeto, com impacto no peso, na certificação e na lógica operacional. Por isso, mesmo nas versões mais recentes, como o 737 MAX, a Boeing manteve a configuração herdada do modelo original lançado em 1967.
A ausência de portas no trem principal permanece como uma das marcas visuais mais distintas do 737. Mais do que uma peculiaridade, trata-se de uma decisão de engenharia alinhada à proposta original da aeronave — uma escolha que se manteve coerente ao longo de quase seis décadas de produção contínua.
Por Marcel Cardoso
Publicado em 20/05/2025, às 09h24
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