O desenvolvimento e a expansão do transporte aéreo brasileiro de pequeno porte é fundamental para o futuro do país
Por sermos um país continental, com mais de 200 milhões de habitantes, em desenvolvimento e com inúmeras limitações e necessidades logísticas regionais (tanto inter-regionais como intrarregionais, ou seja, entre regiões e dentro de uma mesma região), o Brasil depende de uma aviação pujante.
Parece óbvio, certo? Mas não é tanto assim... porque, se fosse, os diversos governos federais das três ou quatro últimas décadas já teriam debatido, elaborado e executados políticas específicas para facilitar e multiplicar o desenvolvimento e a expansão do transporte aéreo brasileiro.
Aliás, dois segmentos do setor deveriam ter atenção mais que especial: a aviação geral/de negócios e a aviação regional/sub-regional. Ambos são, de forma inequívoca, atividades de transporte que atuam como grandes multiplicadores de integração nacional e de contribuição social e econômica, uma vez que podem atender a localidades operacional e economicamente inviáveis para as empresas aéreas regulares de médio e grande portes, quer brasileiras ou estrangeiras.
Como se não bastasse, funcionam como berço para formação de pessoal altamente qualificado para as empresas aéreas de médio e grande portes que o país também tanto necessita.
Para trabalharmos sobre um conceito comum e simplificado, quando estivermos empregando aqui o termo “aviação geral e de negócios”, pensemos na aviação privada, nas frotas corporativas e nos táxis-aéreos (bem como nas atividades de apoio a cada um desses, em especial oficinas de manutenção). Deixemos a infraestrutura de lado aqui, pois focaremos nela mais à frente, em separado. Então, esta é uma forma simplista de ver, mas fiquemos com ela para facilitar e por questão de espaço.
Cabe ressaltar que esse é o segmento do transporte aéreo que mais possibilita e mais contribui com a integração nacional e regional, quer no Brasil ou qualquer lugar do mundo. Esse segmento confere segurança, rapidez e eficiência no deslocamento de empresários, funcionários de todas as hierarquias empresariais, profissionais liberais das mais diversas especialidades, de enfermos e órgãos para transplante, assim como parlamentares, ocupantes de cargos do executivo e do judiciário, seus assessores, além de servidores diversos das três esferas de governo.
Não raras vezes, é o meio mais seguro, eficiente, eficaz e efetivo para se chegar/sair de uma localidade com limitações de elevada monta (ou, literalmente, inacessível, ainda que de forma temporária) ao serviço por barcos, veículos terrestres ou mesmo por caminhada.
Ora, a aviação geral e de negócios não possui meios para oferecer um modelo low-cost/low-fare (em especial low-fare, que é o verdadeiramente mais difícil!) tal como uma Southwest, Ryanair e Easyjet oferecem.
Aqui precisamos abrir um parêntesis: não possuem meios se operarem de forma legal, dentro da lei e dos regramentos existentes; fazemos este destaque porque existem “modelos de negócio” – com aspas mesmo – aplicados por algumas organizações, nos quais “interpretações jurídicas” e “brechas” – mais aspas! – permitem uma operação com preços menores e mais atrativos se comparados aos praticados pelas demais empresas do segmento.
Permitam mais um rápido parêntesis: sou entusiasta e apoio totalmente modelos de negócio inovadores, disruptivos, que desafiam o status quo; desde que respeitem 100% leis e regramentos em vigor e que não haja dúvidas e necessidades de “interpretações” ou “brechas” para se manterem de pé.
Neste sentido e por realizarem atividade essencial de transporte, integração e emergência, cabem políticas específicas para o seu desenvolvimento. O que podemos fazer para auxiliar este segmento? Quatro itens para reflexão:
No mundo digital e hiperconectado como o de hoje, há ferramentas e sistemas (baseados em blockchain, inteligência artificial, correlações, além de outros) que, ou já estão disponíveis ou podem ser desenvolvidos, que podem ser empregados pelo governo federal e os governos estaduais para coibir/punir abusos e fraudes sobre os itens acima, assim como para verificar exatamente se esta aeronave está registrada neste ou naquele tipo de atividade etc.
Lembrando que sistemas de verificação antifraude altamente sofisticados já são empregados no país por bancos brasileiros, administradoras de cartões de crédito e pela própria Receita Federal. Em outras palavras: tem como ser feito e não é nenhum “bicho-de-sete-cabeças”.
Alguns podem argumentar que, aproveitando as reduções de custos aqui listadas, determinados grupos ou indivíduos poderão levar vantagem sobre a grande maioria dos atuantes no segmento. Novamente, há formas de se atenuar esta suposta (ou real) vantagem. De toda forma, é importante ressaltar que não há política de desenvolvimento perfeita e que outros mecanismos de controle e restrição podem ser incorporados aos itens aqui propostos.
O Brasil já contou com empresas aéreas genuinamente regionais por décadas. Lastimavelmente, a extensa maioria não existe mais, tendo desaparecido pelos próprios meios (falência por má gestão, por consequência de políticas cambiais ou choques econômicos, por complicações financeiras após acidentes, consolidação com a empresa “mãe” etc.), por aquisição de outra empresa aérea (exemplo da TRIP adquirida pela Azul) ou por ter tido sua autorização/concessão de funcionamento cassada pela autoridade aeronáutica.
Hoje em dia, contamos nos dedos de uma mão quantas empresas aéreas genuinamente regionais temos no país e sobram muitos dedos. Para um país com as dimensões do Brasil, repleto de complexidades e necessidades logísticas para integração e desenvolvimento socioeconômico, esse fato é algo que beira o absurdo.
Neste sentido e sabendo do inequívoco papel da aviação regional para o desenvolvimento de um país (ainda mais um continental, com espalhamento significativo de núcleos populacionais e unidades produtivas industriais e do agronegócio; basta ver a importância do segmento da aviação regional dedicada em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, China, no território dinamarquês da Groenlândia e nos países escandinavos), urge ao Brasil dedicar toda atenção e todos os esforços possíveis para que tenhamos políticas específicas para o desenvolvimento crescente e sadio deste segmento. Para isso, apresentamos aqui mais seis itens para reflexão:
Novamente, alguns argumentarão sobre a dificuldade ou complexidade de coibir e punir abusos e fraudes. Como já vimos, este argumento cai por terra com ferramentas e sistemas fundamentados em tecnologias e conceitos ultramodernos e que tenham bases no que já está em uso rotineiro pelo setor financeiro e pela Receita Federal.
Outro argumento pode ser o de não mais existir uma classificação, uma definição clara e inequívoca do que seja uma empresa aérea regional. Ora, isso é facilmente resolvido, uma vez que existem definições clássicas em vigor nos Estados Unidos e outros países, assim como se pode resgatar as definições que empregamos aqui no Brasil mesmo tempos atrás, atualizando-as e adequando-as ao momento presente e um tempo futuro previamente definido.
Observe o leitor que, nos dois segmentos anteriores, foi empregado o termo “aeronave”, sem distinção de ser asa fixa, asa rotativa, eVTOL, com piloto a bordo, remotamente pilotada, autônoma e assim por diante. Isso porque, quanto mais se rotular, quanto mais se particularizar as políticas de desenvolvimento e as propostas de ação, mais estas acabam engessadas e menos alcance e aplicabilidade terão.
Os aeroportos regionais e os chamados aeroparques e condomínios aeronáuticos também são elos para esta integração e para o desenvolvimento do país como um todo. Por questão de espaço, neste texto daremos importância destacada ao primeiro, os aeroportos regionais.
No Brasil, um país eminentemente “rodoviarista”, o planejamento aeroportuário careceu sempre de uma interface com os meios de transporte de superfície. O leitor conhece quantos aeroportos aqui no Brasil que possuem uma rodoviária para ônibus intermunicipais, interestaduais integrada ao terminal de passageiros?
Ora, quanto menor a integração, menor a cobertura da aviação regional, menor conectividade e menos potencial ela tem! Afinal, o segmento regional é um excelente indutor, catalisador e multiplicador socioeconômico (em qualquer país que seja, ressalte-se).
Se é assim, onde está o planejamento integrado dos meios de transporte terrestre de médio e longo curso, tão importantes e comuns no Brasil, com o planejamento da aviação brasileira (aqui até incluindo a aviação de grande porte, os aeroportos de grande porte)?
O fato é que temos um abismo entre o meio rodoviário e o aéreo quando se fala de planejamento e visão de um sistema de transportes. Está mais do que na hora de isso acabar! Neste sentido, apresentamos três itens para reflexão:
Importante observar que os três itens apontados aqui vêm reduzir de forma significativa o abismo atualmente existente, na extensa maioria do país, entre o planejamento de transportes terrestres e o planejamento do transporte aéreo.
Essa tão necessária integração criará empregos (e com isso melhor distribuir renda), dinamizará as economias local, estadual, regional e nacional, irá gerar muito mais conectividade para a sociedade, propiciará mais oportunidades de negócios para os aeroportos e para os prestadores de serviços aéreos (e aqui ampliaremos as bases de demanda de passageiros e cargas da aviação regional, da aviação doméstica de grande porte e até mesmo dos voos internacionais!) e, por fim, todas estas atividades, sendo mais pujantes, irão compensar e repor a arrecadação de tributos que foram reduzidos ou zerados em alguns dos itens propostos ao longo do texto.
Este autor sabe que os itens aqui levantados são apenas uma pequena parte da ponta do iceberg para o necessário e verdadeiro desenvolvimento da aviação brasileira nos seus segmentos geral/de negócios e regional.
Em paralelo, é fundamental reconhecer que o caminho é plenamente factível, em todos os aspectos. Talvez seja um raro caso de haver muito mais pontos positivos do que neutros ou negativos. É um extenso rol de ganha-ganha de todas as partes, em especial da sociedade, do cidadão brasileiro – dos mais humildes aos mais abastados – que sustenta(m), com seus esforços, seu trabalho e seus impostos, tudo que vimos aqui.
* Respicio A. Espirito Santo Jr. é professor de transporte aéreo
na Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Por Respício A. Espirito Santo Jr.*
Publicado em 13/11/2023, às 15h00
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