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A metamorfose de Congonhas

Marcelo Bento, da Aena Brasil, conta os planos para o aeroporto de Congonhas

Marcelo Bento conta detalhes sobre o futuro do aeroporto de Congonhas e os planos para a aviação de negócios e comercial


Imagem Marcelo Bento, da Aena Brasil, conta os planos para o aeroporto de Congonhas

A Aena se tornou a maior administradora aeroportuária do mundo. O grupo espanhol passou a operar 80 aeroportos, sendo a maioria na Espanha e os demais espalhados por Brasil, México, Jamaica, Colômbia e Reino Unido.

Nesta entrevista Marcelo Bento, diretor de Comunicação, Relações Institucionais e ESG da Aena Brasil, detalha o que vai acontecer no mais desafiador aeroporto administrado pelo grupo, o de Congonhas, em São Paulo, a capital paulista.

  • O transporte aéreo do Brasil vai crescer?

A aviação de um país está atrelada à economia, crescendo duas vezes mais do que o PIB. Ou seja, o tráfego aéreo brasileiro depende do PIB. Pode crescer mais do que duas vezes o PIB? Se o Brasil tiver um crescimento constante, talvez. Grande parte dos custos está atrelado ao dólar e ao petróleo. Se os preços do dólar e do petróleo permanecerem estáveis, isso favorece o transporte aéreo.

  • A Aena comporta uma operação dessa magnitude?

Assumimos os primeiros aeroportos brasileiros às vésperas da pandemia. Estamos entregando obras em seis e abraçando outros 11. Poucas empresas têm essa capacidade de gestão, fazendo projetos de expansão e iniciando obras. Isso só é possível com muito conhecimento técnico e capacidade de realização. Estamos acostumados com a operação em rede. Nossa configuração corporativa foi pensada para operar dessa forma e ter sinergia necessárias para tornar esses aeroportos possível. Na Espanha, temos desde heliportos até aeroportos de grande porte, como Madrid. A Aena não tem interesse específico em operar aeroportos regionais. Queremos a aviação nacional, em aeroportos de maior porte. Mas temos aeroportos bastante pequenos, faz parte do jogo. Brasil teve expansão enorme da aviação regional nos últimos seis a sete anos. Em grande parte, capitaneada por Azul e Passaredo. A Azul atingiu 150 bases, eram 100. A aviação regional é cara e de difícil expansão. Não é qualquer um que consegue pagar um custo que é diluído em menos assentos. A tripulação de ATR é igual à de um jato de grande porte. A operação no aeroporto é menor, mas não muito menor na comparação com jatos maiores. Mas o agronegócio oferece oportunidades para expansão.

  • A Aena acaba de assumir o aeroporto de Congonhas. O grupo teme que aconteça em São Paulo algo parecido com o que vem se passando no Rio de Janeiro, especificamente no Santos Dumont?

São realidades diferentes, sistemas aeroportuários diferentes. Atualmente, por motivos diversos, o Rio não tem densidade de tráfego para sustentar seus dois principais aeroportos a plena capacidade. Em São Paulo, Congonhas opera com sua capacidade total e Guarulhos não está muito longe de atingir seu limite. Em 2019, Guarulhos tinha toda a sua capacidade ocupada entre cinco da manhã e meia-noite. Havia disponibilidade somente durante a madrugada, já que o aeroporto funciona 24 horas por dia. E ainda tem Viracopos, que absorve parte do tráfego com um número elevado de voos, são cerca de 160 por dia.

  • Quais os atuais números de Congonhas?

Em 2019, o aeroporto teve um movimento de 22 milhões de passageiros. Caiu muito na pandemia, quando o aeroporto chegou a fechar. Neste ano, há possibilidade de superarmos os números de 2019. Em 2024, devemos crescer, talvez chegar a 24 milhões de passageiros. Congonhas tem 43/44 movimentos por hora, operando plenamente de segunda a sexta-feira, ou seja, é um aeroporto saturado. Trata-se do quarto maior aeroporto da rede Aena no mundo, perdendo para Madri, Barcelona e Palmas de Mallorca, mas com um grau de complexidade maior, justamente porque opera mais próximo da capacidade total e conta somente com uma pista para a aviação comercial regular. O grupo inteiro está de olho em Congonhas, buscando oportunidades de ganho de eficiência.

  • Há planos de mexer nos slots?

No curto prazo, não temos planos de expandir os slots de Congonhas. Com as obras, é possível termos ganhos de eficiência e obtermos capacidade adicional, mas, no momento, fica como está, sem crescimento. Mais para frente, vamos trabalhar para Congonhas operar aviões um pouco maiores, como o A321 e o 737 MAX 10, que transportarão mais passageiros usando os mesmos slots. Grande parte das obras será para que isso seja possível.

Aeroporto de Congonhas
Foto: Edmundo Ubiratan/AERO Magazine
Não tem cabimento falar em expulsar a aviação geral do aeroporto. Isso está longe de acontecer (...) A dúvida é se faz sentido uma aviação de baixa performance, um monomotor ou mesmo um bimotor de baixa potência. Em princípio, não faz sentido manter essa aviação.
  • Que obras estão previstas?

O aeroporto é um espaço apertado e vamos ter de deslocar o terminal de lugar para cumprir as normas internacionais e nacionais de separação mínima, tanto da pista para taxiway como da taxiway para o terminal. Com isso, teremos de desocupar parte de áreas onde hoje estão hangares e realocar tudo. Na prática, o terminal vai dobrar de tamanho, seguindo padrões de conforto e construção superiores aos que existiam antes do aeroporto ser concessionado. Vamos praticamente construir um novo terminal, embora seja uma expansão do terminal atual, que vai ser ampliado de 40 mil metros quadrados para 80 mil metros quadrados. Grosso modo, a área onde hoje está instalada a Gol será usada para embarque e check-in e o terminal atual ficará para desembarque.

  • É uma obra desafiadora...

Sim, vamos ter de realocar muita gente. Veja o caso do hangar da Gol. Toda aquela área terá de dar lugar a uma expansão do terminal. E não dá para ter uma empresa do tamanho da Gol operando sem hangar. Ou seja, vamos ter de achar espaço para isso. Provavelmente, um ou outro hangar da Latam também vão ser afetados.

  • Em termos operacionais, quais serão as melhorias?

Teremos uma pista de pouso mais segura. Ela já é segura, mas não tem o afastamento que deveria ter para a taxiway. Este é um dos principais aspectos que temos de resolver, deslocar a pista de rolagem em direção ao terminal de passageiros para que tenha um afastamento mínimo em relação à pista principal. Só que, ao fazer isso, a pista de rolagem também precisa ter um afastamento de onde estariam as caudas das aeronaves estacionadas no terminal principal, e hoje não há espaço para isso. Por isso o terminal como o conhecemos hoje vai deixar de existir. Todas as pontes de embarque atuais serão removidas.

  • Ou seja, o problema hoje são os pátios?

Sim, e grande parte das adequações vão ser por essa via. Na pista principal, que já recebeu o EMAS [um sistema de parada na área de escape], os incrementos vão se restringir à pavimentação. Mas o investimento maior de pavimentação será para resolver os problemas crônicos das pistas de acesso à pista principal. Estou falando de buracos mesmo, que causam atrasos e muitos transtornos operacionais. Também vamos construir mais uma saída rápida, que aumenta a eficiência, reduzindo tempo de espera. Esperamos obter ganhos com uma pista mais bem conservada e pistas de acessos em melhores condições. Em resumo, teremos pistas mais bem conservadas e nova configuração com a mudança de local do pátio, tornando as operações mais eficientes pelo acesso e seguras pelo afastamento.

  • Mas as pistas continuam como estão?

Em termos de largura e comprimento, sim, sem melhorias. Infelizmente, elas não funcionam concomitantemente, por conta do afastamento. E não temos espaço para fazer esse afastamento.

  • O abastecimento de combustível vai continuar como está?

Estamos vendo possível expansão da capacidade, com mais dias de estoque de combustível. Existe uma tendência de ter mais distribuidores em aeroportos, e não só em Congonhas. Estamos vendo também de colocar pontos elétricos e ares-condicionados nas pontes de embarque, para poupar APU e GPU das aeronaves.

  • Há preocupações em relação à contaminação do solo?

Não é um problema, mas existem pontos de contaminação que precisam ser monitorados, como já vem sendo feito há anos.

  • O que vai acontecer com a aviação geral? A hangaragem e a operação de aeronaves de menor porte vão continuar viáveis econômica e operacionalmente em Congonhas?

A aviação geral é uma parte importante do negócio. É uma aviação que depende de hangaragem, e o negócio imobiliário é uma parte relevante do nosso negócio. Não tem cabimento falar em expulsar a aviação geral do aeroporto. Isso está longe de acontecer. Ainda mais porque a aviação geral de Congonhas é bem especial. São aviões de grande porte. Agora, a aviação geral vai ter de se adequar à realocação dos espaços. Alguns hangares serão demolidos e teremos de otimizar os espaços. Algumas operações terão de acontecer em hangares menores. Esse será o maior impacto em termos de aviação geral. Assim como vai acontecer com a aviação regular. A Gol vai ter de construir um novo hangar. A Líder certamente terá de sair de onde está, assim como a Helisul. Do lado oposto, ainda não sabemos. Mas todo mundo vai ter de ceder. O objetivo será conceber um aeroporto mais confortável para o passageiro.

  • Essa expectativa vale para a aviação geral de pequeno porte?

A aviação de negócios de grande porte faz sentido em Congonhas. A dúvida é se faz sentido uma aviação de baixa performance, um monomotor ou mesmo um bimotor de baixa potência. Em princípio, não faz sentido manter essa aviação. Em um lugar onde o espaço é escasso, é preciso se justificar o custo de ocupar esse espaço, e aí pode começar a não fazer sentido para essa aviação de pequeno porte. Além disso, tem a questão operacional. Os aviões de pequeno porte usam a pista de uma maneira menos eficiente, demorando mais para livrar, pousar, decolar e aproximar. Essa ineficiência tem reflexo no aeroporto todo. A aviação geral fica em Congonhas, mas só a aviação geral de grande porte. A aviação geral de pequeno porte tende a se tornar inviável no aeroporto.

  • Como vão ficar os slots da aviação geral?

Não tem sentido você ter tantos slots garantidos para a aviação geral como acontece hoje, quando o aeroporto poderia ter slots de oportunidade. São oito por hora. Estamos trabalhando para reativar os slots de oportunidade, para que os operadores possam voltar a usar os slots de oportunidade e talvez não ter necessariamente oito slots por hora obrigatórios. Além disso, os slots obrigatórios geram uma guerra para se guardar lugar. A flexibilidade tiraria essa tensão.

  • Com vai ficar a operação dos helicópteros?

Hoje, ela é feita pela pista auxiliar. Vai continuar assim. Temos de avaliar se haverá espaço para um novo heliponto. A Líder tem um heliponto fora do sistema de pistas do aeroporto, mas suas instalações terão de ser deslocadas.

  • Congonhas voltará a operar voos internacionais?

O aeroporto vai estar apto para a operação internacional. Teremos portões reversíveis, que poderão ser utilizados com área fechada para voos internacionais e, quando for o caso, permanecerem abertos e integrados aos demais. Como acontece em Recife, por exemplo. Mas não é o aeroporto que decide se haverá voo internacional, são as companhias aéreas. Elas não sinalizaram nada sobre isso ainda. No momento, estamos vendo se existe realmente interesse para isso.

  • A aviação geral poderá operar voos internacionais?

Como disse, pretendemos estar aptos, o que valeria para a aviação de negócios. Mas não sabemos quando. Vai demorar. A Infraero nunca terminou processo junto à Anvisa [a agência de vigilância sanitária]. Além disso, o local onde as instalações seriam construídas ficará indisponível após o início das obras.

  • Congonhas vai continuar sediando a Labace?

Dificilmente. Confesso que isso não foi discutido. Acho difícil. Temos de começar as obras. Não sei se vão começar até agosto do ano que vem, mas existe a possiblidade. Agora, boa parte da área da Labace foi concedida à Leroy Merlin, que também deve começar a obra de construção de uma loja em frente à avenida Washington Luiz no ano que vem, provavelmente no início do ano. Ou seja, creio que dependa mais da Leroy Merlin do que da Aena. Se o espaço estiver disponível, não vejo por que não disponibilizar, pelo menos em 2024. Para 2025, com certeza, não vai ser mais onde vem sendo, por causa das obras em curso. E não sei se haveria outro espaço dentro do sítio aeroportuário de Congonhas, também por causa das nossas obras e a realocação das aeronaves da Gol. Será uma obra de grande porte. Teremos de deslocar muita gente, construir novas infraestruturas para depois poder realocar definitivamente quem a gente deslocou. Serão cinco anos de obras.

Por Giuliano Agmont
Publicado em 12/11/2023, às 13h00 - Atualizado em 14/11/2023, às 10h30


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