Maurício Frizzarim, o brasileiro que criou um time acrobático com jatos militares
O brasileiro montou um time com jatos militares e hoje se apresenta em shows aéreos por todo os Estados Unidos
O empresário paulista Maurício Frizzarim é piloto e fundador da Qyon Aero Sports, a primeira equipe brasileira de esportes aéreos com base nos Estados Unidos. Após fazer carreira como empresário na área de software e fundar a Qyon Tecnologia – empresa brasileira especializada no desenvolvimento de softwares de gestão com Inteligência Artificial – , criou em 2020 a Qyon Aero Sports.
O time acrobático voa com dois SIAI-Marchetti S.211 e um L-39 Albatroz. E, em apenas cinco anos (sendo um deles marcado pela pandemia do coronavírus), já acumula um amplo histórico de shows aéreos nos Estados Unidos. Os voos acontecem tanto em pequenas cidades como em grandes apresentações, como a gigantesca EAA AirVenture, em Oshkosh, e até mesmo no agora lendário Reno Air Race, em Reno, Nevada.
Nesta entrevista exclusiva a AERO Magazine, Frizzarim deu mais detalhes sobre a vida de um piloto acrobata fora do Brasil, falando de sua equipe e da vez que competiu no Reno Air Race.
Você teve sua carreira iniciada na indústria de software, até fundar um time acrobático nos Estados Unidos. Como começou sua relação com a aviação? Quando tinha 16 anos, eu morava em Americana (SP) e sempre estava no aeroporto, vendo os aviões. Queria ser piloto, mas, no exame médico de admissão, diagnosticaram miopia em um olho e disseram que, por conta disso, eu não poderia pilotar avião. Desisti então da ideia e entrei na área de software, ainda com 16, 17 anos. Eu gostava muito de computador, que estava chegando ao Brasil na época, começo da década de 90. Havia muita oportunidade, me aprofundei na áre e comecei a ganhar bastante dinheiro.
Você se tornou piloto nessa época ou depois? Bem depois. Falando com um amigo no aeroporto de Americana, ele me perguntou por que eu não tirava a carteira de piloto e comprava um avião experimental, um LSA, ou um Cessna. Eu falei: ‘Ah, porque não posso, tenho miopia’. Ele respondeu que poderia, sim. Na hora, fui fazer exame médico e, daquela vez, passei. Fui voar e nunca mais parei. Era para eu ser piloto, e não empresário da área de software.
No final, foi aquele revés que veio para o bem. Hoje, você pode voar por prazer e não por profissão, sem depender disso para viver. Voar profissionalmente é incrível, mas por lazer é ainda melhor, não? Sem dúvida nenhuma. Foi um azar que virou sorte.
E como você começou a voar em acrobacia? Eu tinha, sei lá, mais de duas mil horas, já estava voando bastante. Tinha um Boeing Stearman, um T-6 e já tinha aprendido a fazer acrobacia, isso voando no Brasil. O Carlos Edo que me ensinou a voar o T-6 e (depois) comprei um dos T-6 dele. Sempre ia para Oshkosh e babava na estrutura americana.
Como surgiu a ideia de montar, justamente nos Estados Unidos, um time aéreo acrobático? A minha empresa se tornou a maior na área de softwares para escritórios contábeis e acabou chamando a atenção de muitas multinacionais. A ideia era abrir capital, mas, no fim, deu errado. Em 2012, vendi parte da empresa e, em 2014, o restante. Me mudei para os Estados Unidos. Naquela época, já tinha um Citation e continuei voando. Quis conhecer os condomínios aeronáuticos do país. Fui a alguns onde as pistas eram de grama; em outro, de asfalto, mas pequenininha. Então, conheci o Wellington (Aero Club) e adorei. Comprei casa aqui nos EUA e assim começou a história da Qyon Aerosport.
Qyon voa com dois treinadores avançados S-211 da italiana SIAI-MarchettiPor causa do condomínio aeronáutico? Sim. Todo o mundo que vive aqui é apaixonado por aviação - ou trabalha na área, ou é ex-piloto, ou simplesmente é empresário que gosta de avião. Então, já morando aqui, de repente, vejo um caça pousando. Eu parecia uma criança na Disneylândia! Peguei meu carrinho de golfe e fui atrás do dono do caça para conhecê-lo. Falei: ‘Nossa! Como é que você tem um caça?’. Eu não sabia nem o que perguntar. Sabe quando você fica alucinado? E ele estava com pressa e fiquei mais atrapalhado ainda (rindo). Perguntei como comprar um e ele respondeu: ‘Por acaso, está falando com a pessoa certa’. Ele tinha comprado três ou quatro desses (SIAI-Marchetti S211) num leilão, trouxe para os Estados Unidos e tinha um à venda. Foi outra sorte. Acabei comprando dele o primeiro Marchetti.
É curioso que, nos EUA, muitos ex-pilotos militares compram caças ou treinadores para continuar voando, não é verdade? Todos que saem da força aérea querem continuar voando. Os ex-pilotos se juntavam para voar e criaram ‘clínicas’ de ensino de voo em formatura. Nessas clínicas, fui aprendendo, fui voando, conhecendo mais gente. Muitos são empresários, ex-pilotos, e os instrutores normalmente são ex-força aérea ou ex-marinha. Resumindo, terminamos o curso e fomos para Sun ‘n Fun, Oshkosh, e era uma festa, uma farra. Nós saíamos para voar, naquelas formações enormes de aviões, às vezes, dez aviões, ou duas formações de cinco.
Com quais aviões? A maioria aqui tem L-39. Tem ainda F-86, T-33 e alguns outros. E tinha esses Marchetti também.
Isso explica a composição da Qyon... Sim, eu estava voando e um outro amigo, que voava junto, tinha um L-39 e o patrocínio de uma empresa de cryptomoedas. Basicamente, ele fazia acrobacia, fazia o show aéreo, cobrava por isso e recebia o patrocínio dessa empresa. Mesmo quando o patrocínio acabou, ele continuou voando. Um dia, em 2020, falamos de montar um time acrobático e, assim, montei a Qyon.
Já começou com o Marchetti S211 e o L-39? Antes, eu tinha comprado o segundo Marchetti. Foi um achado histórico. Um país árabe, se não me engano, comprou uma quantidade de (S211) Marchetti dos italianos, mas teve algum problema, o governo não pagou e teve uma disputa judicial. Esse lote de Marchetti ficou parado em hangar por quase 30 anos, sem ninguém nunca ter voado. Zero voo, zero hora, zero tudo e foi parar em um leilão. Por coincidência, esse amigo, meu vizinho, comprou um lote com quatro desses aviões e trouxe para os Estados Unidos.
Eram zero e sem voo? Sim, mas teve de trocar um monte de coisa, outras serem consertadas. Pressurização, as borrachas, um monte de detalhe, mas o avião era zero.
Segundo S-211 não tinha nenhuma hora de voo, visto que o país que encomendou acabou cancelando o contratoA ideia era já montar o time acrobático? Minha ideia, até então (2017), era comprar o avião e, quando estivesse 100%, eu vendia o outro. Acabou que, quando ficou pronto, começamos a falar sobre montar a Qyon e então desisti de vender o outro avião. Assim, ficamos com três aviões, um L-39 e os dois Marchetti, e começamos a participar de shows aéreos.
E você já começou com um repertório de manobras? Nós fazíamos a parte de acrobacia, a parte de voo solo, depois voo em formação, em formatura, passagem baixa. Às vezes, também acontecia de fazer alguns voos com VIP, que podia ser jornalista, pessoal do próprio evento, ou até para caridade. Fazem um leilão de voos para caridade. É legal, assim ficamos voando bastante e fazendo propaganda da empresa ao mesmo tempo. Então, ao invés de só me divertir, tinha também a parte de marketing, unir o útil ao agradável.
E ganhar dinheiro... [risos] É, nós recebíamos por esses shows, mas isso não dá dinheiro, para falar a verdade. Claro, ajuda a pagar os custos. Você não tem como abrir um negócio desses e achar que vai ganhar dinheiro, exceto se tiver um contrato com o governo. Algumas empresas têm. Conheci o dono de uma com aviões que simulam a força aérea inimiga no treinamento da força aérea americana. Eles simulam uma guerra, um ataque. Nesse caso, provavelmente ganham dinheiro. Agora, fazendo show aéreo, não tem como. É mais por diversão, cobrir custos e, quando sobra algum dinheirinho, está ótimo.
Com patrocínios não se torna um negócio, no sentido de ganhar dinheiro, ser realmente lucrativo? Aqui, o único jeito é assim, ter patrocinadores mais a receita dos shows. No nosso caso, não era intenção ganhar dinheiro, era realmente nos divertirmos e pagarmos o custo. Montamos, começamos, fomos para tudo quanto é show aéreo – até internacional, nas Cayman Islands. Foi muito legal, porque éramos a principal atração, os únicos caças do evento.
Isso deve exigir uma boa infraestrutura de apoio. Aqui, todas as cidadezinhas fazem show aéreo. Aviões militares do governo, Força Aérea ou Marinha, vêm para fazer show, mas as cidades normalmente contratam os times para se apresentar. Para isso, compramos os motorhomes e ficamos ali. É mais legal, mais conveniente e vira uma festa.
Isso é muito o espírito americano, como na Nascar: as equipes e as pessoas que assistem naquele monte de trailers, motorhomes... Isso, e é muito legal. À noite, fazemos churrasco, no estilo brasileiro, com picanha, costela. O americano fica louco! O churrasco deles é basicamente salsicha e hambúrguer. Então é uma festa. De manhãzinha, o pessoal já acorda no local do evento, só coloca o macacão de voo e está pronto para voar. Então, é superconveniente e legal.
Você já cogitou se apresentar no Brasil? Nós fomos até convidados pela Esquadrilha da Fumaça, no aniversário, para descer e acompanhá-los. Mas, infelizmente, não conseguimos. É muito burocrático levar os aviões e você tem de fazer muito pouso entre vários países até chegar ao Brasil. Se você tem uma autonomia grande, é mais fácil. Mas o caça, embora voe rápido, tem uma autonomia muito pequena. Se tiver um problema, tem de levar o mecânico, tem de ter peça, enfim, tem um risco grande nessa empreitada. E, aí, acabamos desistindo, mas seria uma baita apresentação, um time de brasileiros nos Estados Unidos voando no Brasil. L-39 manteve o esquema azul, se destacando dos demais S-211 em cinza (no canto da imagem)
Como foi a escolha da pintura? Ela claramente foi baseada no Jolly Rogers (VFA-103), o lendário esquadrão da Marinha dos EUA. Como surgiu a ideia? Sabe, isso foi antes da Qyon Aero Sports. Comecei a pesquisar (para pintar o avião) e achei o avião do Jolly Rogers, que tinha essa caveira atrás e achei superlegal. Contratei uma empresa que não apenas faz a pintura do avião, mas desenha para você, monta, e já dá para ver como vai ficar quando estiver pronta. Já tinha pensado em meia dúzia de modelos quando achei o Jolly Rogers. Mandei para eles e falei que queria copiar a cauda, tentar fazer algumas coisas aqui, seguir essas linhas. E chegou-se nesse modelo. Quando veio o outro Marchetti, resolvi pintar igual. E foi coincidência, porque não existia a Qyon. Quando fui montar a Qyon, já tinha os dois aviões iguaizinhos, foi só pintar as logo marcas e pronto.
Gostei que no L-39 vocês deixaram o azul. Achamos que ficaria legal um avião com cor diferente, não todos iguaizinhos. Nós só pintamos o logotipo no L39. E ficou muito legal até a ideia.
Curiosidade: com qual você prefere voar, o Marchetti ou o L39? Ambos são muito elogiados, mas com filosofias e estilos bem diferentes, pelo que sei. No Reno Air Race, o L-39 é alta performance e o Marchetti também disputa ali… Nós já competimos no Reno, sabia?
Sério? Como foi? É uma boa história. Mas sobre pilotar, gosto muito mais do Marchetti, tecnicamente. Tem controles hidráulicos – quando você está em alta velocidade, ele fica um pouquinho mais duro, mas não tanto. No L-39, se precisa fazer um looping, tem de puxar com as duas mãos. No Marchetti, com três dedos você faz o looping. Então, quando precisa fazer as manobras de precisão, por exemplo, fazer looping em formatura com os dois aviões, Marchetti é muito mais fácil, porque você tem uma precisão maior. Outra coisa: a pressurização dele é muito boa. E o ar-condicionado é excepcional. Mesmo no chão é extremamente eficiente.
O L-39 tem aquele estilo soviético de voo ou ele já é mais ocidentalizado? Não, ele tem aquela coisa mais diferente. Por exemplo, para frear, o Marchetti é igual a qualquer avião: em cima do pedal é freio, embaixo do pedal comandos para controle de voo. No L-39 não, freia na mão. Você tem de ir freando e ajustando com os pedais. Ele não é hidráulico, tudo é bem mais duro, mais difícil. Não é uma coisa intuitiva, de qualquer avião. Se você voa com um jato e depois pega o Marchetti, está mais ou menos ‘em casa’. No L39, não, você precisa de um treinamento até pra taxiar. É estranho pra caramba. Nos aviônicos aqui, todo o mundo tirou e colocou coisa nova, colocou o Garmin da vida, então você não tem tanto problema. O ar-condicionado eu não me lembro, acho que é bom também. Mas o avião em si é maravilhoso.
Mas fale sobre Reno, você chegou a competir lá ou só se apresentou? Sim, nós levamos um L39 e um Marchetti para competir. Nós ganhamos uma corrida com o Marchetti.
Como é competir em Reno? Ou melhor, como era, porque a competição vai mudar de lugar… Funciona assim: você vai em julho e tira ou renova a carteira de corredor – como na Fórmula 1, em que se tem uma carteira especial para poder correr. Nós levamos também os motorhomes, montamos tudo lá. E tem o treino, que é quase como um show aéreo. A única diferença é que, para começar a corrida, você sai voando. Monta a formação toda dos aviões que vão correr e tem avião líder. No momento de começar, ele afunda, sai e começa a corrida. É um circuito oval e o problema é que você fica com (força) G só de um lado, o tempo inteiro. É muito rápido, você não mexe na potência. É potência máxima o tempo inteiro.
É uma corrida de extremos, então? É isso! Se você puxar pouco, abre a curva e outra pessoa vai te passar. Se puxar muito, corta o pilão e perde ponto. É o tempo inteiro com G. Você pode subir ou descer, mas está voando muito baixo. Pode voar a até 100 pés do chão, um pouco mais alto e usar essa altura extra para ganhar velocidade no final da corrida, dá aquela afundada e ganha um pouco de velocidade na chegada.
Pode trocar o motor dos aviões, certo? No L-39, eles mexem bastante. Já o Marchetti não tem tanta flexibilidade assim. O L-39 já é mais rusticão, né?! Então, eles tiram e põe, colocam um motor de jatos maiores e o L-39 fica muito, muito rápido. Só que o Marchetti é underpowered, o motor é mais fraco. Ele usa um motor Pratt & Whitney Canada (JT15D), é o mesmo do Citation I e IV. Não é um motor muito forte. Porque a ideia desses caças não é ser supersônico, é ser um treinador avançado. Apesar de ele ter armamento, sua função é treinar os pilotos. É um avião para custar menos para voar do que um caça de ataque. Já o L-39 é um motor que dura poucas horas, porque não é um motor comercial. Se não me engano, é feito só pra treinar. Então, é um motor de durabilidade baixa e, assim, precisa de peça, é um pouco mais complexo, gasta muito mais combustível, dá mais trabalho para voar. E, na corrida, o Marchetti não consegue competir.
E como mantém a competitividade entre os modelos de aviões? Quando você faz a qualificação, encaixa em bronze, prata ou ouro. Eles dividem para ter competitividade. Se você colocar o cara que está com um motor desse mais forte com um que tem o Marchetti ou o L-39 normal, não tem jeito de competir. Então, se faz esse qualifying primeiro, antes da corrida. Quem vai ganhando, vai aumentando os pontos. E vale na corrida final. É bem legal, uma pena que acabou!
É um evento famoso pela adrenalina, velocidade e riscos… Você pode não ver alguém que está chegando. O cara está perto e você não está vendo. Uma curiosidade: se você ficar atrás do outro avião, bem atrás, o empuxo do motor pode lhe virar de ponta-cabeça. Só que imagina: você está a uns 200 pés do chão e vira de ponta-cabeça. Tem de saber recuperar e rapidamente, não pode ser de qualquer jeito. Tem outras pessoas voando, está no meio de um monte de avião. Tem de treinar bastante esse tipo de coisa. Eu já peguei uma (esteira), não tão grave de virar o avião de ponta-cabeça, mas passei bem perto do outro jato. É realmente esquisito, porque o avião fica muito estranho, ele se perde. Eu estava alto e não tive tanto problema. Mas é realmente complicado. O problema é que é tudo rápido, se não recuperar logo, vai bater no chão. Reno, se eu pudesse resumir em poucas palavras, é basicamente: se tiver qualquer problema, você vai estar a quase 400 nós e baixo.
Para encerrar, você tem uma ampla experiência de voo, mas o que foi mais marcante: competir em Reno, apresentação internacional ou em Oshkosh? O mais marcante, sem dúvida, foi a primeira apresentação em Oshkosh. Eu não acreditava! Tantos anos indo para lá simplesmente como espectador... Foi também legal a primeira vez que fui sozinho voando e pousei lá, acho que de Cirrus. Agora, se apresentar em Oshkosh é indescritível. A emoção é absurda. E representar o Brasil também é muito legal. Mesmo nos eventos pequenos, também é legal pousar e todo o mundo vir conversar, mas Oshkosh tem essa coisa de ser o maior evento do mundo, soma ter ido lá tantos anos, pegar a cadeirinha e ficar assistindo o pessoal voar, e aí, de repente, estar lá voando. Não dá nem pra descrever. É demais mesmo!
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Por Edmundo Ubiratan Publicado em 31/03/2025, às 12h00