Teresa Parejo-Navajas revela as estratégias da Iberia para uma aviação mais sustentável
A chefe de Sustentabilidade da Iberia aborda os desafios ambientais, inovações e estratégias para reduzir as emissões de carbono na aviação comercial
Iberia aposta em SAF, eficiência operacional e inovação, segundo Teresa Parejo-Navajas - Iberia
Nos últimos anos, a sustentabilidade tem se tornado um dos principais desafios da aviação global. A Iberia, companhia aérea espanhola, tem adotado estratégias para reduzir seu impacto ambiental e se adaptar às novas regulamentações europeias.
Para entender melhor esse cenário, conversamos com exclusividade com Teresa Parejo-Navajas, PhD., Chefe de Sustentabilidade e Sustentabilidade Corporativa Social da Iberia. Com uma sólida trajetória acadêmica e internacional na área de direito ambiental e políticas de governança, Teresa oferece um panorama aprofundado sobre os desafios e oportunidades da aviação na transição para um futuro de baixo carbono.
Muito se fala em sustentabilidade nos últimos anos, mas como a Iberia tratava desse tema antes dele ser colocado na agenda global? Até recentemente quando se falava em redução de consumo o foco era economizar combustível, não exatamente meio ambiente... Sim. Mas, na Iberia sempre houve preocupação com o meio ambiente, mas o grande salto veio com a entrada da Espanha na União Europeia e a adoção de regulamentações mais rigorosas. No início, o foco era apenas economizar combustível, mas depois a redução de emissões se tornou uma prioridade estratégica. Quando entrei na empresa, em 2019, esse trabalho já vinha sendo feito desde os anos 1990. Em 2012, com a inclusão da aviação no mercado europeu de emissões, as companhias passaram a reportar suas emissões. Além disso, há o tratado internacional CORSIA, que também se aplica às companhias aéreas europeias, pois a Espanha faz parte desse acordo global de redução de emissões.
Você entrou na Iberia na pré-pandemia, como isso afetou esse trabalho? Houve uma mudança de prioridades no mundo, com o tema social voltando a ser também importante... Antes de toda a confusão já estávamos revisando essa abordagem. Ao mesmo tempo, a União Europeia começou a regular ainda mais a questão ambiental, com a introdução do Pacto Verde Europeu. Esse pacto exige que empresas e Estados-membros transformem suas economias rumo a um modelo de baixo carbono e, ao mesmo tempo, garante que a transição ecológica seja justa e inclusiva. Ou seja, a sustentabilidade não se resume apenas à redução de emissões – que, claro, é essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas –, mas também deve envolver toda a sociedade, sem deixar ninguém para trás, como preconiza a Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Na pandemia provavelmente vocês deixaram de lado a questão ambiental No começo, a sustentabilidade realmente ficou em segundo plano. Meu chefe até disse: "Agora, o foco é a segurança dos clientes". Reduzimos a operação ao mínimo, reforçamos protocolos sanitários e priorizamos a proteção dos passageiros. A aviação teve um papel essencial: transportamos equipamentos médicos e fizemos voos de repatriação. Chegamos a voar para destinos nos quais normalmente não operávamos, como China e Austrália, para trazer suprimentos. Quando as operações voltaram, retomamos nossa estratégia com mais força, alinhados às novas exigências ambientais da União Europeia.
A aviação representa 2-3% das emissões globais, mas as pressões políticas são grandes. Ao mesmo tempo é um setor crítica e complexo para descarbonizar. Sim, é um setor de difícil descarbonização. Enquanto outras indústrias adotam eletrificação e energias renováveis, a aviação ainda depende de combustíveis líquidos. Se nada for feito, esse percentual pode chegar a 20-25% até 2050, tornando-se um grande problema.
Tem sentido, se outros setores conseguirem avançar o percentual da aviação cresce. A União Europeia exige uma redução total ou líquida das emissões? Líquida. Ou seja, não precisamos zerar todas as emissões diretas, mas compensar o que não pode ser reduzido. Nossa meta é cortar 20% das emissões líquidas até 2030 e alcançar zero em 2050.
Como reduzir essas emissões na prática? Temos três estratégias principais: Renovação da frota – Aviões mais novos consomem até 35% menos combustível; Otimização de operações – Uso mais eficiente do espaço aéreo, menos peso a bordo e taxiamento inteligente; e Uso de combustíveis sustentáveis (SAF) – Essenciais para reduzir emissões no longo prazo.
Se fizermos isso direito, podemos transformar um problema ambiental em uma oportunidade econômica e social”
O SAF é realmente viável? Sim, mas ainda está em desenvolvimento. Existem os biocombustíveis, feitos de resíduos agrícolas e óleos usados, e os combustíveis sintéticos, que capturam CO₂ para produzir querosene. A Espanha aposta nos sintéticos porque eles não dependem de matéria-prima específica e podem ser produzidos localmente, sem precisar importar insumos.
Mas SAF é caro. Como isso afeta as passagens? Os preços já estão subindo, e a tendência é continuar. A partir de 2025, a União Europeia exigirá que 2% do combustível usado seja SAF, e esse percentual aumentará nos próximos anos. Como SAF ainda é mais caro, os custos inevitavelmente serão repassados.
Isso pode tornar o transporte aéreo menos acessível? No curto prazo, sim. Mas no longo prazo, conforme a produção de SAF aumentar e a tecnologia evoluir, os preços devem se estabilizar. Estamos investindo em parcerias com empresas como Repsol e CEPSA para acelerar essa transição.
Há também propostas para reduzir voos curtos na Europa, certo? Sim, mas isso não afeta tanto a Iberia. Já trabalhamos com transporte multimodal, combinando avião e trem em algumas rotas. O real problema são os voos longos, que geram 80% das emissões e não têm substituto viável.
Dentro dessa questão ambiental, qual é o impacto econômico e social da aviação? A aviação tem um papel econômico gigantesco. No caso da Iberia, nossa atividade representa 0,6% do PIB espanhol e 0,9% dos empregos do país, considerando empregos diretos, indiretos e induzidos. Se olharmos para rotas específicas, o impacto também é enorme. A rota Madrid-São Paulo, por exemplo, gera cerca de 9.500 empregos diretos e indiretos, sendo que mais de 6.000 estão no Brasil. Isso inclui desde funcionários da companhia até empregos no setor de turismo e serviços. A aviação conecta pessoas e negócios, impulsiona o turismo e facilita o comércio global. Por isso, a transição sustentável precisa ser feita sem comprometer essa conectividade.
A transição sustentável pode gerar novas oportunidades? Com certeza! A Espanha tem potencial para se tornar um polo de produção de SAF, o que pode gerar empregos e crescimento, especialmente em regiões rurais que sofrem com despovoamento. Chamamos isso de "Espanha esvaziada": áreas afastadas dos grandes centros onde os jovens estão saindo para viver nas cidades. Mas essas regiões possuem os recursos ideais para SAF – resíduos agrícolas, florestais e energia renovável. Se fizermos isso direito, podemos transformar um problema ambiental em uma oportunidade econômica e social.
Sustentabilidade e crescimento podem andar juntos? Esse é o objetivo! Precisamos garantir que a transição seja benéfica para o meio ambiente, para a economia e para a sociedade. A aviação conecta o mundo, e queremos fazer isso de forma cada vez mais responsável.
Como coordenar isso na Europa? O espaço é comum, mas existem pressões políticas locais, cada país tem sua questão própria, demanda social... É uma questão complicada e representa um grande desafio para a Espanha nesse sentido. Há muitas questões políticas envolvidas. Estão tentando há 20 anos e ainda não conseguiram, mas parece que agora pode haver avanços.
Além de combustível em si, o que mais a Iberia tem feito? Eliminamos a necessidade de transporte de matérias-primas, entre outros fatores, o que reduz significativamente as emissões. O essencial é garantir a certificação adequada, com um rigoroso controle sobre o tipo de matéria-prima utilizada, se realmente está sendo empregada conforme declarado, qual é a real redução de emissões, qual o percentual exato dessa redução, etc.
Por Christian Burgos Publicado em 17/04/2025, às 15h25