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A Reforma Tributária vs Aeronaves

IPVA sobre aeronaves, justiça ou desinformação?

As mudanças fiscais incluem cobrança de IPVA sobre aeronaves e mais um extra seria justiça ou desinformação?


Imagem IPVA sobre aeronaves, justiça ou desinformação?

Há certo tempo, andando pelos corredores do Congresso Nacional, nas portas de alguns gabinetes era possível ler cartazes com o seguinte texto: “É justo que você pague IPVA para ter a sua moto, enquanto os donos de jatinhos e lanchas não pagam nada?”.

Nessa mesma toada, em tempos de “Reforma Tributária” (Projeto de Lei Complementar PLP 68/2024), alguns parlamentares vêm concedendo entrevistas com discursos de justiça social tributária. Como flechas, lançam argumentos ao bom estilo Robin Hood de que não é justo a classe média arcar com a tributação da propriedade de seu carro ou sua moto, enquanto donos de lanchas, iates e jatinhos não pagam IPVA, imposto sobre propriedade de veículo automotor, afinal tudo é transporte.

Contudo esse discurso da cobrança de impostos, sustentado no ideal de solidariedade, impondo o dever de maior contribuição de quem manifestar maior riqueza, auxiliando, assim, o Estado na busca para o bem de toda a coletividade, deixa de contar de que não há nenhuma obrigação em destinar os valores arrecadados para o desenvolvimento da atividade que o gerou.

É necessário esclarecer que os impostos se prestam a financiar atividades gerais do Estado e esse discurso de tirar dos ricos para dar aos pobres não passa de uma “cilada” para justificar excessos e dividir a opinião popular.

Ou seja, o poder de tributar traz implícito o poder de destruir. Inclusive, esse é o argumento utilizado para proteger o pacto federativo proibindo que União, Estados e Municípios instituam impostos sobre patrimônios, rendas ou serviços um dos outros.

As normas tributárias são naturalmente complexas e se de um lado existe o dinamismo das relações sociais e dos fatos econômicos, do outro há a tentativa do Estado em identificar a capacidade contributiva das pessoas, situação que conduz o legislador a editar uma infinidade de normas, com regras exceções e ainda exceções das exceções.

Toda essa complexidade tem como consequências o sentimento de espoliação, porque o contribuinte não entende o mecanismo da norma tributária, além de seus efeitos de elevar o custo para a administração no exercício da fiscalização e da cobrança de tributos, e do custo dos bens e serviços em si.

Fábrica de tributos e os novos negócios

Como exemplo da complexidade normativa, cita-se o relatório do Banco Mundial (Doing Businness), identificando que empresas brasileiras em 2019 gastaram 1.958 horas para cumprir a legislação tributária, enquanto nos países OCDE – organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a média foi de aproximadamente 160,7 horas, está aí o reflexo da dificuldade em entender o arcabouço normativo tributário.

Nesse contexto, seria aprazível dizer aos empresários, bem como aos brasileiros em geral, que máscaras de oxigênio cairão do teto e que será possível respirar tranquilamente com o que se espera após as conclusões daquilo que se conhece hoje como “Reforma Tributária” (PLP 68/2024).

Contudo, com a proa apontando para a consagração da incidência de IPVA sobre aeronaves, além de outras taxações “pecaminosas” para o setor, a resenha é bem mais complexa e cara, do que de fato aparenta.

Segundo o Índice Global de Complexidade de Negócios (GBCI, na sigla em inglês), realizado pelo TMF Group, fornecedora internacional de serviços administrativos e de conformidade, o Brasil, entre 78 nações responsáveis por 92% do PIB global, é o terceiro país “mais complexo” para se fazer negócios no mundo.

Porém, depois de aberto o negócio, há o desafio de mantê-lo em funcionamento, em um panorama de contínua carestia, alta premente do dólar, ademais de um cenário absolutamente fluído, que colocam os empresários sujeitos à insegurança jurídica/legal e tributária, eis da velocidade com quais as taxas, tarifas e impostos são criados, quase que diariamente.

E todo o centavo importa, pois uma empresa saudável lucrando livremente 10% sobre seu faturamento, sabe que qualquer despesa extra precisa ser reposta por um valor correspondente a 10 vezes sua entrada, ou terá que declarar o prejuízo.

Dessa forma, uma despesa extraordinária de qualquer negócio no valor de R$ 10.000,00, precisa ser reposta por uma entrada equivalente a R$ 100.000,00 (fluxo de caixa reverso). 
Considerando dessa forma que as empresas aéreas chegarão, segundo a IATA (Associação Internacional do Transporte Aéreo), a um lucro líquido de 2,7% em 2024, qualquer nova despesa repercutirá em toda a cadeia financeira da companhia, o que resultará em mais custos para a ponta final: o consumidor.

Mas, e quando uma empresa aérea regular não é o suficiente ou, diretamente, a solução para suprir as necessidades dinâmicas do mundo corporativo, como é o caso da maximização do tempo?

Por certo que um grupo empresarial, seja ele da cidade ou do campo, vê nas aeronaves privadas um instrumento precioso para realizar seus negócios. E como qualquer negócio, a consciência situacional do empresário precisa funcionar bem, para saber o quanto ganha, e quanto pode gastar.

Dessa forma, para esses empresários, se os custos para a manutenção de seus meios aéreo, que estão vinculados a fatores externos (como logística) e à cotação do dólar, passam a ficar insustentáveis, não apenas a comodidade do deslocamento rápido pode ficar comprometida, mas, igualmente, toda a dinâmica de seu empreendimento. Tanto pior quando essa ferramenta passa a ser taxada como um mimo caro e meramente supérfluo.

Carros e aeronaves

Eis o cenário: uma pessoa vai sair de casa e pega a moto no estacionamento, com o propósito de ir ao trabalho. Porém, antes de acioná-la, já entrou em contato com o Detran de sua cidade e apresentou um plano de deslocamento, que foi aprovado uma hora antes da saída. Mas, antes de acionar a moto, é obrigado a ativar o departamento de trânsito, informando o tipo do seu equipamento e que o está ligando. Depois, dirá quantas pessoas levará, explicará a sua rota, quantidade de combustível, o local onde pretende chegar, pois este precisa ser certificado pelas autoridades competentes. Durante o trajeto, terá de se reportar constantemente às autoridades. E, para cada ato, haverá a cobrança de uma taxa e/ou tarifa.

Assim funciona a aviação, apenas no que se refere à movimentação de suas aeronaves. Ainda há mais. No caso de um carro ou moto, deixando de lado as condições das licenças de seus motoristas, as manutenções desses equipamentos ocorrem segundo a conveniência de seus proprietários. Para as aeronaves, as manutenções devem ocorrer de forma periódica, por horas e por ciclos, sendo que suas peças e partes podem vencer por tempo, ainda estando em boas condições.

E, para cada tipo de manutenção, haverá uma abertura de Ordem de Serviço a ser registrada em livros e cadernetas, a qual apenas poderá ser realizada em uma oficina certificada pela Anac e pelo fabricante do equipamento, ou de sua peça, com os mecânicos igualmente tendo feito seus cursos correspondentes ao tipo específico da aeronave, isso após serem certificados pela agência reguladora.

Não por menos, a aviação é o meio de transporte mais seguro que existe, o que demanda constante aperfeiçoamento de seus operadores e profissionais, o que representa investimentos contínuos e de grande monta, sobre os quais incidem impostos e taxas, pois, mesmo meras alterações nesses equipamentos, são passíveis de se requerer autorizações estatais para que aconteçam.

O IPVA

Sobrevoando o través do assunto, temos que a principal função do IPVA é arrecadar recursos para os cofres públicos estaduais. Em breve retrospectiva histórica, tem-se que o IPVA foi criado para substituir a Taxa Rodoviária Única (TRU), desde então acontecem inúmeros debates, pois a mudança estabelecida pela Emenda Constitucional n. 27/1985, ou seja, o referido imposto (IPVA) tem como origem, como objetivo originário, uma taxa para a manutenção das vias utilizadas pelos veículos terrestres, bem como, de todo o aparato utilizado para a manutenção do sistema rodoviário.  

Dentro desta lógica, de que o IPVA deve ser utilizado para a manutenção do sistema utilizado para dar suporte ao deslocamento do veículo, já há a aplicação do referido imposto para as aeronaves.

Atualmente, para que uma aeronave possa utilizar o espaço aéreo, o seu operador deve realizar o pagamento das Tarifas de Navegação Aérea que são devidas em retribuição à utilização dos serviços, instalações, auxílios e facilidades proporcionadas por órgãos e elos do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro – SISCEAB, sendo elas: TAN, TAT APP, TAT ADR. Assim fica a dúvida a ser respondida: com a incidência do IPVA para aeronaves não estamos exercendo a bitributação sobre o bem? 

Nesse sentido, é oportuno retomar o conceito de aeronave. No Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86), artigo 106, caput, considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.

Já o conceito de veículo automotor está disciplinado no Código de Trânsito Brasileiro, sendo todo veículo a motor de propulsão que circula por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para transporte de pessoas e coisas. O termo ainda compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (trólebus). 

Por mais óbvio que pareça, até então, um aparelho se desloca pelo espaço aéreo (competência para fiscalização e regulamentação exclusiva da União), enquanto o outro veículo utiliza ruas, avenidas e estradas para se locomover.

A Corte Constitucional Brasileira (STF), entendeu, portanto, pelas razões mais óbvias, que não incidiria IPVA sobre aeronaves e embarcações, por, entre outros, não estarem sujeitas a registro e licenciamento perante os Municípios. Mas tudo isso está para mudar.

Isonomia e taxação

Ao todo exposto, percebe-se que as lutas sociais pelo respeito às diferenças ocorrem em todas as esferas da sociedade. No âmbito tributário isso é conhecido como princípio da isonomia, que é o dever de tratar os desiguais desigualmente, na medida da sua desigualdade.  

Sob a ótica do respeito às diferenças, a Constituição Federal visa garantir a livre concorrência e assegurar a competitividade das atividades econômicas. Nessa perspectiva é que está o fundamento sobre a legalidade de instituir carga tributária diferenciada para empresas estatais em relação às genuinamente privadas, para evitar a concorrência desleal. Também as micro e pequenas empresas estão protegidas por determinação constitucional a um regime especial de tributação. 

É preciso ressaltar que cada meio de transporte está envolto em realidades jurídicas, econômicas e socais muito distintas. Tão diferentes quanto torna-se absurda a comparação dos meios de transportes sob a ótica internacional no atendimento às normas de segurança.  

A decisão demonstrada, por enquanto, de que apenas os aviões voltados às atividades privadas serão taxados pela cobrança do IPVA (pendente agora tão somente da edição de uma Lei Complementar, tendo em vista que a Emenda Constitucional 132/2023 inseriu tais aparelhos, de modo expresso, no âmbito de incidência do imposto, que passa a poder alcançá-los), é tão negativa para o setor, como se a cobrança se estende-se para toda à aviação (o que se dará em questão de tempo), pois atinge a base de sua pirâmide, sem que esse produto arrecadado venha a ser revertido em investimentos na própria atividade, pois um imposto, ao contrário de tarifas e taxas, não possui destinação própria, ficando tanto a cargo dos desejos e necessidades do tesouro responsável. 

Enquanto isso, a par de se lançar parâmetros do quantitativo que seria sua incidência (estimada na média em 4%), pois os estados ainda precisam enviar sugestões para detalhar como seria feito tal cobrança, o que se vê é uma especulação no que se refere aos valores que seriam auferidos, chegando o SINDIFISCO ou, Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal, a estimar que o IPVA sobre iates e “jatinhos” geraria uma arrecadação de 10,43 bilhões de reais ao ano, o que pode, também, indicar uma ideia do impacto que tanto irá acarretar sobre o financeiro das empresas que utilizam de aeronaves e que, eventualmente, poderá deixar de fazê-lo. 

Calha rememorar os estudos do economista Arthur Laffer, que desenvolveu um gráfico para mostrar como os níveis das alíquotas afetam a receita tributária, no qual indicava que sua “corcova” ocorreria a partir de uma taxação de 33%. Em março de 2016, os brasileiros pagaram 33,4% do PIB em impostos. Segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa já seria a maior carga tributária da América Latina. As últimas estimativas do Governo Federal indicaram que a carga tributária geral teria caído para 32,44% do PIB em 2023.

Bebidas, cigarros e aeronaves

Não bastando a perspectiva da incidência da cobrança de IPVA sobre as aeronaves que efetuem serviços aéreos privados, no dia 10 de julho de 2024, o Congresso Nacional aprovou o texto do relator da reforma tributária, que incluiu uma lista de itens no chamado “imposto seletivo” ou “imposto do pecado”, que pode representar uma alíquota de até 26% pela cobrança extra em produtos os quais são considerados como “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”, nos quais foram incluídos, embarcações e aeronaves. 

Por certo que a aviação de pequeno porte é imprescindível para a ligação de empresários aos seus negócios e o estabelecimento de contatos em locais, por exemplo, onde simplesmente não há estradas, como é o caso da Amazônia Legal, que abrange cerca de 50% do território nacional, mas tanto não deve ter sido considerado. Resta agora aguardar as alterações que serão feitas no projeto na fase de votação pelo Senado Federal, ao que será importantíssimo a atuação do setor aéreo e de seus representantes, no sentido de garantir o teor do texto final que será de fato, aprovado. 

As associações privadas e os representantes do setor aéreo, precisam estar presentes e se fazerem presentes, se pretenderem seguir usufruindo da aviação para o desenvolvimento de seus negócios.

Por sua vez, a mão poderosa e invisível do Estado deve atuar para corrigir distorções, pois o poder de retirar dinheiro do bolso privado exige em contrapartida a proteção do contribuinte de possíveis ações confiscatórias, disfarçadas pelas necessidades sociais, além de exigir grande rigor e governança fiscal, assegurando equilíbrio nas contas públicas.

Boas intenções podem acabar matando as atividades econômicas que sustentam o Estado. Seria algo como se as flechas de Robin Hood atingissem aqueles que se pretendiam proteger.

* Georges Ferreira, advogado, consultor e professor de direito
aeronáutico nacional de internacional. Mestrando em Ciências
Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea, UNIFA.

* Giovanna Drago, graduada em comunicação social (UFG)
e bacharel em direito (PUC-GO), especialista em Direito
Tributário (Uniderp/LFG) e analista judiciária do TJGO.

* Bruno Carlos Saram, advogado especialista
em direitoAeronáutico e consultor
em importação de produtos Aeronáuticos.

Por Georges Ferreira, Giovanna Drago, Bruno Carlos Saram
Publicado em 21/08/2024, às 17h00


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