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O Piper PA-18 “Super Cub” é um clássico da aviação

Versátil e robusto, o Piper PA-18 “Super Cub” é um clássico da aviação que já formou legiões de pilotos e ainda hoje fascina por seu charme e simplicidade


Comandos suaves e respostas precisas tornam a pilotagem do PA-18 extremamente prazerosa - Marcio Jumpei
Comandos suaves e respostas precisas tornam a pilotagem do PA-18 extremamente prazerosa - Marcio Jumpei

O Piper PA-18 “Super Cub” é indiscutivelmente uma das aeronaves de maior sucesso na história da indústria aeronáutica mundial. Sua trajetória começa em 1935, com o lançamento do clássico Piper J-3 “Cub” pela Taylor Aircraft Co e desde a entrada de um novo sócio, William T. Piper, em 1937, a empresa passou a chamar-se Piper Aircraft Corporation.

Desde o seu lançamento, o PA-18 configura-se como uma aeronave utilitária, inclusive inaugurando este conceito. Sua extrema robustez e versatilidade fazem dele um verdadeiro “pau para toda obra”, destinado a trabalhos rústicos em pistas improvisadas.

De aeronave agrícola (convertida para ser utilizada como pulverizador) a rebocador de planadores, o PA-18 já serviu até como aeronave de reconhecimento e ambulância da Marinha dos Estados Unidos, com a denominação de L-4 e L-14, com motorizações Continental e Lycoming de 150 hp.

Ao todo, foram fabricadas 5.435 unidades do PA-18 “Super Cub” e 2.650 unidades do PA-18A “Super Cub”. Com algumas variações, a plataforma do “Super Cub” foi utilizada por vários fabricantes no desenvolvimento dos seus modelos, como é o caso dos Maules e do Husky A-1.

Esse sucesso pavimentou a trajetória da Piper como uma das maiores fabricantes de aviões de todos os tempos e o nome de William T. Piper como uma lenda da aviação. Costuma-se dizer que a maioria dos pilotos norte-americanos foi formada em um Piper e não existe piloto no mundo que não tenha voado, ao menos uma vez, um avião da Piper.

O PT- DVK que vamos ensaiar é um “Super Cub” fabricado em 1971, motor Lycoming O-320 de 150 hp, restaurado nos seus mínimos detalhes, com tela e pintura novas e motor zerinho. Na sua clássica pintura amarelo-ovo, o “Super Cub” é de uma imponência única.

Ao contrário da aparência delicada do J-3, que tem aquele clássico “narizinho” com os cilindros expostos, o “Super” tem uma imponência real e algo arrogante. É impossível estar ao lado dele e não sentir vontade de voar. Na verdade, parece que ele nos convida: “Vamos, o dia está lindo, o ar está calmo e poucas nuvens no céu. Por que não fazermos um belo voo?”.

Alguns aviões têm essa característica: conseguem comunicar-se conosco. Foi essa a sensação que tive ao ser apresentado ao Victor Kilo pelo Paulo Oliveira. Por alguma razão, também fiquei com a sensação de que ele estava algo enciumado de eu voar o “Super” dele.

Não estranho, pois nunca gostei de ver outro piloto voando o Buecker PT- TFK do Aeroclube de São Paulo. Com exceção do meu irmão Gera Medeiros e dos “alemães” Kurt e Yuri, nunca gostei de ver outros pilotos voarem o “Velho”. Tinha uma estranha sensação de que eles não sabiam valorizar o que estavam voando, não conheciam suas manhas e não teriam o carinho necessário com o velho pássaro. Pura ciumeira.

Piper PA-18
Painel simples, mas bem equipado para o vôo visual tem rádio VHF, transponder e fonte para GPS portátil

Depois de uma minuciosa inspeção externa, em que avalio todos os detalhes da reforma (não sem alguma dificuldade), acomodo-me no assento dianteiro, ajusto o cinto de barriga e vou me ambientando com os instrumentos e comandos. No painel principal, bem instrumentado para um PA-18, encontro velocímetro, altímetro, indicador de RPM, VOR, indicador de pressão e temperatura do óleo, climb, horizonte artificial, turn&bank, intercom, VHF King 1700 e um transponder.

No painel superior direito estão os interruptores de luzes, uma fonte para o GPS, a chave Master, interruptor das luzes de navegação, painel de fusíveis e os interruptores de luzes de pouso High/Low.

As manetes de potência e mistura ficam no console junto à janela esquerda; a alavanca dos flaps fica à direita junto ao assento dianteiro. Com o briefing já concluído e a freqüência tática definida em 123.0 MHz, o comandante Sérgio Beneditti prepara-se para conduzir nossa aeronave-paquera, um Maule 180. Estamos prontos

Piper PA-18
Estóis honestos, sem tendência de guinada, e boa estabilidade em baixas velocidades tornam o vôo no PA-18 um verdadeiro passeio panorâmico

Para acionar: Rádios desligados, Master On, aplico 3 segundos de bomba e aciono o Start. O Lycoming acorda na segunda volta e mantenho em 1.000 rotações para o seu aquecimento. Com luzes e rádios ligados, estamos prontos para seguir em táxi lento até a cabeceira 18. Check rádio, contato com a freqüência Sorocaba e iniciamos a rolagem com o Maule na nossa cauda. Rolamos macio pela taxiway, em direção à cabeceira e os cheiros, ruídos, comandos, instrumentos e o ronronar do motor começam a fazer corpo conosco.

É como se não fôssemos mais um avião e um piloto, apenas um corpo único. Comandos checados, verifico os magnetos quando atingimos 1.700 RPM. Ingresso na pista e alinho na posição 3 aguardando o Maule que alinha à nossa esquerda. Compensador ajustado, manche todo cabrado e vou levando a manete até o batente, com suavidade. O Lycoming não ruge, apenas acorda e começa a nos puxar para frente. É uma corrida suave, sem truculência, apenas deslizamos sobre a pista. Vou levando o manche à frente, a cauda levanta e ele deixa o asfalto rígido da pista com suavidade e firmeza. E não ameaça voltar para a pista, como fazem alguns aviões. O PA-18 apenas deixa o asfalto e ganha os ares.

No assento traseiro o Paulo lança um grito de prazer: “Estamos voando!”. É indescritível a sensação de voar em um PA-18. Certa vez, em Oshkosh (EUA), vi um “Super Cub” que tinha pintado no nariz a frase “Born to Fly”. Jamais esqueci essa frase. Realmente, o PA-18 foi feito para voar. Sem qualquer esforço, não usamos mais de 250 metros de pista para decolar. Com 500 pés de altura, reduzo o motor para 2.400 giros e saímos do tráfego com proa do Morro Ipanema.

Nas fotos, tenho certeza de que o amarelo-ovo do nosso passarinho vai ficar lindo em contraste com o fundo verde intenso do Ipanema. O Maule que decolou conosco está na minha cauda até que cruza pela minha esquerda e vamos nos posicionando para o início das fotos. O shape do Maule lembra um PA-18. Não tenho dúvidas de que os projetistas da Maule aproveitaram uma carona no projeto do “Super”.

Vamos ganhando altura e o ar fresco da tarde nos recebe como se fôssemos parte da sua composição. Não há turbulência. Deslizamos em seu interior como um veleiro em dia de mar calmo. Vamos nos aproximando do Morro Ipanema e iniciamos a sessão de fotos. Aqui, sob o efeito das ondas orográficas, encontramos um pouco de turbulência. O vento fraco que se desloca sobre a superfície provoca ondas orográficas ao encontrar morros ou montanhas em sua trajetória. Surfamos por sobre essas ondas, sem prejuízo para o trabalho de fotos.

Piper PA-18
O PT-DVK ensaiado está com motor Lycoming, de 150 hp, que o permite cruzar a uma velocidade de 115 milhas por hora

Sobrevoamos a pista gramada e as velhas instalações da Fazenda Ipanema (onde funcionou por muito tempo um curso de formação de pilotos agrícolas) e fico entristecido de ver o estado de abandono em que ela se encontra. Em outros tempos, era comum ver aquilo fervilhando de atividades. E a aeronave-padrão no curso de piloto agrícola era o PA-18. Parece que até o “Super” identificou seu antigo ninho e também não gosta do que vê. Suas asas balançam nervosamente e passam a sensação que ele também quer deixar rápido aquele lugar.

Bordejando a cidade de Sorocaba, caindo para os lados de São Miguel Arcanjo, vamos aproando a Represa de Ibiúna. Cruzamos acima de uma camada fragmentada de nuvens estratos e o sol forte da tarde lança sombras difusas sobre a relva verde dos campos abaixo.

Logo à nossa frente, a Represa de Ibiúna é como um oásis aprisionado pelos montes que a circundam. Baixamos para 500 pés e evoluímos por sobre as suas águas, buscando captar a moldura perfeita. O sol poente lança dardos dourados sobre o espelho da água. O Victor-Delta alterna posições com facilidade, conforme os sinais do nosso fotógrafo. A grande manobrabilidade do “Super Cub” torna o trabalho mais simples e agradável.

Ao voar esta aeronave, consigo entender o porquê da sua utilização como avião de observação do Exército e da Marinha norte-americanos. Inclusive, o PA-18 foi utilizado como aeronave de observação no 1o ELO (Esquadrão de Ligação e Observação) durante a campanha brasileira na Itália, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Sua excelente visibilidade para fora, tanto na posição do piloto como do observador, no banco traseiro, aliada à sua capacidade de voar em baixíssimas velocidades, com os flaps distendidos, transformaram o “Super Cub” em uma ferra- menta valiosa para estas missões.

Além disso, sua capacidade de operar em qualquer sítio de pouso fez com que ele fosse utilizado até como aeronave ambulância. Encerramos a sessão de fotos e, enquanto o Maule retorna para Sorocaba, vamos ganhando altura para o ensaio de performance. Mantendo 80 milhas por hora (mph), noto no climb uma razão de subida de 500 pés/minuto. Nivelados a 6.000 pés, noto que a velocidade acelera para 105 mph (velocidade indicada). Não temos GPS a bordo para conferir a velocidade sobre o solo (ground speed).

Piper PA-18
Versatilidade do projeto da Piper deu origem a muitas versões, de transporte militar a aeronave agrícola e rebocador de planador

Vamos ver agora como ele se comporta em baixas velocidades. Reduzo todo o motor, com os flaps recolhidos e confiro o estol a 50 mph com a aeronave limpa. Aplico um dente de flap e a velocidade de estol cai para 45 mph. Com full-flaps, o PA-18 resiste até as 40 mph, quando se dá a perda de sustentação. Com um pouco de motor, entretanto, ele continua voando e não se entrega. Os estóis são honestos, sem qualquer tendência, e perfeitamente advertidos. Em qualquer configuração ele mantém total autoridade de comandos.

Manobrar um PA-18 é pura delícia. Conforme já falei, ele foi feito para voar. Tive a oportunidade de voar a maioria dos seus antecessores e, embora cada projeto tivesse configurações, motorizações e pesos diferentes, a mesma harmonia de comandos foi mantida.

Com o sol já se pondo na linha do horizonte continuamos ainda curtindo cada minuto desse voo. Executo várias séries de oito-preguiçosos, reversões, chandelles e até entrada em parafuso. Bailarino por natureza, o Piper executa cada manobra com alegria e docilidade.

Abro a janela, coloco o braço no batente e deixo a brisa fresca da tarde adentrar na nossa cabine. Giro seu nariz para a proa do aeroporto e vamos perdendo altura lentamente. O vermelhão do poente indica que teremos no máximo mais uns 10 minutos até o pôr-do-sol. Cruzamos por sobre a pista, para interceptar a cabeceira 18, e vou matando a velocidade para o tráfego. Como não temos nenhum tráfego, aplico um dente de flap e reduzo a velocidade para 80 mph. Perna base com o segundo dente de flap baixado e reduzo a velocidade para 75 mph. Como havia optado por um pouso do tipo três pontos, aplico full-flaps na reta final, reduzo para 70 mph e cruzo a cabeceira em power-off com a velocidade caindo para 60 mph. Vou levantando o nariz e deixando-o tocar nos três pontos. Até a parada total, sem o uso de freios, não consumimos mais do que 50 metros.

Aplico um pouco de motor para livrar a pista mais rápido e, enquanto rolamos para o hangar da Aeroplan, as luzes de balizamento da pista se acendem e encerram mais um dia de voo visual. O PA-18 também fecha um ciclo entre a antiga e a nova aviação. Entre a aviação de pau e pano e a aviação de lata.

Seu projeto original resistiu a mais de 30 anos de inovações. Sua folha de serviços como aeronave militar, de uso agrícola como pulverizador e até no voo esportivo, como rebocador de planadores, atestam a excelência e a versatilidade do seu projeto original.

Para os amantes do puro prazer de voar o “Super Cub” é uma referência, afinal, aquela velha inscrição no nariz faz todo o sentido: ele foi feito para voar.

* Publicado originalmente na AERO Magazine 156 · Abril/2007

Por Decio Corrêa
Publicado em 21/02/2024, às 15h00


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