Beechcraft Premier IA, versão aprimorada do jato da Raytheon, recebeu cabine redesenhada e painel atualizado, preservando o desempenho de voo que consagrou o modelo

O Premier IA, versão melhorada do jato entry-level da Beechcraft/Raytheon, anunciada em maio de 2005 na feira europeia EBACE e certificada apenas quatro meses depois, foi a resposta do fábrica para atender aos anseios dos operadores e acompanhar a constante evolução do mercado de aviação executiva.
Em junho de 2006, nossa equipe voou no então recém-lançado Beechcraft Premier IA e mostrou como o modelo combinava cabine ampla, aviônicos avançados e baixo custo operacional, destacando-se entre os concorrentes de sua categoria.
Dentre as novidades, destacavam-se o interior da cabine de passageiros redesenhado, que ganhou iluminação indireta por LEDs, assentos mais anatômicos para os passageiros, instalação de tomadas elétricas de 110 volts, capacidade para telefonia de bordo no sistema Satcom, sistema de controle de temperatura avançado e a mudança do sistema de insonorização, o que tornou o interior da aeronave de 3 a 5 decibéis mais silencioso que a versão anterior.
No cockpit, a terceira tela de cristal líquido, de 8 x 10 polegadas, agora é item de fábrica e a incorporação do módulo Collins IFIS (Integrated Flight Information System) à suíte ProLine 21 permitiu a adição de importantes recursos opcionais, como visualização das cartas de aproximação diretamente nas telas, alinhando-se ao conceito de cabine de comando sem papel (paperless cockpit), além da sobreposição de mapas meteorológicos em tempo real e de informações detalhadas de navegação tridimensionais ao moving map. O sistema de alerta de colisões contra o solo (EGPWS) agora é item de série, enquanto o sistema de alerta de tráfego (TCAS II) continua opcional.

Quando a Raytheon iniciou o projeto do Beechcraft Premier I, em 1994, sua proposta era revolucionar. Em seu primeiro projeto de jato executivo de design totalmente original, o fabricante norte-americano ouviu pilotos e proprietários para criar soluções inéditas em termos de conforto, economia e facilidade de operação.
A experiência adquirida anteriormente com o lendário Beech Starship mostrava que uma fuselagem em material composto poderia ser até 20% mais leve e, com paredes mais finas, proporcionaria mais espaço interno quando comparada à tradicional estrutura metálica. De alta resistência a impactos, a estrutura em honeycomb não sofre problemas de expansão do alumínio e ainda possibilita melhor isolamento térmico.
A construção da fuselagem, feita em duas peças, anterior e posterior, facilitou a montagem da maior parte dos sistemas da aeronave e reduziu a quantidade total de peças, de típicas 15.000 para pouco mais de 6.000.
O nascimento do novo jato sob o tradicional sobrenome da família Beechcraft denotava não apenas uma estratégia de marketing, que pretendia sugerir a natural transição dos operadores dos turboélices para o jato, mas também mantinha a importante herança da simplicidade de operação e confiabilidade de sistemas típicas da marca Beech.
O desenho aerodinâmico refinado da fuselagem e das asas, aliado aos motores Williams FJ 44-2A, garantiram o baixo custo operacional direto. Assim nascia o Premier I, que, mesmo antes de receber sua certificação pela Federal Aviation Administration dos Estados Unidos, em 2001, já acumulava mais de 200 encomendas em 26 países.
Encontro o Premier IA, matrícula N390PT, no hangar da Líder Aviação em São Paulo. Sou apresentado ao Henrique Videira, gerente de vendas de aeronaves da Líder, e aos comandantes Trevor Blackmer e Jeffrey Doyle, que me acompanharão no voo de ensaio.
Após um rápido briefing com o fotógrafo Ricardo Beccari estamos prontos para conhecer a máquina de perto. O 390PT chama a atenção no pátio, pela imponência conferida por sua fuselagem mais alta e larga que as aeronaves de sua categoria, sendo pouco menor em seção transversal que a do Hawker.

Iniciamos a inspeção externa pelo nariz do avião, onde a bequilha chama a atenção por uma funcionalidade: um pino de desconexão do sistema de comando dos pedais permite seu giro livre em 360 graus, facilitando manobras de reboque em espaços restritos. Há um compartimento de bagagem no lado esquerdo, que suporta até 68 kg e possui espaço para malas médias.
Logo à frente encontramos os sensores de ângulo de ataque e de gelo, bem como os dois tubos de Pitot. Os para-brisas são aquecidos eletricamente e recebem um tratamento protetor antichuva que facilita o escoamento da água. No lado direito do nariz fica o compartimento de aviônicos, protegido contra descargas eletromagnéticas por uma capa de chumbo na face interna da porta de acesso.
Próximo à raiz da asa encontro a porta de acesso ao sistema opcional de abastecimento single point, que agiliza e aumenta a segurança das operações de abastecimento e drenagem de combustível. Este recurso, por sinal, é raro em aeronaves da categoria do Premier.

Os dois faróis de pouso encontram-se na barriga e são dotados de lentes prismáticas que direcionam o feixe luminoso à frente da aeronave. A asa enflechada em 20 graus é de construção metálica e perfil laminar e possui sistema antigelo que utiliza ar sangrado dos motores para aquecer o bordo de ataque. O intradorso de cada asa é dotado de dois vortilons, que ordenam o fluxo de ar e melhoram a atuação dos ailerons em baixas velocidades.
Os três painéis de spoilers de atuação hidráulica sobre as asas cumprem a função de speed-brakes e lift-dumpers, em voo e no solo respectivamente, enquanto apenas os dois painéis externos atuam auxiliando os ailerons no rolamento, sempre que o manche for defletido além de 10 graus.



Dois painéis de flaps, do tipo Fowler, são atuados por quatro motores elétricos em cada lado e podem ser estendidos nas posições 10, 20 e 30 graus. O estabilizador horizontal, em formato de “T”, possui um sistema de degelo eletromagnético, no qual o gelo é quebrado por vibração, poupando a drenagem de ar sangrado dos motores e a consequente perda de potência que resulta deste processo.
Os motores, mais altos, facilitam o acesso ao compartimento de bagagem principal, aquecido e não pressurizado, localizado no lado esquerdo da aeronave, que comporta até 184 kg de bagagem.
Concluída a externa, sou convidado pelo comandante Trevor a ocupar o assento da esquerda no cockpit. Apesar de ser este meu primeiro contato com o Premier, a cabine parece-me bastante familiar: o agrupamento de sistemas, disposição de switches e até a posição do manche são bastante similares à família King Air.
O overhead panel, contendo os switches dos sistemas de iluminação, também é muito parecido com o de seu irmão turboélice. Na parte superior do painel principal, da esquerda para a direita, está a caixa de áudio do comandante e seu PFD, com informações primárias de voo e de navegação; um MFD, que concentra parâmetros de motor e informações complementares de navegação e opcionalmente cartas digitalizadas e check-lists, entre outros.
No quadrante central fica o tradicional Annunciator Panel, que já poderia ter sido substituído por um EICAS, juntamente com os instrumentos e equipamentos de navegação e comunicação (Nav/Comm) stand-by e o painel de fogo.
O painel de instrumentos é complementado com o segundo PFD e caixa de áudio, para o copiloto. Todos os controles e indicadores de sistemas da aeronave, como hidráulico, elétrico, antigelo/degelo, combustível e controle de pressurização e temperatura estão dispostos na parte inferior do painel, com switches simples.
Sinto falta de switches do tipo push-buttons iluminados, uma tendência dos projetos modernos, pois permitem fácil visualização da seleção em qualquer condição de iluminação.
No Premier, o glare-shield panel contém todos os comandos de diretor de voo e piloto automático, que além da conveniência e acessibilidade, melhora a segurança de voo e o alerta situacional ao possibilitar que o piloto mantenha o olhar para a frente da aeronave enquanto faz seleções.

No pedestal, os dois FMS Collins trazem recursos avançados, como a integração total com os equipamentos Nav/Comm digitais e capacidade VNAV. Logo atrás estão as manetes de potência e os comandos de flaps, speed brakes e lift dumpers, entre outros.
Nosso peso de decolagem é de 12.000 libras, apenas 500 libras abaixo do máximo, o que resultava em uma V1 de 113 nós, VR de 115 nós e V2 de 123 nós, com uma distância de decolagem de 5.500 pés para a configuração de flap 10. Insiro as velocidades na speed tape, enquanto o Trevor prepara o FMS com a saída autorizada — AVEX transição Sorocaba, decolando da pista 35. Nosso avião já está “plotado” no MFD, sobreposto à carta de solo de Congonhas, exatamente sobre o pátio da Líder.
Depois da leitura do Before Start Checklist diretamente no MFD, inicio o acionamento pressionando o botão de Start do motor esquerdo e, ao atingir 10% de N2, abro o combustível na manete.
O funcionamento da Boost Pump e da ignição é controlado automaticamente, bastando aguardar que o ciclo de partida esteja completo. Repetida a sequência para o motor direito, ligamos os geradores, aviônicos e bleeds e estamos prontos para iniciarmos o táxi.
A atuação da bequilha é bastante precisa e eficiente, tornando a atuação de freio diferencial praticamente desnecessária mesmo quando o raio de curva desejado é pequeno. Ao alinharmos na 35L ligamos a ignição e os aquecimentos do sistema pitot-estático, e levo as manetes até o batente de Take-Off, onde o ECU cuidará de manter a potência calculada para as condições presentes.

A rotação acontece suavemente, apesar do curto comprimento do Premier. Estranho um pouco o sistema de ajustes (trims) de profundor e ailerons, atuados por meio de um switch do tipo beep de quatro posições, em que é necessário pressionar um botão no topo e depois direcionar a atuação desejada.
Nesta sexta-feira com céu de brigadeiro pedimos imediatamente após a decolagem o cancelamento do plano IFR para prosseguirmos via corredores visuais até Jundiaí, local do nosso ensaio.
Nivelo a 4.000 pés e aproveito para comprovar algumas características de vôo do Premier IA. Com 145 nós, em configuração limpa, experimento curvas de até 30 graus de inclinação, e nossa máquina apresenta-se firme de comandos, sem tendências.
Ao nos aproximarmos do tráfego de Jundiaí, peço flap 10 ao Trevor e fico surpreso pela ausência de mudança de atitude da aeronave com as alterações de configuração, pois apenas um pequeno arrasto é perceptível. Giro base para a cabeceira 35 já com trem embaixo e flaps 20, e o Premier IA teima em não desembalar dos 130 nós. Já na final, configurado para pouso, uso pouco motor para manter-me 5 nós acima da Vref de 118 nós.
A aproximadamente 100 pés de altura, o Trevor me instrui a reduzir todo o motor, algo pouco convencional em uma aeronave de asa enflechada. O jato da Beechcraft mantém-se firme na velocidade, mesmo em power-off, e uma suave cabrada é suficiente para fazê-lo flutuar além do ponto de toque, forçando-me a colocá-lo no chão de uma maneira mais enérgica. Apesar de tudo, os amortecedores de grande curso são generosos com meu primeiro pouso e o toque é suave.
Os lift dumpers, nesta nova versão atuando exclusivamente mediante o comando do piloto, são eficientes em quebrar a sustentação e garantir a frenagem, que por sinal também foi melhorada em relação ao Premier I, com o reprojeto dos sistemas hidráulicos de atuação e de lógicas do anti-skid.
Taxiamos de volta à cabeceira e no meu segundo tráfego comprovo a docilidade de comandos do Premier IA e sua previsibilidade de reações. Desta vez procuro quebrar o ângulo sutilmente e o toque sai perfeito. Imagino que mesmo um piloto-proprietário, que esteja treinado adequadamente, migraria de maneira segura e natural para o Premier.
No terceiro tráfego o comandante Trevor propõe uma simulação de engine out logo após a decolagem e o rudder boost atua perfeitamente, reduzindo o esforço do piloto, mesmo em baixas velocidades.
Terminada a sequência de toques e arremetidas, partimos para a avaliação em altitude, subindo para o FL 410 na proa do VOR de Bragança Paulista. O regime normal de subida é de 220 nós (Mach .66) e, ao cruzarmos o FL 170, anoto 2.500 pés por minuto de razão. Pelos meus cálculos, atingiríamos o FL 410 em 22 minutos, não fossem algumas restrições de altitude em função de tráfegos na Terminal São Paulo.
Nivelado a 41.000 pés, o Premier acelera até Mach .77, equivalente a uma velocidade (TAS) de 435 nós, com um consumo total de 900 libras/hora, isto é, performance e economia inigualáveis nesta categoria. Em etapas de mais de 600 milhas náuticas, o Premier IA é até mais econômico em custos diretos de operação do que o turboélice King Air B200.
Aproveito o cruzeiro para ir até a cabine de passageiros e fico impressionado com o baixo nível de ruído e com o conforto proporcionado pela espaçosa cabine. De volta ao cockpit, o Trevor resolve então demonstrar uma descida de emergência e, a partir da velocidade de cruzeiro, reduzo as manetes, abro os speed brakes e comando 8.000 pés por minuto de razão de descida no modo Vertical Speed. Apesar da velocidade permanecer sempre próxima da MMO/VMO, nenhuma intervenção é necessária e o nível de vibração causado pelos speed brakes é baixo.
Na aproximação para a pista 17 em Congonhas noto outro benefício da perfeita integração da suíte de aviônicos Collins: ao selecionarmos a aproximação no FMS, os equipamentos de navegação são automaticamente sintonizados e a transição para o modo Approach ocorre ao toque de um botão.
Termino o voo com a sensação de que o Premier IA, com um alcance de 1.360 milhas náuticas, possui predicados que o colocam em uma categoria singular, sendo uma excelente opção para operadores que buscam conforto, performance e simplicidade de operação, mantendo os custos operacionais competitivos.
*Publicado originalmente na AERO Magazine 146 · Junho/2006
André Danita
Publicado em 01/06/2006, às 12h00 - Atualizado em 02/10/2025, às 12h00
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