Conhecemos a linha de produção da Russian Helicopter, que está de olho em mercados hoje dominados pelos principais fabricantes ocidentais de helicópteros
A AERO Magazine visitou uma das unidades da Russian Helicopter, em Kazan, localizada no Tartaristão. A cidade foi a primeira grande conquista de Ivan, o Terrível, que se tornou o primeiro Czar russo e transformou o país numa potência regional ao estabelecer um estado multiétnico e multirreligioso.
A Russian Helicopter surgiu em 2007, após a fusão de Kamov, Mil Heliciopters, Rostvertol e Kazan Helicopters, os quatro maiores fabricantes de asas rotativas da Rússia. Com a criação do conglomerado Rostec, a empresa se tornou uma de suas subsidiárias e iniciou um amplo processo de reestruturação e modernização.
Atualmente, o fabricante é o único com capacidade de projetar, produzir e comercializar helicópteros na Rússia, dentro de um processo de monopólio de mercado. O objetivo foi melhorar a competitividade global dos produtos russos e buscar importantes parceiros internacionais, como a francesa Safran Turbomeca, que fornecerá os motores do helicóptero médio Ka-62.
A Russian Helicopter possui mais de 8.500 helicópteros em operação em pelo menos 100 países, o que representa 14% de participação na frota mundial. No mercado interno, o fabricante possui 85% de participação total. Considerando o segmento militar, os números são mais favoráveis, com 35% de participação global e quase 100% no mercado interno. Entre os helicópteros pesados, que inclui aeronaves acima de 20 toneladas de MTOW (Maximum Takeoff Weight), a Russian Helicopters detém 74%, sendo que entre aeronaves com MTWO de 8 a 15 toneladas a participação é de 56%.
Na América Latina existem aproximadamente 400 helicópteros operando especialmente no segmento militar, com ampla participação em países como Peru, Venezuela e México. Devido à estrutura herdada, a empresa conta com cinco plantas de construção na Rússia e dois centros de design, além de diversos centros de manutenção e fabricação de componentes.
A unidade de Kazan é atualmente responsável pela produção dos modelos Mi-8/17, Mi-38, Ansat e Ansat-U. O complexo industrial possui capacidade de produção de praticamente todos os componentes estruturais dos modelos ali montados, recebendo de demais fabricantes basicamente sistemas eletrônicos e motores.
A empresa trabalha com uma filosofia diferente da indústria ocidental, em que os fabricantes se tornaram responsáveis apenas pelo projeto e pela montagem final, com a maior parte dos componentes sendo produzida por terceiros. Ainda assim, a unidade vem recebendo investimentos na modernização dos processos, e na estrutura geral, que inclui novos edifícios destinados à produção.
“A fábrica de Kazan tem modernizado seu maquinário para a produção de helicópteros nos últimos anos, o que nos permitiu aumentar nossa produção e melhorar o processo tecnológico das nossas aeronaves”, explicou Badim Ligay, diretor geral da Russian Helicopters.
Um dos destaques da Russian Helicopters apresentado em Kazan é o Ansat, o primeiro helicóptero russo projeado já sob as regras do AP-29 (FAR-29) Category A. O modelo é um helicóptero leve multimissão, impulsionado por dois motores Pratt & Whitney Canada PW207K, de 630 shp, equipado com FADEC. Destaque também para a carga útil de 1.184 kg, uma das maiores da categoria, assim como a velocidade de cruzeiro de 220 km/h e o alcance de 520 km.
Com capacidade para até 7 passageiros, o Ansat poderá se tornar um importante competidor na categoria hoje dominada por modelos da Airbus Helicopters e da Bell. Com peso máximo de decolagem de 3.600 kg, o Ansat é capaz de operar, por exemplo, em praticamente todos os helipontos da cidade de São Paulo.
Um dos diferenciais do modelo, em relação a seus competidores diretos, é o amplo espaço de cabine que permite uma série de configurações, de club seat com quatro lugares até aeromédico. A Russian Helicopters espera iniciar em breve a campanha mundial de vendas do modelo, que, por ora, tem se concentrado na entrega da variante militar para as forças armadas da Rússia.
Durante a visita, foi possível conhecer as futuras instalações onde será produzido o novo Mi-38, o helicóptero pesado multimissão destinado especialmente a operações em regiões remotas, incluindo offshore. O Mi-38 é equipado com os novos motores Klimov TV7-117V, de 2.800 shp, projetados dentro de especificações próximas às adotadas no Ocidente. Um dos maiores entraves das aeronaves russas era a vida útil dos motores, assim como seus índices de poluição tanto atmosférica quanto sonora.
Os novos motores buscam atender às rígidas normas ambientais adotadas no Ocidente, em especial na Europa. Com MTOW de 15.600 kg e payload de 6.000 kg, aliado ao volume interno de 29,5m³, o Mi-38 se torna ideal para operações que exigem grande capacidade de transporte.
Outro destaque é seu alcance, que varia de 660 km, com 3.000 kg de carga, ou até 1.200 km, com tanques externos e payload de 2.700 kg, ideal para missões offshore. A capacidade máxima é de 30 passageiros e até três tripulantes.
O Mi-38 e o Ansat demonstram a nova fase da indústria de helicópteros russa, que procura melhorar não apenas seus produtos, mas, também, sua reputação no mercado internacional. Nesse sentido, o fabricante tem buscado melhorar a eficiência do treinamento para seus principais operadores, em especial aqueles localizados em regiões remotas.
Uma das soluções desenvolvidas é um simulador móvel do Mi-8MTV. O simulador de três eixos foi montado sobre um caminhão, que contém ainda um gerador e um sistema de gerenciamento para o treinamento. A ideia é poder levar o simulador até os pilotos, que poderão revalidar suas habilitações sem deixar a base de operações. Um dos objetivos da Russian Helicopters é aumentar o índice de segurança operacional, que é considerado um dos menores do mundo, especialmente devido à falta de padronização de diversos operadores.
O simulador oferece ainda simplicidade de manutenção e operação podendo operar em qualquer condição climática, além de permitir qualquer tipo de simulação, incluindo IFR, voos sobre o oceano e plataformas marítimas.
Embora os projetos russos prezem por robustez e baixo custo operacional, um dos entraves ainda continua sendo o sistema pós-venda. A maior parte dos clientes, especialmente militares, sofre com um sistema logístico bastante deficiente, que não raro torna o envio de uma peça um processo lento, ultrapassando muitas vezes os 24 meses.
Num controverso programa de offset, o Brasil adquiriu doze Mi-35, designado como AH-2 Sabre na FAB. As aeronaves operam no Esquadrão Poti, em Porto Velho, e são utilizadas em missões de defesa aérea, ataque, escolta, supressão de defesa aérea inimiga, varredura e apoio aéreo aproximado.
Embora possua excelentes qualidades, o Mi-35 tem enfrentado algumas deficiências logísticas, assunto que tem sido amplamente discutido entre a FAB e os russos. Oficialmente, a Russian Heliciopters afirma que trabalha em conjunto com as autoridades brasileiras para oferecer um nível de suporte pós-venda similar ao de seus pares internacionais.
Com a incorporação da Russian Helicopters pela Rostec, os executivos russos acreditam que poderão melhorar num curto espaço de tempo os problemas logísticos, assim como obter novas parcerias com fabricantes ocidentais, mesmo diante do embargo atual. As condições de negociação dentro de um amplo conglomerado são mais vantajosas e enfrentam menor resistência internacional.
A indústria russa tem apresentado uma considerável melhora em sua relação internacional, aliado a uma nova visão de mercado fora do modelo soviético. A modernização da Kazan Helicopters, dentro da nova estrutura, é uma prova de que os russos estão dispostos a fazer a lição de casa.
Por Edmundo Ubiratan, de Kazan
Publicado em 04/10/2015, às 00h00 - Atualizado às 16h00
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