JetZero aposta US$ 5 bi no Z4, avião com corpo integrado às asas que promete revolucionar a aviação
A startup JetZero anunciou um investimento de quase US$ 5 bilhões na construção de sua primeira fábrica nos Estados Unidos, que será localizada em Greensboro, na Carolina do Norte. O novo complexo será dedicado à produção do Z4, que adota o conceito de asa voadora (blended wing body) e promete transformar a aviação comercial e militar com até 50% menos consumo de combustível. A empresa aposta em um design pouco explorado e teoricamente mais sustentável para redefinir o padrão da indústria aeronáutica
O empreendimento é considerado o maior anúncio de geração de empregos da história do estado e se alinha à estratégia dos Estados Unidos de retomar a liderança global em inovação aeroespacial.
O maior destaque do Z4 é romper com o tradicional modelo tubo-com-asa, adotando um corpo aerodinâmico integrado às asas. O conceito estudado há mais de 70 anos teve baixa aplicabilidade na indústria, com raros modelos adotando o formato de asa voadora, sendo os mais recentes os bombardeiros B-2 Spirit e B-21 Raider.
A JetZero afirma que a configuração reduz a resistência ao avanço, com potencial de economia de combustível de até 50% em comparação com aeronaves convencionais. É a primeira tentativa concreta de aplicar a arquitetura BWB ao transporte de passageiros em escala comercial.
A construção da fábrica está programada para começar no primeiro semestre de 2026, dentro do Aeroporto Internacional Piedmont Triad, em Greensboro. A unidade terá capacidade de montar até vinte aeronaves por mês, com ritmo pleno estimado para o final da próxima década. As primeiras entregas devem ocorrer no início dos anos 2030.
Segundo a empresa, a escolha da Carolina do Norte se deve à combinação de mão de obra qualificada, infraestrutura logística e apoio governamental. Atualmente, o estado concentra diversas empresas aeroespaciais, como a Boeing — que produz o 787 em North Charleston — e a Honda Aircraft, que mantém uma planta industrial em Greensboro.
A Carolina do Norte é considerado berço da aviação norte-americana, por ter sido o local onde os irmãos Wright iniciaram seus voos experimentais, partindo de Kitty Hawk, no litoral norte do estado.
Estima-se a criação de mais de 14.500 empregos diretos, com salários médios superiores a US$ 89 mil anuais, além de milhares de postos indiretos em setores como fornecimento e manutenção. A rede estadual de community colleges já estrutura programas de capacitação voltados à JetZero.
“Estou entusiasmado em receber a JetZero e seus 14.000 empregos bem remunerados e uma inovação sem precedentes no Condado de Guilford”, disse o governador Josh Stein. O governador destacou também o impacto econômico do projeto, classificando a chegada da empresa como um marco para o estado.
Já o CEO da JetZero, Tom O’Leary, afirmou que a decisão foi motivada pelo ecossistema técnico e institucional da região. “Esta instalação é um marco fundamental para levar nosso modelo totalmente integrado Z4 ao mercado", afirmou.
Além da eficiência operacional, o Z4 propõe mudanças na experiência do passageiro. A entrada será feita por uma porta mais ampla, conduzindo a seções com no máximo 12 fileiras. Cada assento contará com seu próprio compartimento superior de bagagem, e as áreas de serviço da tripulação serão reposicionadas. A ideia é que existam diversas seções a bordo, divididas em setores dentro do amplo espaço da fuselagem. Segundo Andrew Chang, diretor da United Airlines Ventures, essas alterações “reconfiguram fundamentalmente a forma como transportamos pessoas no mundo”.
O projeto conta com o envolvimento direto de quinze companhias aéreas em um grupo consultivo. A Alaska Airlines e United Airlines já investiram na JetZero, com a segunda tendo inclusive manifestado o interesse na aquisição de até 200 unidades do Z4, como parte de sua estratégia de renovação de frota e aumento de eficiência. Os valores não foram revelados, mas seguem o intervalo usual de investimentos da companhia.
A JetZero também desenvolve uma variante militar do Z4, batizada KC-Z4, voltada para reabastecimento em voo. A aeronave mantém a base estrutural do modelo civil, com adaptações às exigências da Força Aérea dos EUA. A estratégia de compartilhar a plataforma visa reduzir custos e simplificar a logística de produção e manutenção.
O KC-24 tem potencial para substituir a maior parte dos KC-135 ainda em serviço e complementar os atuais KC-46A Pegasus, derivado do Boeing 767. Segundo dados preliminares, o KC-Z4 terá peso vazio de 162 mil libras e capacidade de transferência de combustível de até 200 mil libras. Isso representa uma proporção de 1,24:1 entre combustível transferido e estrutura — superior ao índice de 1,17:1 do KC-46A. O fuel fraction (proporção de combustível em relação ao peso máximo de decolagem) é estimado em 0,55, contra 0,51 do KC-46.
Por ora, a JetZero considera na versão militar o uso de motores Pratt & Whitney PW4062, já operados pelo KC-46, no lugar dos PW2040 inicialmente propostos para o Z4. Isso facilitaria a integração logística com a frota existente da Força Aérea. Segundo Nate Metzler, gerente do programa KC-Z4, o projeto foi pensado com modularidade desde o início: “Evitar soluções sob medida é essencial para a viabilidade industrial.”
Porém, a integração da sonda de reabastecimento representa um dos principais desafios do KC-Z4, uma vez que o modelo não possui o cone de cauda tradicional. Em aviões tubo-com-asa, como os atuais, a sonda boom se apoia na corrente de ar gerada pelas superfícies traseiras. No BWB, a JetZero estuda alternativas para posicionar o equipamento na parte inferior da fuselagem, podendo utilizar inclusive geradores de vortex para estabilizar a sonda.
Para isso, a Força Aérea dos EUA enviou par a empresa uma sonda retirada de um KC-10 aposentado, escaneada e adaptada digitalmente ao modelo do KC-Z4. A análise apontou a necessidade de reduzir seu tamanho, já que a peça original comprometeria o equilíbrio da aeronave.
O sucesso da adaptação depende também do programa NGAS (Next-Generation Air Refueling System), que ainda está em definição. O Comando de Mobilidade Aérea conduz estudos comparativos, mas não há consenso sobre o formato ideal. Parte da liderança defende grandes aviões-tanque dedicados, enquanto outra ala militar propõe soluções distribuídas com aeronaves menores e mais discretas.
Com a fábrica em Greensboro, a JetZero desafia a hegemonia de Boeing e Airbus no setor aeroespacial, apostando em um modelo disruptivo com potencial de uso dual (civil e militar). A estratégia se alinha às metas industriais dos EUA de promover reindustrialização, fortalecer exportações e liderar avanços tecnológicos.
O projeto também reposiciona o Aeroporto Internacional Piedmont Triad como polo de fabricação aeronáutica. O estado já abriga mais de 50 mil trabalhadores nos setores aeroespacial e de defesa, além de centros de pesquisa e universidades técnicas. Segundo Kevin Baker, diretor da autoridade aeroportuária, o novo complexo “define uma nova era, consolidando a visão de transformar o terminal em um centro de inovação e empregos qualificados.”
Ao integrar objetivos comerciais, industriais e militares, a JetZero pretende consolidar o Z4 como o primeiro avião de corpo integrado produzido em escala para transporte de passageiros. A continuidade do projeto dependerá da validação técnica do conceito, da aprovação regulatória pela FAA, do cumprimento dos cronogramas industriais e da manutenção do apoio financeiro e institucional.
Apesar de seu grande potencial, o Z4 deverá enfrentar desafios significativos, especialmente no âmbito regulatório e quanto à viabilidade econômica. Em experiências recentes, projetos inovadores e disruptivos — como o Aerion AS2 — não avançaram além da fase de pré-projeto, mesmo após o anúncio da construção de grandes unidades industriais.
A produção do protótipo em escala real está prevista para 2027. As operações industriais devem começar um ano anotes, com entregas comerciais ocorrendo no início da década de 2030. Se as metas forem alcançadas, o Z4 poderá estabelecer um novo paradigma, substituindo gradualmente o formato cilíndrico tradicional, dominante há mais de 70 anos.
A JetZero aposta na convergência entre inovação de produto e viabilidade industrial. Com apoio privado e institucional, o modelo tem potencial de redefinir o design das aeronaves e reposicionar os Estados Unidos como protagonistas na aviação do futuro.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 13/06/2025, às 14h00
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