Após mais de meio século de domínio do 737, a família A320 assume a liderança global e marca uma nova fase na disputa entre Airbus e Boeing
A Airbus alcançou um marco histórico ao superar a Boeing e transformar o equilíbrio da aviação comercial. Com mais de 12.250 unidades entregues, a família A320 tornou-se a aeronave mais produzida da história, encerrando mais de meio século de domínio do 737. O feito consolida o avanço europeu no segmento de corredor único e marca a consolidação do A321neo como o principal vetor da nova liderança global.
A diferença entre os dois modelos havia caído para menos de vinte unidades em meados de agosto. Com cadência de produção superior, a Airbus manteve ritmo de entregas acima do 737 nos últimos meses. O feito ocorre 37 anos após a estreia do A320 em serviço, em 1988, com a Air France.
Embora tenha iniciado a década de 1990 distante da Boeing em volume de vendas, a Airbus conquistou espaço gradualmente a partir dos anos 2000. O impulso decisivo veio com a série Neo, lançada em 2010, que incorporou novos motores e melhorias de alcance, desempenho e capacidade. O A321neo, em especial, tornou-se o modelo mais requisitado da família.
Em julho de 2025, a Airbus entregou 67 aeronaves da linha A320, contra 48 unidades do 737 MAX pela Boeing. No acumulado parcial do ano até agosto, a Airbus somava 434 entregas frente a 385 da concorrente. O desempenho reflete a consolidação da família A320 como principal produto no mercado narrowbody.
O A320 representou a entrada da Airbus no segmento de corredor único, até então dominado pela Boeing e pela McDonnell Douglas. O programa acelerou o declínio da linha MD-80/-90, e, após a fusão da McDonnell Douglas com a Boeing em 1997, passou a disputar diretamente espaço com o 737 Next Generation e, mais recentemente, com o 737 MAX.
A família A320 contabiliza hoje mais de 11 mil pedidos firmes desde o lançamento da versão Neo, com destaque para o A321neo, que concentra a maior parte das encomendas. Em contraste, o irmão menor, o A319neo, registrou baixa adesão, diante da preferência do mercado por aeronaves de maior capacidade e da incorporação do A220 ao portfólio.
Entre 2020 e 2025, a Airbus aumentou significativamente sua cadência anual, de 446 unidades para 602 em 2024, mantendo tendência de crescimento. A projeção é elevar a cadência para 75 aviões por mês até 2027, reforçando sua posição de liderança.
A Boeing, em contrapartida, sofreu oscilações após a crise do 737 MAX. A produção saltou de apenas 43 aeronaves em 2020 para 396 em 2023, mas recuou em 2024, somando 265 unidades no ano. Até agosto de 2025, a empresa registrava 273 entregas, limitada por restrições impostas pela FAA, que fixou a cadência do 737 em 38 aeronaves mensais.
O encerramento da produção do Boeing 757, em 2004, marcou uma inflexão no mercado de médio alcance. Em fim de ciclo tecnológico, o modelo perdeu atratividade diante de aviões menores e mais eficientes, como o 737-800 e o A320. A queda nas novas encomendas se acentuou após os atentados de 11 de setembro, quando o tráfego aéreo global recuou e as companhias buscaram reduzir custos operacionais.
A Boeing apostou que o 737-900 e o 787-3 Dreamliner cobririam esse nicho, mas a decisão de não avançar com a versão de menor alcance do Dreamliner — somada à baixa adesão do mercado ao 737-900 — uma década depois abriu espaço para a Airbus ocupar o segmento com o A321neo.
Com alcance ampliado e maior eficiência, o jato europeu tornou-se o sucessor natural do 757 e consolidou a liderança da Airbus em rotas transatlânticas e intercontinentais de menor densidade.
A próxima etapa da disputa é no segmento de longo alcance. O A321XLR, versão de maior alcance do A321neo, deve consolidar ainda mais a liderança da Airbus. Substituto natural do 757, o modelo promete até 20% de redução de custos em rotas transatlânticas e intercontinentais de médio porte, assim como melhor carga paga.
Sem concorrente direto, a Boeing depende do 737 MAX 10 para disputar parte desse mercado, embora o modelo ainda aguarde certificação e não alcance o desempenho do XLR. Até o momento, a Boeing não apresentou planos concretos para um novo projeto de corredor único capaz de rivalizar com a proposta europeia.
A ultrapassagem do A320 sobre o 737 representa uma virada simbólica no equilíbrio de forças da aviação comercial. Durante mais de 50 anos, o 737 foi o avião mais produzido da história, ícone da aviação norte-americana e padrão do transporte aéreo mundial.
Ao assumir a liderança, a Airbus consolida sua posição como protagonista do setor enquanto a Boeing ainda enfrenta dificuldades estruturais e vê o 737 lutar para recuperar a imagem, ainda sem conseguir a certificação das versões MAX 7 e MAX 10.
Todavia, o momento tende a ser favorável para a Boeing no médio prazo, que poderá avaliar um sucessor para a família 737 MAX, com apoio de investidores e clientes. Já para a Airbus, o próximo ciclo de decisões será mais complexo e arriscado, exigindo equilíbrio entre expansão de capacidade e atualização tecnológica em um mercado cada vez mais complexo, onde um movimento equivocado pode comprometer toda a vantagem conquistada.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 06/10/2025, às 11h00
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