AERO Magazine
Busca

Radares aposentados

Equipamento perde espaço com a expansão de novas tecnologias de tráfego aéreo, como o ADS-B


Após a invasão da França, comandada pela Alemanha no início da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra temia ser a próxima. Filmes da época mostram os preparativos de Londres para amenizar as baixas diante de um eventual ataque nazista, com o escurecimento das ruas e a acomodação de pessoas nas estações de Metrô. Mas os ingleses tinham alguns trunfos. O principal deles sempre se impôs como proteção natural contra as agressões do continente europeu. O mar significava que qualquer invasão seria complexa, porque envolveria barcos, passíveis de ataques, diante da distância, o que obrigou Hitler a pensar em uma estratégia diferente. Sua intenção era amaciar o inimigo com bombardeios aéreos noturnos, que servissem para aterrorizar a população civil e reduzir-lhes o moral. Assim, após os primeiros bombardeios a Londres, ficou claro aos britânicos que seria necessário criar algum sistema de alerta antecipado. Observadores passaram a olhar os céus com seus binóculos, dia e noite. Paralelamente, os ingleses conseguiram obter os códigos de comunicação dos alemães e, de posse de tais dados, foram capazes de decifrar as transmissões de ordens de guerra.

A melhor estratégia, porém, estava por vir. Ao longo das costas sudeste e leste da Grã-Bretanha, uma rede de antenas passaria a transmitir ondas em alta frequência. A reflexão das ondas provocava ruídos na frequência portadora, indicando ao serviço de inteligência que coisas metálicas se aproximavam. Essa informação tinha grande valor tático, porque permitia que as tripulações da RAF fossem despachadas na hora certa para o combate. Sem ela, o esforço com patrulhas aéreas seria muito maior. O sistema passaria a ser conhecido como RADAR (Radio Detection and Ranging) e serviria como uma das principais armas contra a superioridade bélica germânica. A batalha inicial entre os dois países se concentrou sobre o mar e envolveu centenas de caças em combate simultâneo, por vários dias. Como o tempo passava e a Luftwaffe não conseguia avançar, Hitler mudou de planos e voltou seu esforço de guerra contra a Rússia. Manteve os ataques à Inglaterra com o uso de bombas voadoras V1 e, mais próximo do final da guerra, com as V2. Segundo vários pesquisadores, se as tropas germânicas persistissem, a RAF seria destruída, indicando que a mudança de direção nazista marcou o início da derrocada da Alemanha.

Por ironia da história, um alemão, chamado Heinrich ­Hertz, confirmou em experimentos a emissão eletromagnética, no final do século 19. E o primeiro equipamento a seguir o princípio de um radar foi construído em 1904, por Christian Hülsmeyer, também na Alemanha. Outros continuariam pesquisando a propagação eletromagnética, mas, somente no início da Segunda Guerra Mundial (1939), Watson Watt aperfeiçoou tecnologias que possibilitaram a telemetria fixa e rotatória. Mais tarde, o radar passaria a ser utilizado intensamente pelos países vencedores da guerra na contenção do avanço da União Soviética e do comunismo. Nos anos 1950, o aumento dos voos comerciais em todo o mundo fez do radar uma ferramenta ainda mais útil, para a prestação de vários serviços, como tráfego aéreo, previsão meteorológica, defesa aérea, entre outros.

Infraestrutura

Embora os radares tenham resolvido boa parte dos problemas de vigilância aérea para tempos de paz e de guerra, os custos de construção da infraestrutura necessária revelaram-se elevados diante do crescimento de sua utilização. A instalação de cada unidade requer o preparo de um local adequado, com apoio para futuras equipes de manutenção, uma plataforma elevada para posicionamentos da antena, alimentação de energia elétrica e segurança patrimonial. Até o final dos anos 1980, esses custos eram absorvidos por governos do Ocidente e da extinta União Soviética, como ônus da Guerra Fria”, no que tange à defesa de seu espaço aéreo. Ainda que a ênfase tradicional fosse de cunho militar, as entidades prestadoras de serviços ATS em todo o mundo se beneficiavam, na medida em que utilizavam equipamentos de uso militar para proporcionar mais segurança à aviação comercial. Porém, a situação se tornou insustentável. Países da Europa e da América do Norte sofriam com elevados custos de implantação e manutenção de radares – no Brasil, há hoje cerca de 170 unidades em operação, de várias gerações, idades e estados de conservação heterogêneos. Deste modo, em meados da década de 1990, a ICAO iniciou estudos em busca de respostas a esse dilema.

Soluções

Desde a década de 1980, companhias aéreas vêm encomendando soluções de tecnologias de informação às grandes empresas do ramo. A norte-americana Arinc, por exemplo, desenvolveu o sistema Acars, que permitiu às empresas aéreas se comunicar por dados com suas aeronaves. Muitas informações podiam ser acompanhadas à distância pela companhia aérea, incluindo o número de pessoas a bordo no ato de fechamento de portas, panes de sistemas da aeronave e horário de trabalho das tripulações. Mais tarde, o advento da navegação GNSS possibilitou a inclusão de dados de navegação nos blocos de mensagens do Acars. Isso tornou obsoleta a premissa básica de qualquer radar ATC. A partir de então, não seria mais necessário procurar uma aeronave nos céus, já que ela teria condições de informar via link de dados sua origem, posição, rumo, velocidade, altitude, destino e hora de chegada. Mas a tecnologia Acars foi desenvolvida numa época sem internet e com bandas de comunicação muito estreitas e limitadas em velocidade e volume de dados.

Nos anos seguintes, novas tecnologias de transmissão de dados voltadas para o segmento ar-terra seriam testadas. Um evento marcante ocorreu nos Estados Unidos no início dos anos 2000. Nas partes geladas do Canadá e no estado norte-americano do Alasca havia uma demanda muito grande de voos de aviação geral, já que pequenas aeronaves superam as dificuldades de locomoção no solo causadas pela neve constante. Nesse ambiente, o uso de radares de vigilância é tão necessário quanto difícil de ser aplicado. Sítios de radar em áreas remotas, como regiões de neve constante, desertos, alto mar ou florestas densas (caso de nossa Amazônia) são tecnicamente ­inviáveis ou sofrem com as agressões da natureza e exigem manutenção intensa. Por isso, o FAA realizou um experimento no qual ofereceu a instalação gratuita de transmissores de dados, na banda de UAT (Universal Access Transceiver – 978 MHz) para cerca de 150 operadores de aviação geral. Em solo, uma rede de pequenas antenas fixas se encarregaria de manter conectados esses aviões aos serviços providos pela FAA. O equipamento de bordo enviava dados de navegação, como posição, velocidade e altitude, enquanto os computadores da FAA respondiam com informações meteorológicas em texto (METAR, TAF e SPECI). Havia a expectativa de que o novo sistema poderia reduzir o uso de radares ATC e economizar com recursos humanos utilizados na veiculação oral de mensagens VOLMET. O projeto vingou e, a partir de 2002, a FAA definiu o novo sistema de vigilância ATS a ser implantado nos EUA. Ele se chamaria ADS-B (Automatic Dependant Surveillance Broadcast) e deveria estar implantado em seu território até 2020.

os radares primários estão deixando de ser usados devido à pobre qualidade das informações

ADS-B

O sistema ADS-B foi inicialmente concebido com tecnologia UAT, voltada aos pequenos aviões. Para aeronaves mais velozes, os dados “ar-terra” seriam emitidos em 1.090 MHz. Essa é a frequência utilizada por transponders para responder às interrogações dos radares secundários nos modos A e C. Para as aeronaves de média ou grande velocidade deveria haver um modo S (Special) por meio do qual as informações de identificação de matrícula ou número do voo pudessem ser emitidas. Hoje, no mesmo pulso podem seguir outros dados de navegação, como origem do voo, horários de sobrevoo de pontos de controle e hora de chegada ao destino. Nos equipamentos ADS-B embarcados, a taxa de emissão de dados é de pelo menos uma vez por segundo, mas os sistemas mais populares emitem em até seis vezes por segundo. Essas transmissões são recebidas por radares secundários, normalmente instalados conjuntamente com radares primários, que, como sabemos, possuem baixas taxas de atualização porque giram a um ritmo de seis a 12 revoluções por minuto. Portanto, essa incompatibilidade faz perder a vantagem da alta taxa de atualização dos sistemas ADS-B. Então, qual seria sua vantagem?

Radares ATC

Em todo o mundo, os radares primários para detecção de aeronaves civis estão deixando de ser utilizados devido à pobre qualidade de informações. Precisam ser auxiliados por radares secundários, que, se trabalhassem sozinhos, poderiam girar mais rápido, uma vez que suas antenas são menores. Além disso, podem operar também em modos S, necessário aos sistemas ADS-B. Mas, ainda assim, exigem infraestrutura considerada de alto custo.

Por outro lado, as antenas que recebem os sinais ADS-B em solo são pequenas e de baixo custo. O sítio pode ser simples, com instalações sobre prédios e torres. Sendo de baixo custo, fariam as verbas públicas renderem mais, além de permitir melhor distribuição de antenas pelo país. Estes são dois grandes argumentos, mas ainda há outro. Como suas antenas não giram, podem ser ajustadas para receber os pulsos na frequência emitida pelas aeronaves. Portanto, nas telas dos controladores, os alvos não pulariam a cada 5 ou 10 segundos, mas caminhariam serenos em suas trajetórias, facilitando os cálculos geométricos utilizados para prevenir colisões.

ADS-B ‘in’ e ‘out’

A capacidade de sistemas de bordo de emitir dados de identificação e navegação é chamada de ADS-B out. Nas primeiras aplicações do sistema nos EUA e na Europa, somente o controle de tráfego aéreo recebia os sinais. Mas não demorou muito para que as autoridades e a indústria concluíssem pela viabilidade de fazer os sinais das aeronaves serem captados por outras. Isso facilitaria o alerta situacional anticolisão. Então, nos últimos anos vemos proliferar muitos modelos de equipamentos ADS-B “out” com capacidade adicional in. Não são exclusivos para grandes aeronaves, mesmo porque ainda se valem dos benefícios dos sistemas TCAS II. Ao contrário, os fabricantes de pequenas aeronaves têm preferido equipá-las com ADS-B “out” e “in”, uma vez que tais recursos podem atender aos novos requisitos do FAA e EASA, receber dados meteorológicos e, ainda, detectar a presença de outras aeronaves equipadas com ADS-B out. Já há no mercado equipamentos de múltiplas funções com ADS-B in e out combinado à capacidade de interrogar os transponders de outras aeronaves em pulsos de 1.030 MHz, como um radar secundário.

Futuro dos radares

O uso do ADS-B já é uma realidade em várias partes do mundo. No Brasil, o site da Infraero informa que o novo APP de Macaé já opera em ADS-B desde o início deste ano. Esse órgão de controle foi escolhido para ser o primeiro a operar no novo sistema para atender a uma necessidade urgente de controle de tráfego de helicópteros que voam do continente para plataformas de petróleo. A expectativa de ampliação do número de plataformas nos novos campos de pré-sal fomenta a ampliação do sistema ADS-B no Brasil. O Decea já anunciou a ampliação da TMA Macaé para 2015, cujos limites irão encontrar a TMA RJ.

Ainda que tenhamos o maior número de radares ATC desde o Caribe até a América do Sul, com visualização completa no espaço aéreo superior, a multiplicidade das novas rotas RNAV vai colocar em xeque a infraestrutura de vigilância aérea brasileira. Hoje, o nível de voo mínimo das rotas RNAV 5 é o FL 150. Isso porque exigem vigilância ATS e a rede de radares não garante visualização constante abaixo desse nível. Por isso, o Decea contratou a empresa Sita, grupo mundial de tecnologias de informação voltadas à aviação, para construir uma rede de antenas por todo o Brasil capaz de atender às demandas de troca de dados entre aeronaves e os serviços ATS, incluídas as funcionalidades do ADS-B.

A nova tecnologia facilita os cálculos geométricos utilizados para prevenir colisões

Podemos esperar que os radares de rota, aqueles que giram a 6 rpm, comecem a sair de operação na medida em que a rede Sita seja ativada. Como o espaço aéreo acima do FL150 é voado preponderantemente por aeronaves mais complexas, se espera que estejam equipadas com ADS-B. Os radares instalados nas TMA, que giram com 12 rpm, poderão ter sobrevida, uma vez que cobrem uma variedade de aeronaves de diferentes tamanhos, modelos, idades e tecnologias. Ademais, TMA saturadas contam com radares ligados em rede, produzindo imagens que permitem diversos serviços ATS, atribuídos a vários órgãos de controle.

Já os radares militares, que servem à defesa aérea ou às aproximações de precisão (PAR), continuarão ativos por muito tempo. Além de terem custado mais do que os radares civis, atuam em cenários diversos, são transportáveis e identificam alvos de boa e de má fé.

O desenvolvimento das tecnologias de vigilância ATC vem demonstrando uma mudança importanate de paradigma. Aeronaves civis já podem enviar dados por radiofrequência, permitindo a oferta de serviços ATC a um custo infinitamente menor do que o dos sistemas de detecção que utilizam radares. E esta variável não será desconsiderada nas decisões das autoridades aeronáuticas do mundo todo.

Os tipos de radares

Sistema integrado brasileiro favorece o controle do tráfego aéreo ao monitorar aeronaves civis e militares simultaneamente

Radar primário

A característica básica de um sistema de radar primário reside em emitir ondas eletromagnéticas e captar sua reflexão provocada pela atmosfera com presença de água, estruturas físicas ou o próprio solo. Como as ondas viajam a velocidade da luz (por volta dos 300.000 km por segundo), o tempo decorrido entre a emissão e a chagada da reflexão é base do cálculo da distância do objeto detectado. A reflexão transformada em imagem é apresentada numa tela, sobreposta por um vídeo-mapa, onde informações aeronáuticas estarão plotadas.
Para atualizar a posição dos “alvos”, a antena precisa girar. A cada nova detecção, o percurso vai sendo atualizado. A velocidade de rotação da antena será definida pelo uso que se pretenda do radar. Para detecção de aeronaves em rota, afastadas umas das outras, é utilizado um radar de 6 rotações por minuto (rpm). Portanto, cada atualização acontece em intervalos de 10 segundos. Já numa TMA, onde os tráfegos se aproximam entre si, é necessário que as imagens se renovem mais rapidamente. Nesse ambiente, um radar opera com aproximadamente 12 rpm, possibilitando atualizações de 5 segundos. A qualidade da detecção depende, em parte, do material que é feita a aeronave e seu formato. Materiais plásticos podem não refletir ondas com a mesma eficiência enquanto aeronaves desenvolvidas para não serem detectadas têm formatos retos e angulosos, que refletem as ondas em direções diferentes das de origem.
Um radar primário não consegue identificar aeronaves, nem as altitudes em que voam. Tampouco tem capacidade de detectá-las onde haja relevo a barrar a propagação das ondas. Por isso, não é indicado para vigiar aeronaves que voem em baixa altitude, em regiões montanhosas ou em relevo urbano, com a presença de prédios.

Radar secundário

Seu desenvolvimento se deu nos anos pós-guerra e visava principalmente identificar aeronaves, para fins de controle de tráfego civil e de defesa aérea. Também conhecido por secondary surveillance radar (SSR) possui uma antena própria que também gira. Pode estar ou não associado a um radar primário. Comunica-se com o equipamento instalado na aeronave (transponder) perguntando-lhe seu código de quatro dígitos, altitude e matrícula. Essas três capacidades de comunicação são definidas como modos A, C e S (special). Há capacidades específicas para aeronaves que voem em missões militares, como os modos 1, 2 e 3. Nos consoles dos controladores, os códigos são mostrados no formato de etiquetas móveis.

Defesa aérea: radar tridimensional

Radares secundários são construídos para tipos de operação já definidos. Daí a vantagem dos Cindacta (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo). Como regra, seus radares são equipados para os modos 1, 2, 3, A, C e S. Mas a Defesa Aérea precisa estar equipada para detectar aeronaves que não sigam regras de aviação civil. Por isso utiliza alguns radares primários tridimensionais. Giram a rotações mais altas, detectam direção, altitude e velocidade, sem precisar das respostas de um transponder. Normalmente associados a radares secundários, permitem guiar uma aeronave de caça na tarefa de interceptação. Sendo desmontáveis, podem ser deslocados rapidamente para qualquer parte do Brasil.
Havendo necessidade de interceptação de um alvo não identificado, os radares dos Cindacta, que são ligados em rede, trazem para as telas dos controladores dos APP, ACC e de Defesa Aérea os mesmos símbolos. Isso facilita o trabalho do controlador de interceptação e sua coordenação com o colega que atua no controle de aeronaves civis.

Defesa aérea: radar PAR

A aeronave de caça pode ter limitações operacionais que dificultem ou a impeçam de operar em qualquer aeródromo. Por isso, precisa retornar à sua base, independente da meteorologia reinante. Para isso, utiliza-se o radar de aproximação de precisão (Precision Approach Radar – PAR). Desenvolvido no início dos anos 1950, compõe-se de um conjunto de dois radares primários. Permite que o controlador militar acompanhe a aproximação da aeronave visualizando-a em duas telas, uma de corte horizontal e outra, de corte vertical. A partir de uma distância da pista, o controlador se encarrega de narrar a trajetória, informando pequenas correções, na ordem de um ou dois graus de proa e/ou 50 pés/min de razão de descida para cima ou para baixo. As aproximações permitem o pouso com nenhuma visibilidade, ou seja, o piloto enxerga a pista somente quando já flutua sobre ela.

Por Jorge Filipe Almeida Barros
Publicado em 18/05/2014, às 00h00 - Atualizado às 17h56


Mais Plano de Voo