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Dúvidas para além da copa

Iata prevê estagnação para o Brasil em meio ao crescimento do transporte aéreo na América Latina e no mundo e mostra preocupação com aumento de taxas no longo prazo por conta das concessões de aeroportos à iniciativa privada


Uma expressão aparentemente despretensiosa proferida durante a conferência mundial de mídia da Associação de Transporte Aéreo Internacional gerou rebuliço nos corredores da sede da entidade em Genebra, na Suíça. Durante sua apresentação, o CEO da Iata, Tony Tyler, usou as palavras “stopgap ­measures” para justificar sua confiança na capacidade do Brasil de atender à demanda de passageiros durante a Copa do Mundo da FIFA. Ele se referia às melhorias adotadas nos principais aeroportos do país, que chamou de “medidas temporárias”, conforme se esclareceu depois. O problema era que traduções como “remendo” e “tapa-buraco” já estampavam manchetes na imprensa brasileira, dando uma conotação agressiva para um esforço que considerou positivo.

Enunciados à parte, o fato é que o CEO da Iata, organização que representa 240 companhias aéreas responsáveis por 84% do tráfego aéreo global, citou o Brasil duas vezes em seu balanço do ano de 2013. Uma para criticar a infraestrutura aeroportuária do país e outra para reiterar as queixas da entidade em relação ao preço do combustível para aviação praticado no mercado doméstico nacional. Embora cético quanto ao futuro da aviação regular brasileira, Tony Tyler elogiou as concessões de Confins e do Galeão para a iniciativa privada. “A segunda rodada de privatizações estabeleceu melhores perspectivas porque exigiu que os participantes tivessem experiência significativa na gestão aeroportuária. Mas não estamos seguros sobre a situação do Brasil no longo prazo”. Segundo ele, falta uma estrutura regulatória dentro de padrões globais, definidos pela Icao, o que poria fim a uma situação de controle de tarifas em contraposição ao descontrole de taxas e impostos. “Companhias aéreas nunca são consultadas para o estabelecimento de taxas, não há um teto para os impostos e existe um claro ‘conflito de interesse’ na gestão da Infraero por ser estatal”. A Iata se diz preocupada com as cobranças que virão dos concessionários privados para recuperar os bilhões que estão investindo nos aeroportos. Sobre o querosene de aviação, o executivo diz que o preço do combustível aeronáutico no Brasil é 17% maior do que a média global. “Isso em um país que produz a maior parte de seu petróleo”. Tony Tyler também considera elevado o número de companhias aéreas disputando o mesmo mercado ao se referir a TAM, Gol, Azul e Avianca.

Terminal 3 de Guarulhos

O diretor-geral da Iata no Brasil, Carlos Ebner, concorda que Tony Tyler abordou os pontos que mais afetam o dia a dia das empresas aéreas brasileiras. Para ele, há um gargalo de infraestrutura que não será desobstruído totalmente até a Copa do Mundo. “O terminal 3 de Guarulhos, por exemplo, vai aliviar o fluxo, mas atenderá a poucas empresas estrangeiras no início de suas operações e não deverá contar com a esteira automática de bagagem até junho”. Na prática, o aumento do movimento durante o torneio internacional não será suficiente para gerar grandes problemas nos aeroportos brasileiro, por conta das melhorias e, também, da queda do número de passageiros de negócio e turismo. Mas há dúvidas sobre o que acontecerá após a Copa.

Em relação ao combustível, Ebner é mais incisivo. “O querosene de aviação representa até 43% dos gastos operacionais das companhias aéreas, contra 10% da média mundial. Esse alto custo do combustível causa despesas extras de US$ 400 milhões anuais às companhias brasileiras”. O executivo da Iata diz que a Petrobras controla a infraestrutura logística do petróleo no Brasil antes de o produto chegar às distribuidoras e consegue, assim, uma vantagem competitiva em relação a outros players de mercado. Por isso, em sua opinião, as empresas aéreas deveriam receber o mesmo tratamento – leia-se transferência de margens, ou subsídios – do transporte rodoviário. Politicamente, o que complica a viabilidade dessa tese, segundo o que se diz nos bastidores, é o fato de os donos das aéreas enriquecerem enquanto as empresas acumulam prejuízos, além da própria situação da Petrobras, que viu despencarem suas ações na bolsa de valores depois de segurar o preço do combustível para o governo controlar a inflação.

Para a Iata, outro fator que torna o combustível caro é o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). “Há diferenças nas alíquotas entre os estados brasileiros, com variação de 7% a 25%, um complicador para o planejamento do tráfego aéreo. O mercado demanda hoje que a porcentagem seja única em todo o país, em torno de 6%”, diz Ebner.

Os problemas associados ao câmbio não entraram na pauta da Iata, mas entre 2012 e 2013, o real desvalorizou 17% frente ao dólar, com consequente elevação do preço do combustível em torno de 18%. Paralelamente, apenas em 2012, antes das privatizações, as tarifas aeroportuárias tiveram em média um reajuste de 30%.

US$ 6 por passageiro

Em 2013, pela primeira vez na história, 3 bilhões de passageiros viajaram de avião no mundo, com projeção de lucro para as companhias aéreas de US$ 12,9 bilhões, segundo a Iata. Em 2014, ano do centenário da aviação comercial, a estimativa de lucro é de US$ 19,7 bilhões com cerca de 3,3 bilhões de passageiros. “Os ganhos melhoraram, mas podem ser insuficientes para atrair investimento, já que, se fizermos a conta, o lucro é de pouco menos de 6 dólares por passageiros, uma margem menor do que o preço de um sanduíche”, ponderou o economista-chefe da Iata, Brian Pearce. No Brasil, a Iata vê um cenário de estagnação. “Há corte de oferta diante da demanda estável e taxa média de ocupação de 75%, abaixo da média mundial”, diz Pearce. Na América Latina, a previsão da entidade é que os lucros das empresas subam para US$ 700 milhões em 2013, aumentando para US$ 1,5 bilhão em 2014, mesmo com a estagnação do mercado brasileiro, que responde por mais de 50% do movimento na região.

Novas tecnologias

Em meio a política e estatísticas, a conferência de mídia da Iata em Genebra antecipou tendências tecnológicas. Uma delas é o NDC (New Distribution Capability), um software que está sendo desenvolvido pela entidade para aprimorar a venda de bilhetes. Trata-se de um padrão de troca de dados com base na plataforma da internet para uso em canais de distribuição indireta, como o Global Distribution Services (GDS), que inclui Travelports, Amadeus e Sabre, e agências de turismo – além de possibilitar aplicações via Google, Amazon ou outros “agregadores” virtuais.

American Airlines, Air New Zealand, China Southern e Swiss Internacional estão testando o software em parceria com empresas de tecnologia, realizando transações-piloto. O NDC deve estar finalizado e aprovado em 2015. Suas principais vantagens, segundo Eric Leopold, diretor para FDS Transformation da Iata, sobretudo para as agências de turismo, serão a transparência, a riqueza das descrições e a busca da melhor combinação de preço considerando tarifas e serviços auxiliares, incluindo detalhes sobre assento, bagagens, alimentação, entretenimento, sala VIP, wi-fi a bordo e assim por diante. “A pesquisa será mais rápida e eficiente”, diz o executivo. “Os agentes de viagem terão uma experiência de compra mais efetiva, podendo comparar pacotes numa mesma plataforma, mesmo no caso de ofertas complexas, o que significa mais valor agregado ao seu negócio”. Um dos diferencias do NDC é que o sistema poderá reconhecer o cliente, caso ele autorize sua identificação, e oferecer pacotes personalizados.

“no brasil, Há corte de oferta diante da demanda estável e taxa média de ocupação de 75%, abaixo da média mundial”

Na outra ponta, a Iata assinou com o ACI (Airports Council International) um memorando de entendimento para o desenvolvimento conjunto do que chamavam Smart Security, rebatizado Checkpoint of the Future, que promete melhorias na jornada do passageiro dentro do aeroporto, reduzindo inconvenientes, aumentando a segurança e ampliando os benefícios. Até 2020, a entidade acredita que os passageiros terão uma redução drástica de interrupções em suas jornadas, não precisarão retirar itens da mala sempre que passarem nas máquinas de raios X e terão um nível de segurança maior. “O tempo entre a chegada ao aeroporto e o embarque irá cair com a automação, os passageiros não precisarão tirar laptops, tablets e líquidos da mala, poderão ficar com cintos e sapatos ao serem inspecionados pelos novos equipamentos e contarão com sistema melhores para identificar o que realmente terão de mostrar”, acredita Paul Behan, responsável pelo departamento Passenger Experience da Iata. Aeroportos como o de Schiphol, em Amsterdã, e o de Heathrow, em Londres, participam dos testes das novas tecnologias. Uma das novidades que a Iata estuda implantar é a etiqueta de bagagem permanente, que poderá ser atualizada pelo smartphone de passageiros frequentes a cada viagem e reconhecida pelo sistema automático de esteiras dos aeroportos.

Por Giuliano Agmont, de Genebra
Publicado em 29/01/2014, às 00h00 - Atualizado em 30/01/2014, às 00h18


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