Dos botões analógicos aos interfaces digitais conheça como a tecnologia revolucionou os cockpits dos aviões
O ano 2000, por décadas, foi imaginado como uma era de revoluções, talvez tão intensas quanto as vistas em meados do século 18. Na aviação, em 1999, ou seja, há 25 anos, a AERO Magazine ainda explicava aos leitores o conceito de "glass cockpit", uma alusão aos monitores fluorescentes através dos quais se viam imagens geradas por tubos de raios catódicos, eventualmente de cristal líquido (LCD), com sistemas computadorizados, controle digital de motor (Fadec) e assim por diante.
O maior avanço ocorreu na aviação geral, que passou por uma ampla evolução, com aeronaves de todas as categorias, desde experimentais montados literalmente em casa até grandes jatos executivos, que receberam suítes de aviônicos complexas, superando com ampla margem a tecnologia embarcada em aviões comerciais e até mesmo jatos militares.
A evolução dos computadores, em especial do processamento de imagens, permitiu a transição das telas de tubo de raios catódicos e sistemas pouco integrados para soluções complexas, com uma ampla gama de recursos exibidos em grandes telas de cristal líquido, o famoso LCD.
Todavia, desde o surgimento da indústria aeronáutica, em meados dos anos 1910, a aviação buscou formas de tornar a pilotagem mais fácil, precisa e segura. Os pioneiros voos em aeroplanos rudimentares eram basicamente um exercício de coragem e aventura, mas logo a possibilidade de tornar viável o uso profissional do avião levou a indústria a criar tecnologias que, ao longo das décadas, tornaram os cockpits e a gestão de sistemas das aeronaves extremamente sofisticados, usando sempre a última revolução tecnológica a bordo.
Nas últimas décadas, a aviação viu um salto, desde os então modernos sistemas giroscópicos a vácuo até sistemas recentes que integram uma série de automações, com exibição de imagens ultrarrealistas em displays de alta resolução.
Conheça alguns dos principais sistemas embarcados* que aumentaram a consciência situacional, reduziram a carga de trabalho e ainda tornaram mais precisas as navegações e operações de decolagem e pouso.
Nota: Para maior compreensão por todos os leitores, o título traz a tradução do dispositivo e/ou tecnologia, com sua sigla em inglês entre parênteses. As descrições são simplificadas, na forma de pequenos verbetes, servindo como um guia enciclopédico para as tecnologias aqui abordadas.
Estabilizador giroscópio Criado em 1912 pela Sperry Corporation, o estabilizador giroscópio foi o primeiro sistema de controle de voo, precursor do piloto automático moderno. Ele visava melhorar a estabilidade e o controle direcional dos aviões primitivos, utilizando um giroscópio acoplado ao indicador de rumo, profundores e leme. Essa tecnologia permitia manter rumo e altitude. O primeiro uso foi em 1914, a bordo de um Curtiss C-2.
Piloto automático (AP) O controle de voo giroscópico deu origem ao piloto automático na década de 1930. O Royal Aircraft Establishment criou um sistema que combinava giro pneumático, componentes eletromecânicos e hidráulicos. Integrado à radionavegação na Segunda Guerra, permitia voar longas distâncias sob qualquer condição. Em 1947, um C-53 Skytrooper realizou o primeiro voo totalmente automático. Bill Lear depois desenvolveu o controle de aproximação automatizado.
Acelerador automático (autothrottle) O autothrottle, ou acelerador automático, se tornou popular na aviação, de monomotores a jatos comerciais. Embora caro e complexo, o avanço da eletrônica permitiu seu uso em aviões leves. Surgiu na Segunda Guerra, quando engenheiros da Messerschmitt desenvolveram um sistema para ajustar a potência dos motores do Me-262. Apesar de rudimentar, o conceito evoluiu no pós-guerra, com empresas como Sperry e Collins criando versões mais avançadas e eficientes.
Sistema de gerenciamento de voo (FMS) O FMS (Flight Management System) automatiza várias tarefas no cockpit, eliminando a necessidade de engenheiros de voo e navegadores. O primeiro FMS integrado surgiu no Boeing 767, nos anos 1970, estabelecendo o padrão de dois tripulantes. Ele combina navegação inercial (INS), GPS e radionavegação. A interface do sistema é operada via CDU (Control Display Unit), que pode ser um teclado ou touchscreen, enviando dados para um display multifuncional (MFD).
Computadores de gerenciamento de voo (MCDU/FMC) Os computadores MCDU (Multifunction Control Display Unit) e FMC (Flight Management Computer) permitem aos pilotos interagir com o FMS. Eles possuem teclados físicos e telas de cristal líquido, embora algumas versões tenham touchscreen. Esses dispositivos otimizam a inserção e controle de parâmetros de voo. Criado nos anos 1960, o conceito se tornou padrão com o Boeing 767, sendo amplamente adotado tanto na aviação civil quanto militar.
Sistema de endereçamento e relatórios de comunicações de aeronaves (ACARS) O ACARS é um sistema de link de dados que permite a transmissão de mensagens curtas entre aeronaves e estações terrestres, ou entre aeronaves. Criado pela ARINC e utilizado pela primeira vez em 1978, o ACARS rapidamente se popularizou na aviação comercial e executiva. Utiliza estações de rádio VHF e HF e comunicação via GPS para enviar mensagens no formato Telex, sendo amplamente adotado em aviões de médio e grande porte.
Navegação inercial (INS) O INS (Sistema de Navegação Inercial) calcula continuamente a posição, orientação e velocidade de uma aeronave usando acelerômetros e giroscópios, sem necessidade de referência externa. Criado nos anos 1930 para foguetes, o INS chamou a atenção de Wernher von Braun, que o utilizou nas bombas V2. Nos anos 1950, o INS foi aprimorado e provou ser útil em grandes foguetes e aeronaves civis e militares, sendo essencial para a navegação autônoma.
Sistema de posicionamento global (GPS) O GPS foi desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos EUA em 1973 para missões militares. O sistema, baseado em satélites, teve seus primeiros protótipos lançados em 1978 e tornou-se operacional em 1993. O sinal foi liberado para uso civil durante o governo Reagan, mas com restrições militares que duraram até 2000. Na aviação, o GPS tornou-se popular nos anos 2000, sendo amplamente usado para navegação precisa em voos comerciais e executivos.
Unidade de controle do motor (ECU) A ECU (Unidade de Controle do Motor) é um computador que gerencia o funcionamento de motores aeronáuticos. Surgiu nos anos 1930 como sistema mecânico-hidráulico e evoluiu para controles eletromecânicos e digitais. A ECU controla parâmetros como injeção de combustível e ignição. O Kommandogerät, criado para o motor BMW 801, é um dos primeiros exemplos notáveis de ECU, utilizado em aviões como o Focke-Wulf Fw 190 e o Junkers Ju 88.
Controle digital do motor com autoridade total (FADEC) O FADEC (Full Authority Digital Engine Control) é um sistema de controle total do motor, maximizando sua eficiência em todas as condições. É uma evolução da ECU e, embora mais comum após os anos 1990, seu conceito surgiu nos anos 1930. O FADEC monitora variáveis como temperatura do ar e pressão, ajustando o motor automaticamente. Foi testado experimentalmente em caças F-111 e usado em aviões como o Concorde e caças modernos, sendo hoje comum na aviação.
Sistema de alerta de proximidade do solo (GPWS) O GPWS alerta pilotos sobre a proximidade com o solo para evitar acidentes de voo controlado contra o terreno (CFIT). Desenvolvido nos anos 1960 por C. Donald Bateman, utiliza sensores e avisos de voz para alertar os pilotos de colisões iminentes. Em 1974, foi exigido nos EUA para aviões a jato, e a ICAO recomendou seu uso global. O EGPWS, uma versão aprimorada, foi lançado em 1996 e se tornou obrigatório para grandes aviões nos EUA a partir de 2002.
Head-up display (HUD) O HUD (Head-up Display) exibe informações essenciais de voo na altura dos olhos do piloto, permitindo que ele mantenha a cabeça erguida. Surgiu durante a Segunda Guerra Mundial para ajudar bombardeiros britânicos a lerem dados de radar. Na década de 1960, o francês Gilbert Klopfstein padronizou os símbolos do HUD, tornando-o mais intuitivo. Com os avanços tecnológicos, o HUD se tornou comum em aeronaves militares e civis, sendo precursor da realidade aumentada (AR).
Fones de ouvido Os fones de ouvido, ou headset, surgiram nos anos 1880, permitindo que operadoras de telefonia tivessem as mãos livres. Em 1910, Nathaniel Baldwin criou um modelo aprimorado para a Marinha dos EUA. Na aviação, o headset se tornou padrão nos anos 1920, com o uso de rádio a bordo das aeronaves e o surgimento das primeiras torres de controle. Ele permite que pilotos e controladores de voo se comuniquem eficientemente, combinando microfone e fone em um só dispositivo.
Fly-By-Wire (FBW) O Fly-By-Wire (FBW) substitui os cabos e polias mecânicos por comandos eletrônicos que transmitem sinais para as superfícies de controle da aeronave. Surgido nos anos 1930, foi testado pela primeira vez no Tupolev ANT-20. O sistema se popularizou com o F-16 e o Concorde, que usaram o FBW digital. Na aviação comercial, o Airbus A320 foi o pioneiro, sendo amplamente adotado desde então, com grandes vantagens em termos de controle e eficiência operacional.
Cockpit digital Nos anos 1990, o termo glass cockpit foi popularizado com a introdução de telas digitais no lugar de mostradores analógicos. O conceito surgiu nos anos 1960, com o F-111D Mark II e foi utilizado em programas da NASA, como o Ônibus Espacial. Com o tempo, cockpits passaram a usar displays de cristal líquido, que integravam dados de voo, sistemas da aeronave e mapas. Os Boeing 767 e 757 foram os primeiros a incorporar dentro deste conceito os instrumentos digitais ao lado dos tradicionais analógicos.
Visão sintética (SVS) O Sistema de Visão Sintética (SVS) é uma tecnologia de realidade aumentada que projeta no display primário de voo uma representação 3D realista do terreno, incluindo detalhes geográficos, obstáculos, dados meteorológicos e tráfego aéreo. O SVS melhora a consciência situacional dos pilotos, utilizando um banco de dados global, exceto em áreas remotas, com georreferenciamento via GPS. Surgiu nos anos 1970 e foi adotado comercialmente em 2007 pela Gulfstream.
Sistema de Visão de Voo Aprimorado (EFVS/EVS) O sistema de visão de voo aprimorado, ou Enhanced Flight Vision System, fornece no Display Primário de Voo uma imagem gerada por câmeras do terreno sobrevoado ampliando ainda mais a percepção do cenário externo. Alguns sistemas EFVS ainda usam os recursos do HUD, sobrepondo uma imagem translucida das câmeras infravermelhas com os dados de voo. A tecnologia surgiu no final dos anos 1970, mas foi apenas em 1999 que a FAA, a autoridade de aviação dos Estados Unidos, certificou o primeiro sistema EFVS.