Países adotam a compra do F-35 e Rafale como uma apólice de seguro EUA e França em caso de instabilidades internacionais
Da mesma forma que o F-35, o Rafale, em diversos acordos, foi uma apólice para garantir tanto que o país estará virtualmente imune a um embargo como terá o comprometimento de apoio de uma potência militar em caso de conflito.
A francesa Dassault Aviation sofreu por vários anos por não conseguir confirmar nenhuma venda internacional do seu caça Rafale, mas, recentemente, obteve importantes vitórias ao redor do mundo.
Algumas superaram até mesmo o âmbito comercial do acordo, dando à França uma renovada projeção de força e política. Os franceses assinaram contratos do Rafale com Egito, Qatar, Índia e Emirados Árabes, além de vendas de modelos usados para a Grécia e a Croácia.
A primeira venda internacional do Rafale envolveu o Egito, em 2015, apenas quatro anos após os efeitos da Primavera Árabe. O país adquiriu 24 caças Rafale, avaliados, na época, em 5,9 bilhões de euros e dentro de uma política de modernização de seus meios militares. O Egito saia de uma grave crise interna, após depor dois presidentes em sequência, um deles eleito e derrubado em um golpe de Estado promovido por um general, que, aliás, ainda governa o país.
Há várias décadas, o Egito passou a utilizar equipamentos militares de vários fornecedores, contando com modelos F-16, MiG-29, Mirage 5, Mirage 2000 e Su-35. A estratégia sempre foi manter independência em caso de eventuais embargos, o que funcionou ao longo dos anos.
Já o Qatar é um caso peculiar. O governo do país é visto com desconfiança por boa parte do Ocidente. Recentemente, o emir Tamim bin Hamad esteve na lista de banidos dos Estados Unidos, da Europa e de alguns países vizinhos. Ainda que jamais tenha chegado a figurar em uma lista negra, o país sofreu algumas pressões internacionais.
O governo era acusado de patrocinar terrorismo e de apoiar o Irã. Porém, como no campo diplomático nem tudo é o que parece, e o inimigo do meu inimigo é meu amigo, o Qatar retomou seus laços com as nações ocidentais e voltou a conversar com vizinhos.
Doha aproveitou a benevolência de ocasião do Ocidente para garantir ao menos sua defesa. De forma inédita no mundo, o Qatar escolheu não um caça, mas três modelos diferentes. O país tem um pedido para o F-15QA, o Eurofighter Typhoon e o Rafale. A intenção foi garantir que um eventual bloqueio não afete simultaneamente todos seus caças.
Em geral, uma ação coordenada pelos Estados Unidos, por exemplo, tende a ser seguida pelo Reino Unido, um dos sócios do Eurofighter, mas não necessariamente é aceito pela França. Da mesma forma, nem todo boicote ou tensão com França ou Inglaterra desencadeia uma reação nos Estados Unidos.
Assim, a força aérea do Emirado do Qatar garantiu que pressões ou conveniências políticas pontuais não vão afetar sua capacidade. A única chance de Doha sofrer um embargo que coloque os três aviões no chão é apoiar deliberadamente grupos terroristas que tenham como alvos a Europa, o Canadá ou os Estados Unidos, ou ainda deflagrar algum conflito com Israel, Emirados Árabes ou Arábia Saudita. A opção militar contra vizinhos é praticamente remota, visto a pouca capacidade do país em sustentar uma guerra de larga escala.
Os Emirados Árabes tentam adquirir o F-35, mas questões legais que envolvem termos bastante rígidos quanto a contraespionagem foram descritos pelo governo árabe como exagerados e que expressavam pouca confiança entre as partes. Além disso, Israel se opõe à venda, mesmo após ter reestabelecido suas relações formais com os Emirados Árabes.
Assim, em dezembro de 2021, Abu Dhabi confirmou a compra de oitenta Rafale F4, tornando os Emirados Árabes o segundo maior operador do modelo no mundo, atrás apenas da França.
A compra do caça permite não apenas modernizar sua força aérea, mas coloca pressão sobre um novo acordo com o F-35, além de garantir que qualquer objeção internacional será ignorada por Paris. Dias após a assinatura do contrato, o Human Rights Watch (entidade ligada aos direitos humanos) criticou a venda, afirmando que Abu Dhabi viola uma série de direitos humanos nos conflitos no Iêmen e na Líbia. A França nem sequer comentou formalmente a denúncia.
O acordo indiano é visto como uma via de mão dupla. Permitiu à França continuar fornecendo caças e outros equipamentos de defesa, ao mesmo tempo que fornece capacidade tecnológica e bélica à Índia.
O governo indiano, assim como o Egito, há vários anos mantém negociações militares com diversos países, sem medo de se sentar à mesa com Estados Unidos, Rússia, França ou qualquer um que possa atender a suas ambições.
A Índia é o único país dos BRICS que pode fazer frente à China no médio prazo, inclusive como potência mundial. Assim, o governo quer garantir independência tecnológica no médio prazo, acesso a novas capacidade e garantia que terá apoio Ocidental em caso de problemas com o Paquistão ou a China. Não por acaso, o país selecionou o Rafale, mas garantiu também um lote de Sukhoi Su-30MKI e trabalha em seus próprios projetos.
Clique aqui para ler: Como o F-35 se tornou uma apólice de seguro [Parte I]
* Adaptado da matéria APÓLICES CONTRA AMEAÇAS
publicada na edição 335 de AERO Magazine
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 12/10/2022, às 16h15
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