Acordo com a Suécia para o C-390 demonstra sua importância para além do transporte de cargas
No dia 9 de novembro, o Ministério da Defesa da Suécia anunciou a escolha do C-390 Millennium como sua nova aeronave de transporte tático, tornando-se assim o quinto país da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a selecionar o modelo.
O acordo, celebrado como uma conquista importante da Embraer no segmento de Defesa, marca a ampliação de um amplo acordo binacional entre a Suécia e o Brasil, além de demonstrar a importância de negociações governamentais em vendas do tipo. Historicamente, a Embraer jamais teve acesso relevante nas vendas de armas para os países da OTAN, com o principal acordo envolvendo a venda de quatro E-99, o modelo de Alerta e Controle (AEW&C, na sigla em inglês), para a força aérea grega.
O ingresso da Suécia na OTAN, motivado pelas pressões geopolíticas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, apenas agilizou a escolha do substituto dos veteranos C-130H suecos. Todavia, o acordo assinado pelo Brasil no programa Gripen teve um peso adicional nas negociações de bastidores.
A Saab, fabricante do Gripen, é parceira da Embraer no desenvolvimento do caça e busca ampliar o contrato assinado com a Força Aérea Brasileira (FAB). O negócio original previu a venda de 36 unidades do Gripen NG, sendo trinta Gripen E e seis Gripen F, mas pode ser ampliado, sem grandes contratempos, em até 25%, ou seja, nove aviões. A FAB planeja adquirir ao menos um novo lote de caças, sem um número definido, mas que poderia chegar ao todo a aproximadamente sessenta unidades. Um valor inferior não justificaria os gastos bilionários com a transferência de tecnologia assinados pelo Brasil.
É nesse acordo, segundo fontes consultadas por AERO Magazine, que entra a negociação com o C-390 com os suecos. Como uma forma de justificar um novo contrato, com potencial para quase dobrar o pedido brasileiro, a diplomacia e os executivos da Embraer e Saab passaram a avaliar uma compensação industrial de alto nível, que envolve justamente a venda do C-390.
Com o comprometimento sueco com a compra do cargueiro brasileiro, torna-se mais fácil negociar uma ampliação do contrato do Gripen, seja em um aditivo de 25% ou em um novo lote com mais de trinta unidades.
Em paralelo, a FAB tem declarado, de forma oficial, que avalia a compra de um lote usado de caças para substituir os A-1M (AMX), que deverão sair de serviço até o final da década. Sem orçamento para os sonhados mais de cem Gripen, que permitiriam padronizar a aviação de caça em um único modelo, com ganhos expressivos de custos e operação, os militares brasileiros ensaiam alternativas mais realistas.
Recentemente, o comandante da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno, confirmou que a FAB avalia um lote usado de F-16 e estava disposta a conhecer o indiano Tejas. Embora o último tenha pouca ou nenhuma chance, sua oferta informal envolve justamente um potencial acordo com os indianos para o C-390.
A Índia estuda um robusto pedido para até oitenta cargueiros táticos, tendo como principais concorrentes o C-130J Super Hercules e o C-390. Os Estados Unidos, assim como a França e a Rússia, têm importantes acordos militares com os indianos, que envolvem a transferência de tecnologia e a produção local de grande parte dos aviões.
Uma eventual venda do C-390 provavelmente envolveria a transferência de parte da linha de produção, possivelmente a montagem final, para a Índia, assim como a integração de sistemas locais ao avião.
Em conversas com executivos da Saab, que pediram anonimato, ficou clara a necessidade de obter uma vantagem estratégica para garantir um contrato adicional para o Gripen, sendo o C-390 parte dessa estratégia.
O Gripen E/F, embora seja um dos mais avançados caças da atualidade, com capacidades próximas dos modelos de quinta geração, incluindo supercruise (ou seja, a possibilidade de voar supersônico sem uso de pós-combustor) e sistemas integrados de última geração, tem acumulado derrotas em concorrências internacionais.
A Suécia tem um pedido firme para sessenta unidades do Gripen E, que, somados aos 36 aviões encomendados pelo Brasil, coloca o caça em uma delicada situação industrial, com uma demanda inferior aos 100 aparelhos, o que aumenta os custos de produção e pode inviabilizar a manutenção da linha de montagem.
Em agosto, a Real Força Aérea da Tailândia escolheu o Gripen E/F como seu novo caça, com um pedido estimado entre doze e catorze unidades, que ainda assim está distante dos mais de 1.000 Lockheed Martin F-35 vendidos e dos mais de 400 Dassault Rafale encomendados. Aliás, ambos os aviões se tornaram uma espécie de seguro internacional, com peso político e militar indo além das capacidades técnicas. Além disso, a compra do Rafale pela FAB voltou a ser comentada nos corredores de Brasília, embora nenhuma oferta oficial tenha sido feita por franceses ou autoridades brasileiras.
A estratégia sueca de escolher o C-390 demonstra a necessidade de políticas de Estado para a manutenção de sua indústria de Defesa, um mercado em que as vendas são motivadas por acordos políticos, em detrimento das reais capacidades técnicas dos equipamentos militares.
A Embraer atualmente mantém duas frentes abertas, envolvendo justamente políticas de Estado: a concorrência com os indianos para a venda de oitenta C-390, que poderá envolver transferência industrial e tecnológica; e um potencial acordo multibilionário com a Arábia Saudita, que vai além da venda do C-390 e poderá representar uma aliança industrial mais ampla, envolvendo até mesmo o desenvolvimento de um novo avião comercial.
Embora o acordo com os sauditas não tenha um desenho final formalizado, em novembro de 2023, a Embraer e a Saudi Arabian Military Industries (SAMI) assinaram um memorando de entendimento para estabelecer uma cooperação entre suas respectivas áreas aeroespaciais. Além disso, em maio deste ano, a EVE, o spin-off da Embraer para o segmento de eVTOL, e a Saudia Technic assinaram um acordo para colaboração em manutenção e remontagem das aeronaves em solo saudita.
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, que desde setembro de 2022 é o primeiro-ministro do Reino, além de ter sido ministro da Defesa, tem promovido uma série de iniciativas para reformular a influência geopolítica e estratégica do país. Ainda que historicamente um aliado fiel aos Estados Unidos, em janeiro de 2024 formalizou seu ingresso ao BRICS, o grupo liderado pela China que reúne diversos países emergentes.
Mesmo não sendo um bloco econômico, os BRICS se tornaram uma alternativa geopolítica ao bloco Ocidental liderado pelos Estados Unidos e União Europeia. Ao se posicionar oficialmente como membro de um grupo capitaneado pela China, os sauditas dão o recado de uma revisão estratégica de sua posição no Oriente Médio e no mundo. Sem se afastar dos Estados Unidos e seus parceiros europeus, o príncipe planeja uma maior independência nas suas ambições para tornar a Arábia Saudita um importante player na geopolítica do século 21.
Parte dessa ambição está na criação de uma importante base industrial de defesa e aeroespaço. O país planeja até 2030 diversificar suas receitas, afastando-se da dependência do petróleo e suas oscilações de mercado e incertezas futuras.
E justamente nesse contexto, o C-390 é uma peça fundamental de uma eventual aliança com a Embraer. Com projeções de estabelecer uma nova realidade econômica para o Reino, a indústria de alta tecnologia passou a ser uma das prioridades de investimentos. Contudo, o estabelecimento de uma indústria aeronáutica é um processo gradual, caro e de longo prazo.
Assim, uma aliança com a Embraer, começando pelo C-390, poderia encurtar o caminho, com ganhos para ambos os lados. Para os sauditas, a oportunidade de ser sócio de uma empresa aeroespacial de ponta, com produtos estabelecidos ao redor do mundo, podendo participar de novos projetos. Para a Embraer, pode ser a chance de obter financiamento e aportes financeiros bilionários com condições únicas, permitindo alavancar suas vendas e justificar projetos mais caros e sofisticados.
Há algum tempo, o mercado especula que a Embraer poderá ser a terceira força no segmento de aviões comerciais de corredor único, competindo de forma direta com a Airbus e Boeing. Atualmente, os E-Jet e E-Jet E2, que são aviões regionais, atuam em nichos específicos de mercado, com potencial real limitado a pouco mais de 2.500 unidades ao longo de toda a vida útil do programa.
Contudo, um eventual avião com capacidade similar à das famílias A320neo e 737 MAX poderia abrir um mercado novo capaz de absorver clientes de ambos os modelos e superar a marca de 4.000 aeronaves nos próximos vinte anos, sem considerar eventuais modernizações futuras que podem dobrar esse número.
Os sauditas avaliam adquirir o C-390 como seu novo cargueiro tático, substituindo os mais de quarenta C-130 em serviço, e que poderia ser produzido localmente, em um acordo que pode variar de uma simples licença para produção local ou uma sociedade ampla com a Embraer. Oficialmente, a empresa não comenta nenhuma parceria ou venda militar, mas seu CEO, Francisco Gomes Neto, tem feito declarações públicas sobre o avanço das conversas com a Arábia Saudita.
Além disso, a Embraer tem mantido conversas de bastidores com o Japão, que poderá ser um importante parceiro industrial, assim como considera uma colaboração estratégica com a Coreia do Sul e a Turquia.
No caso coreano, conversas de bastidores apontam que existe potencial para o desenvolvimento conjunto de um novo avião, e que a escolha do C-390 pela força aérea sul-coreana é parte desse potencial negócio. Vale ressaltar que a Coreia do Sul foi o sétimo país do mundo a selecionar o C-390 Millennium e trabalha atualmente no desenvolvimento do KF-21 Boromae, um caça de geração 4++ desenvolvido em parceria com a Lockheed Martin, mas avalia a construção de novas aeronaves, incluindo caças de quinta ou sexta geração, e o potencial para modelos comerciais.
No caso do KF-21, o acordo com os norte-americanos previu que haveria um intercâmbio no desenvolvimento da estrutura do caça, que lembra justamente as formas básicas do F-35, mas a eletrônica embarcada seria de responsabilidade dos sul-coreanos. Parte por conta das restrições da venda de tecnologia de sistemas sensíveis dos Estados Unidos, e outra por ser justamente uma área onde a Coreia do Sul tem amplo domínio.
Assim, o acordo com o C-390 poderá abrir uma frente adicional de parceria para a Embraer, como no fornecimento de sistemas eletrônicos avançados para projetos futuros, incluindo eventuais motores elétricos ou híbridos, assim como baterias de elevada capacidade energética, segmentos em que a indústria sul-coreana tem feito progressos constantes.
A escolha do C-390 pelos suecos foi mais um acordo internacional que busca atender às necessidades de defesa, mas, sobretudo, auxiliar os interesses industriais e políticos de ambos os países, assim como a maioria das vendas recentes do modelo ao redor do mundo. O C-390 se mostra como a primeira arma brasileira para colocar sua indústria aeroespacial em um novo patamar, onde forças políticas e industriais têm mais poder que forças aéreas.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 03/12/2024, às 12h00
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