Donald Trump aceitou um Boeing 747 de luxo oferecido pelo Qatar, mas decisão gera controvérsia por possíveis violações legais, riscos de segurança e conflito de interesse
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aceitou o presente de um Boeing 747-8 VVIP oferecido pelo Emir do Qatar após sua recente visita ao Oriente Médio, decisão com potencial de gerar controvérsia política e jurídica.
O avião de luxo, avaliado entre US$ 250 milhões e US$ 400 milhões, deverá ser usado como Air Force One provisório em meio aos atrasos na entrega dos novos jatos presidenciais fabricados pela Boeing. A aceitação do presente levanta questionamentos sobre segurança nacional, legalidade e possíveis conflitos de interesse envolvendo a relação de Trump com o governo do Qatar.
O Emir do Qatar, Sheik Tamim bin Hamad, ofereceu seu Boeing 747-8 VVIP como presente à Casa Branca. A proposta é transformar o luxuoso avião real em um dos Air Force One, servindo à presidência norte-americana.
Avaliado na época da compra em mais de US$ 250 milhões, desconsiderando a instalação do interior VVIP, o 747-8 foi adquirido como transporte oficial do Emir, mas tem sido pouco utilizado.
Recentemente, o Qatar presenteou a Turquia com um modelo idêntico, atualmente usado pelo presidente Recep Tayyip Erdoğan. Os dois “747 Reais” foram adquiridos há mais de quinze anos, em paralelo às negociações da Casa Branca para um novo Air Force One, também baseado no 747-8I.
O processo norte-americano, contudo, envolveu-se em uma série de entraves. O acordo formal foi assinado por Trump em julho de 2018, durante seu primeiro mandato, com entrega prevista para 2022. As duas aeronaves escolhidas eram white tails — construídas para a russa Transaero, que faliu antes da entrega — e estavam armazenadas no deserto, sem jamais terem sido utilizadas. A expectativa era de que, por serem células finalizadas, a conversão para os padrões de segurança e conforto da Casa Branca fosse relativamente rápida.
A pandemia, somada a exigências adicionais e problemas internos da Boeing, atrasou as entregas. A previsão mais realista indica a entrega do primeiro avião em 2027 e do segundo em 2029.
O cronograma atual, porém, não é definitivo. “Eu não necessariamente garantiria essa data, mas eles estão propondo 2027, se chegarmos a um acordo sobre as mudanças nos requisitos”, afirmou Darlene Costello, chefe interina de aquisições da Força Aérea, em audiência no Comitê de Serviços Armados da Câmara.
Diante dessas incertezas, Trump avalia aceitar o presente do Qatar. Ainda que polêmico, o presidente afirmou que usaria o avião apenas até a entrega do primeiro VC-25B — nome oficial do novo avião presidencial — e que, na sequência, o doaria para sua futura biblioteca presidencial. Ou seja, após deixar o cargo, o avião seria levado por Trump.
Além de ser símbolo do poder dos EUA, o Air Force One funciona como extensão da Casa Branca, com todos os protocolos e sistemas de segurança extrema. A conversão de um avião para transporte presidencial é complexa e mais custosa que a realizada no final dos anos 1980 com o VC-25A, derivado do 747-200. Os novos requisitos tornaram o processo mais lento.
Críticas recaem sobre a possibilidade de a Casa Branca embarcar o presidente em um avião VIP recebido como presente. Independentemente das relações do Qatar com os EUA — o país já foi acusado de colaborar com grupos extremistas — o Serviço Secreto precisará garantir que não existam dispositivos de espionagem ocultos. Tecnologias atuais podem permanecer indetectáveis sem desmontagem completa da aeronave, o que exigiria anos e alto custo. Após isso, ainda seria necessário instalar os sistemas críticos do VC-25B, como proteção contra ataques cibernéticos, eletromagnéticos e mísseis, além de comunicação segura com a Casa Branca e o Pentágono.
Há também uma questão legal. Uma lei federal proíbe que servidores públicos aceitem presentes com valor superior a US$ 480, ou seja, 520,8 mil vezes inferior ao valor estimado pelas autoridades para o 747-8 do Qatar. Isso impediria Trump de manter o avião após o mandato.
Além disso, a oferta é vista como potencial instrumento de barganha futura. Mesmo como ex-presidente, Trump manteria acesso a figuras-chave da política norte-americana. Críticos, inclusive republicanos, alertam para possível conflito de interesses, já que empresas do grupo Trump estudam investimentos bilionários no Oriente Médio, incluindo o Qatar.
A eventual chegada do avião VIP pode gerar desafios técnicos, legais, éticos e morais sem precedentes na história dos Estados Unidos.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 22/05/2025, às 15h30
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