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Voo Simples

Brasil torna aviação mais acessível e simples, inclusive na Amazônia Legal

Anac fomenta o mercado brasileiro de aeronaves leves, simplificando e barateando processos


Anac quer incentivar a indústria nacional a desenvolver e certificar aeronaves voltadas ao desporto | Foto: Divulgação

Lançado com pompa em 2020, o programa Voo Simples estabeleceu um conjunto de medidas voltado para a desburacratização e o desenvolvimento da aviação civil brasileira. O projeto abrange praticamente todas as áreas do transporte aéreo, da indústria aos operadores, passando por infraestrutura aeroportuária e regulamentação aeronáutica.

Desde o princípio, havia muita expectativa em relação à reformulação de algumas regras voltadas para o mercado de aeronaves leves e desportivas, criando diferenciações na comparação com outras categorias dentro da própria aviação geral. Até então, as normas eram praticamente as mesmas para uma gama muito variada de aeronaves, de um monomotor a pistão a jatos intercontinentais de ultralongo alcance.

Categoria de Registro

Uma das primeiras ações do projeto, a iniciativa 03.04, prevê a redução do número de categorias de registro de aeronaves. “Redução ou exclusão do número de categorias de registro de aeronaves, alinhando-se às melhores práticas internacionais sobre a matéria, de forma que a simplificação facilite a Superintendência de Aeronavegabilidade (SAR) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a possuir um controle estatístico de frota por tipo de operação sem grandes ônus”, destaca o programa Voo Simples. Na avaliação dos idealizadores do projeto, um dos entraves da aviação brasileira era o excesso de categorias, muitas vezes conflitantes, o que, além de oneroso, inviabilizava diversos operadores ingressarem em determinada categoria.

Digitalização

Na mesma linha, as iniciativas 03.03 e 03.05 preveem a máxima digitalização de processos. A primeira diz respeito ao RAB Digital, com uma série de validações geradas no Sistema Eletrônico de Informação (SEI), facilitando a acesso a documentos e procedimentos para cada tipo de petição. O segundo item planeja o uso de documentos digitais, simplificando o registro de aeronaves. Embora se refiram a todas as categorias de aeronaves, essas duas iniciativas têm especial destaque para a aviação leve, visto que o operador, em geral o próprio piloto, não dispõe de grandes equipes para cuidar de processos ligados à operação aérea. Em alguns casos, evolvendo aeronaves clássicas ou experimentais, por exemplo, o próprio piloto-proprietário é quem cuida de diversos assuntos junto a autoridades. “No país de Santos Dumont, no país da aviação, nós voamos pouco. Porque nós perdemos o gosto por voar. Voar se tornou burocrático, voar se tornou um sofrimento”, comentou o ministro Tarcísio Freitas, na ocasião do lançamento do programa Voo Simples.

Vistoria e Manutenção

Justamente para evitar tal “sofrimento” é que a Anac criou também um projeto para processos de vistoria, com a ampliação da certificação de Profissional Credenciado em Aeronavegabilidade (PCA) para a realização de vistorias de aeronaves. A maior parte da frota de aviões leves está distante de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, estados que concentram a maior parte das oficinas credenciadas e profissionais capacitados. Para diversos operadores no interior brasileiro, em especial em regiões distantes, como a Amazônica ou cidades isoladas do Centro-Oeste, muitas vezes, o simples processo de vistoria é um pesadelo. Ironicamente, são áreas do território brasileiro onde a aviação é fundamental para a ligação e o desenvolvimento nacional. Outra medida muito bem-vinda para a aviação leve é a simplificação de requisitos de manutenção de aeronaves, como a ampliação das autorizações das organizações de manutenção, com a adequação das autorizações concedidas e possíveis simplificações.

Indústria

Para a indústria nacional, em especial fabricantes de aeronaves de pequeno porte, incluindo experimentais, a Anac trabalha na revisão do programa de fomento à certificação de aeronaves de pequeno porte (IBR 2020). O objetivo é incentivar empresas a certificar aviões voltados para o desporto, com atenção especial para a aviação geral de entrada. Um dos gargalos da regulamentação atual era exigir de empresas menores os mesmos processos de certificação de aviões comerciais e jatos de negócios. Ainda que a Anac não tenha planos de alterar o rigor de certificação, haverá mudanças no processo, tornando-o mais enxuto para pequenos fabricantes. Um dos motivos é a diferença entre o número de processos existentes no projeto de construção de um avião comercial (que envolve milhares de pessoas, centenas de milhares de componentes e inúmeros fornecedores, e todos devem ser qualificados) e um pequeno avião monomotor desenvolvido e montado por alguns técnicos e um punhado de fornecedores.

Com a simplificação, o que se espera é que a indústria nacional elabore projetos que tenham maiores condições de serem submetidos ao processo de certificação de tipo. Muitas aeronaves poderiam passar na campanha de ensaios e receber o certificado de tipo, porém, os custos envolvidos e as exigências (a maioria apenas de documentação) ficam acima das capacidades do fabricante. A intenção é usar um modelo similar ao norte-americano, dando maior responsabilidade ao fabricante, em vez de a agência reguladora ser o ente que cobra absolutamente tudo.

O modelo proposto é conhecido como “autorregulação regulada”. Nele o fabricante envia para a Anac uma declaração assegurando que foram cumpridas normas consensuais da indústria e a agência apenas verifica se o processo feito pelo fabricante foi executado adequadamente. Ao passar para a empresa a responsabilidade quase total, a Anac reduz custos, tempo e mantém o elevado padrão de certificação. Afinal, nenhum fabricante vai assinar um laudo afirmando ter cumprido todos os requisitos sabendo que, diante de uma falha, a responsabilidade total será dele. “Portanto, é teoricamente possível que sejam criadas aeronaves com alto nível de segurança, sem que haja qualquer envolvimento do Estado”, afirma a Anac.

Áreas Povoadas

Ainda pensando na aviação leve, a Anac trabalha na regulamentação para flexibilizar o sobrevoo de aeronaves experimentas em áreas densamente povoadas. Basicamente, haverá uma interpretação normativa sobre o que é “densamente povoado”. Atualmente, um vilarejo com um pequeno número de casas pode ser considerado densamente povoado, o que inviabiliza quase todas as operações de aeronaves experimentais. A regra não vai liberar um LSA para voar sobre cidades como São Paulo, mas pode permitir sua operação na maioria dos aeródromos brasileiros.

Amazônia Legal

Outro ponto importante para a aviação leve é a simplificação de requisitos para aeródromos na Amazônia Legal. Haverá a unificação dos processos de autorização prévia de construção, simplificando os requisitos e procedimentos em áreas de difícil acesso e carente de conectividade do modal aéreo. Na Amazônia Legal, a aviação leve se mostra essencial, conectando regiões isoladas do território nacional. Além disso, ao melhorar a eficiência na regulamentação, o modelo permitirá a ampliação do uso de aeronaves de pequeno porte, incluindo os LSA, em todo o Brasil, ampliando a possibilidade de sucesso de novos fabricantes nacionais. Segundo a Anac, as aeronaves leves podem cumprir uma ampla gama de missões além do desporto, incluindo treinamento, transporte particular, entre outros. “O espectro de possibilidades de aplicação dessas aeronaves é bastante amplo e se aproxima da utilização de pequenas aeronaves certificadas”, diz a Anac.

* Texto publicado originalmente na AERO Magazine, edição 329

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Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 28/01/2022, às 14h00 - Atualizado às 15h26


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