O futuro das aeronaves civis sem pilotos parece um caminho sem volta, mas stamos prontos para trocar o piloto por inteligência artificial?
Em novembro de 2023, o Cessna Caravan da empresa Reliable Robotics, com sede na Califórnia, nos Estados Unidos, completou um voo de aproximadamente 80 quilômetros sem ninguém a bordo. Desde 2019, a empresa vem desenvolvendo soluções na modalidade de voo semiautônomo, em que a aeronave é controlada remotamente.
Neste momento, a Reliable Robotics já está trabalhando com a FAA, a Administração Federal de Aviação norte-americana, no processo de certificação de sua tecnologia, para aplicações comerciais no transporte de cargas, esperando concluir as tarefas dentro de dois anos.
Na configuração escolhida pela Reliable Robotics, o piloto não fica a bordo da aeronave, mas existe um operador remoto. Em termos gerais, ele envia comandos para o avião por meio de uma interface que lembra a maneira como os controladores de tráfego aéreo interagem com os pilotos de aeronaves convencionais.
A estação de trabalho não tem joystick, e não existe a capacidade de pilotar o avião manualmente utilizando canal de vídeo, algo similar a um videogame, que forneça informação em tempo real.
O operador remoto controla a aeronave por intermédio de um conjunto de instruções pré-definidas, utilizadas para alterar o posicionamento do avião, mudar a rota, subir, descer e pousar. No que diz respeito a comunicações com outras aeronaves, ou com os controladores de tráfego aéreo, o operador remoto responderá às chamadas de rádio seguindo as mesmas regras atualmente utilizadas pelos pilotos embarcados. Em comparação rápida com o piloto automático tradicional, o sistema da Reliable Robotics é capaz de realizar todas as fases do voo, desde a saída do pátio de estacionamento, taxiar em direção à pista de decolagem, bem como efetuar a decolagem e o pouso.
Com o passar dos anos, está ficando claro que a eletrônica sofisticada está embarcando com forca total na aviação geral. Aeronaves pioneiras, como os Bonanza e Cessna 170, foram equipados com sistemas rudimentares de comunicação e navegação, quando comparados aos padrões atuais.
As versões mais recentes dessas mesmas aeronaves ainda usam essencialmente os mesmos sistemas mecânicos de 70 anos atrás para taxiamento, e para movimentar as superfícies de controle de voo primário (aileron, leme e profundor), complementado por hidráulica simples para funções de acionamento dos freios, ou atuadores eletromecânicos para movimentação do trem de pouso retrátil e das superfícies de controle secundário (flaps e compensadores).
Em algum momento no futuro próximo, a indústria da aviação geral vai testemunhar a transição dos atuais sistemas mecânico/hidráulico/elétrico, acionados e movimentados pelo piloto, para sistemas de acionamento eletromecânico controlados por software, transformando o avião no que seria essencialmente um supercomputador com asas, cuja missão será reduzir a carga de trabalho do piloto, aumentar a segurança de voo e otimizar os custos operacionais.
Como se sabe, aeronaves pequenas voam em altitudes relativamente baixas e condições climáticas adversas, o que representa um grande desafio para os pilotos. Então, se a operação é mais perigosa, a automação pode ajudar muito a melhorar a segurança de voo. Um sistema de controle computadorizado evitaria tipos comuns de acidentes ligados a falhas humanas, como colisões com o solo em voo controlado (CFIT, na sigla em inglês) ou perda de controle em voo, que respondem pela maioria dos acidentes fatais na aviação geral.
Itens identificados para estudos em algumas instituições de pesquisa e desenvolvimento mostram sistemas em que os pilotos enviam instruções aos computadores de bordo, que são complementadas por dados coletados por sensores localizados em pontos críticos da aeronave.
Esse conjunto de informações é interpretado pelos respectivos computadores de comando de voo levando em conta a segurança e a confiabilidade, e só então a ação é executada. Essas tecnologias foram inicialmente estudadas dentro do setor automotivo, para viabilizar o automóvel autônomo. Portanto, aproveitar fortemente pesquisas já em andamento no setor automotivo criaria grandes benefícios para o mundo aeronáutico.
Empresas como Google, Tesla, Ford e Toyota reuniram milhares de engenheiros talentosos e gastaram quantias inimagináveis de dólares desenvolvendo automóveis autônomos. Pelo menos parte dessa tecnologia pode migrar para o setor aeroespacial.
Teríamos, então, a geração de aeronaves “by-wire” com a substituição de sistemas mecânicos de guiagem da aeronave no solo sendo substituídos por “steer-by-wire”, ou comandos de voo primários e secundários que utilizam atuadores eletromecânicos otimizados com sistemas “fly-by-wire”, enquanto os freios hidráulicos dariam lugar aos freios elétricos comandados via “brake-by-wire”.
Novas funções de segurança possibilitadas com o uso de sensoreamento remoto ótico LIDAR (Light Detection and Range), câmeras de vídeo e mapas dos aeroportos gravados na memória dos computadores devem permitir manobras automáticas no solo, ou mesmo assistência ao estacionamento. A combinação de todas essas novas tecnologias poderá, eventualmente, nos levar até as aeronaves autônomas.
O nível de qualidade do voo seria incrementado significativamente em comparação com as possibilidades atuais quando a inteligência artificial (AI) for empregada, moldando os princípios de voo autônomo.
O elemento-chave na definição dos papéis do gestor do sistema e dos limites da função de inteligência artificial está relacionado às respostas a situações que mudam ao longo do tempo. A inteligência artificial atual pode alcançar alto desempenho em domínios relativamente estreitos e em condições favoráveis, mas pode encontrar dificuldades quando operada em ambientes desafiadores e complexos, como a interação do voo de múltiplas aeronaves em espaço tridimensional.
Por causa disso, os desenvolvedores de aviões autônomos provavelmente começarão a empregá-lo em ambientes razoavelmente controlados e, em seguida, expandirão para outras áreas mais complexas.
O último elo nessa cadeia de novidades necessárias ao voo autômato baseado em inteligência artificial seria a computação remota, seguindo a tendência das aplicações comerciais de processamento usando computação em nuvem.
A conectividade permitirá que os desenvolvedores monitorem continuamente o desempenho dos sistemas aéreos, façam ajustes na trajetória de voo conforme necessário e, até mesmo, atualizem o software sob demanda, “over-the-air”, por meio da internet de alta velocidade, além do 5G. A arquitetura do sistema de controle eletrônico pode incluir um controlador centralizado, ligado por tecnologia neural, usando software aberto para desenvolvimento contínuo do algorítmico, e escalável para várias camadas de complexidade do voo autônomo.
Os sistemas baseados em AI podem aprender a navegar com base em uma combinação de sistemas de posicionamento global (GPS) apoiado por parâmetros de objetos fixos no solo, que podem ser mapeados de forma relativamente simples.
O aprendizado de máquina está evoluindo rapidamente agora que os engenheiros têm os microprocessadores necessários para criar sistemas que entendam melhor as entradas de dados de sensores como câmeras de vídeo e LIDAR.
As novas tecnologias de computação nas nuvens devem ser capazes de desenvolver estratégias para tratar situações em constante mudança, porque nenhum programador pode escrever todos os códigos necessários para identificar as múltiplas situações que as aeronaves autônomas precisam reagir.
À medida que o sistema de inteligência artificial se desenvolve em direção à autonomia, os desenvolvedores de software estão criando programas de aprendizagem que exigiriam o mínimo de influência de humanos.
René Nardi é engenheiro aeroespacial e consultor
de tecnologia ao setor aeroespacial e outros sistemas complexos
Por René Nardi*
Publicado em 17/01/2025, às 12h00
+lidas