Em busca de alternativas sustentáveis, indústria já utiliza diferentes matérias-primas, como a cana-de-açúcar, para substituir ou complementar o atual querosene de aviação
Com uma meta de reduzir em 50% as emissões de carbono na atmosfera até 2050, a indústria aeronáutica se movimenta para desenvolver combustíveis sustentáveis. Algumas alternativas já foram até certificadas por organismos internacionais e utilizadas em voos comerciais. O bioquerosene desponta como opção mais concreta. Os próximos anos vão mostrar sua viabilidade. “Além da tecnologia, há necessidade de demanda e oferta”, pondera Antonini Puppin-Macedo, diretor do Centro de Pesquisas da Boeing no Brasil.
O Brasil é um dos pioneiros ao utilizar a cana-de-açúcar para a produção do combustível de aviação – apesar da mesma matéria-prima, o produto final e o processo de produção diferem do etanol automotivo. Trata-se de um composto mais limpo do que o atual querosene de aviação, além de não exigir nenhum tipo de adaptação na aeronave, nos motores ou mesmo na rede de abastecimento. Isso porque, para ser certificado e poder abastecer as aeronaves, o combustível renovável deve ter as mesmas características do combustível fóssil, sem necessidade de adaptações nas aeronaves ou nos sistemas de solo, independentemente da matéria-prima utilizada para a sua produção. “O biocombustível deve ser misturado de forma transparente. Pressupõe-se que deve ser um combustível ecológico, mas exatamente com as mesmas características”, afirma Macedo.
Estudos mostram que biocombustíveis sustentáveis para a aviação emitem ao longo de seu ciclo de vida uma quantidade menor de carbono, de 50% a 80% inferior, do que o combustível de aviação fóssil. Mais de 1.600 voos comerciais com uso de biocombustível de aviação já foram operados em todo o mundo desde 2011, quando o uso desse tipo de combustível foi aprovado.
Durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, a Gol abasteceu aeronaves com bioquerosene em 365 voos. A companhia brasileira também foi a responsável pelo primeiro voo comercial internacional com esse tipo de combustível, na rota entre Orlando (EUA) e São Paulo, em julho do ano passado. Os aviões eram abastecidos com uma mistura de bioquerosene e querosene tradicional, com participação de 10% do combustível produzido a partir da cana-de-açúcar.
A Embraer também trabalha com diversas iniciativas voltadas à produção de um biocombustível de aviação economicamente viável, e que atenda aos rígidos requisitos da indústria. Em 2011, em parceria com a GE, fabricante de motores, concluiu testes de voo sob uma ampla variedade de condições com um E170 movido a ésteres e ácidos graxos hidroprocessados (HEFA). No ano seguinte, um E195 da companhia aérea Azul voou durante o congresso Rio+20 utilizando bioquerosene à base de cana-de-açúcar.
Durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, a Gol abasteceu aeronaves com bioquerosene
O principal desafio do biocombustível é tornar-se competitivo. Além da questão do custo, há a necessidade da maior oferta. Paulus Figueiredo, gerente comercial da Amyris no Brasil, empresa que desenvolveu o bioquerosene da cana-de-açúcar, diz que a fábrica localizada no interior de São Paulo tem capacidade máxima para produzir 20 milhões de litros anuais, o que representa apenas 0,27% do consumo do mercado de aviação nacional. “Temos um plano de expansão para aumentar em até quatro vezes a produção do bioquerosene, conforme a demanda”, diz Figueiredo. “Paralelamente, nos últimos dois anos, reduzimos nosso custo de produção em mais de dez vezes. Se for possível equiparar o preço do bioquerosene com o do querosene tradicional, sua adoção será uma opção natural das companhias aéreas”.
A resposta para essa equação pode vir do Brasil. O Centro Conjunto de Pesquisa em Biocombustíveis Sustentáveis para a Aviação, criado por Boeing e Embraer em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), prepara um estudo detalhado, chamado “Plano de Voo para Biocombustíveis de Aviação no Brasil”, identificando as lacunas que desafiam o estabelecimento dessa indústria.
“O biocombustível ainda é significativamente mais caro, mas, no início, o álcool [etanol] dos carros também tinha preço elevado e, com a demanda, tornou-se mais barato”, lembra Macedo. Para obter a queda de preços no futuro e viabilizar os combustíveis renováveis, ele acredita que serão necessárias diversas tecnologias de produção para atender às particularidades de cada região. “A cana-de-açúcar é uma excelente matéria-prima, mas não pode ser cultivada em qualquer lugar. Ter uma matriz energética sustentada em diversas tecnologias é o grande desafio da indústria aeronáutica para incrementar os usos de combustíveis renováveis nos próximos anos e conseguir atingir a meta de redução na emissão de carbono até 2050”.
Mais uma alternativa de combustível renovável é o chamado green diesel. Desenvolvido nos Estados Unidos pela UOP, da Honeywell, o combustível realizou o primeiro voo de teste em 2008 pela Air New Zeland e abasteceu em 50% um Gulfstream G450 para um voo transatlântico entre New Jersey (EUA) e Paris (França) em 2011.
Apesar do longo período de teste, o novo combustível ainda não recebeu certificação das autoridades norte-americanas para ser comercializado de forma regular. Quando aprovado, o green diesel deve surgir como uma alternativa realmente viável, pois a expectativa é que consiga preços mais competitivos. “O green diesel tem uma molécula parecida com a do querosene, mas obtida de forma diferente. O processo de refino é mais barato. É bastante promissor, mas a rota tecnológica ainda não foi aprovada. É uma novidade que vai aparecer no curto prazo”, afirma o diretor do centro de pesquisas da Boeing no Brasil.
A principal diferença do green diesel em relação ao produto feito a partir da cana-de-açúcar, por exemplo, está no processo de refino. Enquanto o bioquerosene de cana-de-açúcar se beneficia da fermentação da cana, o green diesel utiliza alguns óleos vegetais, extraídos de gêneros botânicos como camelina, algae e jatropha.
Movido a etanolIpanema inaugurou era de aviões abastecidos com álcool O Brasil sempre esteve na vanguarda do uso de biocombustíveis para a aviação. Há mais de dez anos, a Embraer lançou o primeiro avião do mundo movido a etanol: o Ipanema EMB 202A. A entrega inicial do avião a etanol aconteceu em março de 2005 – a unidade foi também o milésimo Ipanema a ser vendido. A partir de então, a Embraer começou a oferecer também kits de conversão para etanol aos proprietários de aviões movidos a gasolina de aviação (AvGas). Até 2014, foram 269 aeronaves vendidas e 205 kits de conversão, totalizando 474 aeronaves voando a etanol. Hoje, cerca de 40% da frota do Ipanema em operação já é movida a etanol, inclusive a versão que acaba de ser lançada no Agrishow 2015, o Ipanema 203, com maior envergadura, winglets e cabine mais segura e ergonômica. Menos poluente, cada Ipanema a etanol deixa de emitir por ano cerca de 20 quilos de chumbo na atmosfera, segundo a Embraer. Considerando a frota total de aviões nesses 10 anos, deixou-se de emitir 51 toneladas de chumbo. O modelo é também mais econômico: em média, o proprietário do avião a etanol gasta 25% a menos em combustível. Além disso, o combustível permite um incremento de 7% na potência, melhorando a performance da aeronave na decolagem, subida, velocidade e altitude máxima. |
Por Vinícius Casagrande
Publicado em 16/05/2015, às 00h00
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