Helicóptero desaparecido no dia 31 de dezembro realizava operação de táxi aéreo clandestino (TACA) e o risco se confirmou
A notícia está se tornando repetitiva. Depois de um acidente aéreo, muito embora a aeronave esteja com toda a documentação em dia não raro a operação está irregular – o TACA – transporte aéreo clandestino – ou táxi aéreo pirata, em português claro, insiste em colecionar vítimas na aviação brasileira.
Em uma mistura de falta de conhecimento da incapacidade de avaliar o risco, da ganância de alguns empresários e de um discurso fácil de que os regulamentos aeronáuticos não passam de mais burocracia, os acidentes de acumulam e a confiança na indústria cai, trazendo prejuízos ainda maiores para um setor já bastante atingido pela retração econômica dos últimos anos.
Uma autocrítica é importante nesse momento, a aviação é conhecida por analisar friamente cada um de seus acidentes, identificando os fatores contribuintes e agindo proativamente na sua solução, para ser efetiva tal análise exige sinceridade e transparência, por parte de todos os envolvidos no problema, empresários, passageiros e ANAC.
A indústria aeronáutica é regulamentada no mundo todo. O objetivo dos regulamentos aeronáuticos é o de estabelecer critérios mínimos a serem seguidos pelos integrantes da indústria em questões como investigação de acidentes, segurança operacional, certificação de produtos aeronáuticos e operações aéreas, formação e certificação de pessoal, além de outros aspectos da indústria abordados pela ICAO – International Civil Aviation Organization.
Em linhas gerais existem duas grandes filosofias adotadas no mundo, a americana com os padrões da FAA (Federal Aviation Administration) e a europeia com os padrões da EASA (European Aviation Safety Agency) se na certificação de produto aeronáutico as duas autoridades são bastante harmonizadas, a abordagem da operação é um pouco diferente, e o Brasil segue a filosofia americana.
A regulamentação da operação aérea, através da certificação por cada país dos operadores de aeronaves com fins comerciais, fornece a base a partir da qual as empresas aéreas se organizam e competem.
A regulamentação oferece aos passageiros padrões mínimos de segurança e de operações que devem ser adotados pelos operadores tornando possível a competição com garantia de segurança operacional mínima.
O TACA surge quando empresários ou proprietários de aeronaves deixam de seguir os regulamentos, seja por desconhecimento ou por classificarem os requisitos como "burocracia" esses profissionais contaminam toda a indústria trazendo incertezas e condições desleais de competição.
O primeiro fator contribuinte é o Desconhecimento.
Não é simples identificar se uma aeronave está realizando o transporte aéreo clandestino, e a ANAC criou um site especial para apontar se a aeronave pode ou não realizar voos fretados. No site https://sistemas.anac.gov.br/aeronaves/cons_rab.asp é necessário inserir a matrícula da aeronave para consultar detalhes da operação, certificados, entre outros.
Existem ali duas informações importantes, a categoria de registro e a situação de aeronavegabilidade. Mas nem sempre é simples assim!
Uma questão comum é a respeito das diferenças entre um táxi aéreo e uma aeronave privada. Se a aeronave está com os documentos em dia, ela não é tão segura quanto qualquer outra? A resposta é um categórico não! E isso é algo que é difícil de admitir.
Toda aeronave sai da fábrica com um conjunto de equipamentos padrão instalado. Isso dá a ela um nível básico de segurança de projeto, os regulamentos operacionais estabelecem equipamentos adicionais que variam com o tipo de operação a ser praticado. Assim se a aeronave for utilizada em um táxi aéreo, não raro, equipamentos adicionais devem ser instalados o que gera custo adicional, mas também eleva o nível de segurança.
Por fim, uma empresa de táxi aéreo cumpre com uma série de exigências adicionais de regras operacionais que outras empresas – de serviço aéreo especializado – ou proprietários privados, não precisam cumprir. Desde a exigência de manuais de operações e de segurança operacional até requisitos de treinamento adicionais para seus pilotos e mecânicos.
Ou seja, há diferença no nível de segurança e no patamar de custos de uma operação de táxi aéreo para uma operação clandestina. E os índices de acidente comprovam isso.
O segundo fator contribuinte é a demanda. Sim, existe demanda para o TACA. É curioso dizer isso, mas existem empresários, que mesmo sabendo que a aeronave não é operada por um táxi aéreo preferem fretar “sem nota” ou “mais barato” ignorando ou subavaliando o risco de um acidente.
Essa demanda, mantida através de uma rede de brokers, atravessadores que revendem as horas de voo, alimentam o mercado do transporte aéreo clandestino que se perpetua.
O terceiro fator contribuinte é a ANAC. Não são as regras o fator contribuinte, mas a ANAC. Em todo país sério os aviadores reclamam da autoridade aeronáutica. Mas em nenhum país sério um processo de certificação de um táxi aéreo demora de dezoito a vinte e quatro meses.
Já houve casos de documentos serem devolvidos por que havia erro de concordância verbal na introdução, um documento técnico, cujo interesse estava no interior, depois de noventa dias em análise foi devolvido por problemas de concordância na introdução.
A morosidade, falta de conhecimento, falta de padronização, excesso de critérios pessoais torna o processo de certificação de um táxi aéreo um martírio, uma via crucis que reforça o discurso dos que alegam que a regulamentação não ajuda em nada, o que é uma mentira.
Em outubro de 2020 a ANAC lançou o programa Voo Simples, que atualmente contempla mais de sessenta ações para simplificar e desburocratizar o setor de aviação civil brasileiro, com foco na aviação geral.
O projeto apresentou um considerável ganho no processo, mas a ANAC ainda tem que reforçar sua equipe, treinar e padronizar seu time, concentrar seus esforços no que realmente interessa, e tornar mais simples e transparente o processo de homologação de um táxi aéreo para que mais empresários possam se regularizar sem que para isso tenham que contratar vários consultores e despachantes ou tenham que ficar até vinte e quatro meses aguardando para ter sua aeronave incluída em uma especificação operativa.
Os empresários do setor se acomodaram e convivem com o transporte aéreo clandestino sem realmente enfrentar o problema. Muitos defendem o TACA e se recusam a buscar a certificação, alegando que o processo e a regulamentação é apenas uma burocracia caça níqueis do governo.
Esses empresários e a falta de ação dos demais acabam por criar o ambiente onde as ações clandestinas acontecem rotineiramente, com o conhecimento de todos, nos principais aeroportos do país, sem que nenhum questionamento seja feito pela comunidade – na verdade se tornou errado apontar o erro nesse caso.
Mas não foi o TACA a causa do acidente. Nunca é. O TACA não é fator contribuinte, os fatores contribuintes são humanos, meteorológicos ou materiais. O TACA indica a cultura, indica a disposição do empresário a seguir as regras, indica a seriedade no cumprimento da legislação e a correta avaliação do risco.
O acidente acontece por uma série de fatores, uma pane, a situação climática adversa, uma quebra de procedimento, tudo isso somado uma hora resulta em um acidente. Evitar o TACA é apenas o primeiro passo.
Por Shailon Ian*
Publicado em 11/01/2024, às 12h00
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