Caças de sexta geração deixarão de ter relevância como vetores independentes e passarão a integrar sistemas interoperáveis de ataque, vigilância e defesa
A escalada das tensões entre o Ocidente e a Rússia, sobretudo após 2014, com a consequente invasão da Ucrânia por Moscou oito anos depois, somada a um toque adicional de projeção militar chinesa nos últimos anos e aos conflitos diretos entre Israel e grupos fundamentalistas islâmicos, levou o mundo a um novo capítulo das relações internacionais.
Com a posse do presidente Donald Trump em janeiro de 2025, a dinâmica geopolítica sofreu alterações significativas. Rússia e China reforçaram sua aliança estratégica, com o compromisso, ao menos teórico, de intensificar a cooperação militar e comercial.
O frágil equilíbrio entre potências, sobretudo as nucleares, poderá levar, em breve, a uma nova corrida pela supremacia militar. Uma possível nova ordem mundial multipolar pode ampliar os investimentos no desenvolvimento de novas armas, incluindo caças de nova geração.
Há alguns anos, o tema de um novo caça de sexta geração tornou-se comum em eventos aéreos, como Farnborough, bem como nas políticas de Estado e nas parcerias entre países. Além disso, se até meados da década de 2010 apenas os Estados Unidos e seus aliados mais próximos tinham acesso a tecnologias furtivas, a China, ao realizar o primeiro voo com o Chengdu J-20 em janeiro de 2011, quebrou a hegemonia da quinta geração. Mais do que isso, tornou-se o segundo país do mundo a deter o conhecimento técnico para o desenvolvimento de um caça de quinta geração, superando inclusive os russos.
Embora a definição de gerações seja um tanto controversa, há pouco mais de 30 anos, a quinta geração de caças representava o ápice da tecnologia de combate, ainda que não mais tão distante da antecessora com o advento da chamada geração 4+ e 4++, que adicionava uma série de novas tecnologias a projetos já consolidados.
Basicamente, a chamado a quinta geração surgiu nos anos 1980 quando o Pentágono buscava recursos para desenvolver um novo avião capaz de substituir os então recém-chegados F-15 no arsenal da força aérea dos Estados Unidos (USAF, na sigla em inglês). Com menos de uma década de serviço, o F-15 era considerado o mais poderoso caça do mundo.
Com argumentos de que o F-15 era superior, com ampla margem, a qualquer um de seus rivais soviéticos, era difícil convencer os congressistas e a opinião publica da necessidade de um novo vetor de combate.
Um dos argumentos utilizados na ocasião foi o de que se buscava ampliar ainda mais essa vantagem, com um caça disruptivo, que agregasse tecnologias inéditas, como supervelocidade, ou seja, a capacidade de voar supersônico sem o uso de pós-combustores; alta furtividade; fusão de dados de forma jamais vista em um caça; e elevada manobrabilidade.
O maior destaque estava no conceito de uma integração de sistemas e dados que permitisse ao avião ampliar suas capacidades usando sistemas e dados de outras aeronaves, que seriam transferidas em tempo real ao piloto no campo de batalha, o que hoje é conhecido de forma genérica como enlace de dados.
A furtividade era, todavia, o que mais poderia impressionar quem liberaria os recursos. Afinal, não existia oficialmente nenhum avião com tais capacidades. Lembrando que, naquele momento, o F-117 era extremamente secreto, mas com a revelação de sua existência a ideia de uma força aérea “invisível” saltou aos olhos da opinião pública.
O primeiro caça de quinta geração foi o F-22, que reinou absoluto por quase uma década, tendo como maior rival seu irmão mais novo, o F-35, que, embora menos poderoso, é mais avançado.
Tudo mudou quando a China relevou que seu J-20 estava operacional em 2017, passando na frente dos russos que ainda patinavam (e patinam) no desenvolvimento do Sukhoi Su-57. Aliás, os russos só foram responder à ameaça do F-22 já nos anos 2000, com o programa PAK FA, que contou inclusive com os indianos como parceiros iniciais.
Se os europeus havia alguns anos já falavam da necessidade de um caça de sexta geração, no início apenas como uma ampliação da publicidade para justificar um novo caça, mas com apelo de ser ainda mais moderno que os americanos, com as mudanças no cenário global, o tema se tornou uma consideração real em diversos países.
É difícil saber o que definirá um avião de sexta geração, sendo hoje o mais provável o uso massivo de inteligência artificial e novos recursos e sensores.
Por ora, a Northrop Grumman foi a primeira empresa a afirmar categoricamente que o B-21 Raider é o primeiro avião de sexta geração. O curioso é que o termo era exclusivo dos caças, que evoluíram em cinco gerações, sem envolver bombardeiros.
Seja como for, recentemente, a USAF anunciou que está trabalhando em uma série de novos sensores que vão ampliar e estender a vida útil dos F-22, além de serem a base dos sistemas planejados para o chamado NGAD (Next Generation Air Dominance). O programa, embora seja ultrassecreto, prevê o desenvolvimento de uma nova plataforma de caça superior ao F-22, unindo tecnologias ainda mais recentes do que os F-35. Note que os militares destacam a palavra plataforma, não aeronave, passando para uma abordagem de sistema de sistemas em vez de uma plataforma singular.
Basicamente, o NGAD prevê a ampliação do conceito fusão de sistemas e o futuro avião será parte de um ecossistema complemento por várias aeronaves tripuladas, veículos aéreos não tripulados do tipo wingman (ala) e sistemas avançados de comando, controle e comunicação. Isso tudo completado por novas armas avançadas, sistemas de guerra eletrônica e sensores que permitam o domínio absoluto em um campo de batalha altamente disputado.
O programa também ressalta a necessidade de soluções multidomínio desenvolvidas por meio de um processo de aquisição mais ágil. Um dos maiores entraves atuais é o modelo de seleção, desenvolvimento, avaliação, compra e ciclo de vida que, além de oneroso, é bastante lento em responder às necessidades atuais.
Um exemplo, o F-22 surgiu com a promessa de substituir os então recém-chegados F-15 no inventário da USAF, mas seu desenvolvimento levou quase duas décadas, e foi encerrado com menos de 200 caças entregues. O argumento era sua capacidade tão acima da média que o desenvolvimento foi mais lento do que o esperado, assim como não haveria necessidade de uma compra expressiva de aviões, visto que um menor número teria mais capacidade que dezenas de F-15.
O problema é que o custo disparou, assim como os riscos, o que ficou ainda mais evidente nos programa B-2 e o controverso F-35, este último o mais caro projeto militar da história. Ao final do ciclo de vida do F-35, o programa JSF, que deu origem ao caça, terá consumido mais de um trilhão de dólares. Mal comparando, o PIB brasileiro de 2023 foi de aproximadamente US$ 2,2 trilhões.
O F-35 surgiu dentro do programa JSF (Joitn Strike Fighter), que reuniu diversos países, sob liderança dos Estados Unidos, para o desenvolvimento de um caça de quinta geração leve, que fosse muito mais capaz do que os F-16, mas custando praticamente o mesmo. O resultado foi que em termos de manobrabilidade o F-35 não é exatamente como o esperado, enquanto seu custo está muito longe do F-16. Apenas suas capacidades são superiores, até mesmo ao F-22, mas seus problemas e panes seguem sendo um pesadelo.
Contudo, a ideia de parceria internacional para um caça avançado segue sendo uma solução. Um caso de sucesso recente foi o Eurofighter Typhoon, um consócio liderado por Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha. Não por um acaso, em meados de 2015, os ingleses se uniram aos italianos para definir um novo caça de superioridade aéreo conjunto, batizado de Tempest.
Quatro anos depois, os suecos assinaram um memorando de entendimento, que ainda não avançou, e na sequência o programa confirmou o Japão como parceiro, além de ter cogitado uma aliança com a Índia. O projeto passou a ser conhecido como GCAP, acrônimo de Global Combat Air Programme.
Em linhas gerais, o projeto segue as mesmas diretrizes do NGAD, evoluindo ao longo da última década. Inicialmente, não era previsto uso massivo de deep learning e armas de energia dirigidas (como raios laser). Mas, já era senso comum a necessidade de integrar armamento hipersônico nativo, capacidade de voar ao lado de enxames de drones de combate, cockpit virtual e mesmo uma eventual versão não tripulada.
Em entrevista publicada pela Aviation Week, Roberto Cingolani, CEO da Leonardo, afirmou que hoje não faz mais sentido concentrar todo o esforço de desenvolvimento no avião em si, sendo muito mais significativo considerar o pacote inteiro, a aeronave, os sistemas embarcados e a tecnologia de sistemas de sistemas (SoS).
Um adendo especial ao chamado SoS, um conceito usado para descrever uma coleção de sistemas independentes, cada um dos quais pode funcionar de maneira autônoma, mas que são integrados para trabalhar juntos com o objetivo de alcançar capacidades mais amplas e complexas. A ideia difere dos tradicionais recursos que funcionam como entidades únicas e completas, enquanto os sistemas em SoS podem evoluir independentemente e interagir de maneira colaborativa para formar um sistema maior.
Os gastos para uma nova geração de caças se tornaram justificáveis no cenário estratégico atual. Os japoneses – que, por décadas, evitaram grandes gastos – autorizaram um incremento de 9,4% no orçamento militar para 2025. O país teme uma eventual crise com a China, ainda que seja um cenário hipotético, mas tem na Coreia do Norte um potencial problema no médio prazo. Mesmo que Pyongyang opere uma frota de aeronaves com pouca ou nenhuma capacidade efetiva de combate, o temor é que um eventual suporte militar chinês possa prover as capacidades necessárias ao regime norte-coreano.
Por décadas, a Guerra Fria promoveu conflitos por procuração para levar a determinado país ou região o interesse dos EUA ou da União Soviética. Com o surgimento de uma versão repaginada do conflito que de frio não teve quase nada, existe a real ameaça de que a China possa se valer dos artifícios do passado para impor seus interesses ao redor do mundo.
Por enquanto, Pequim tem apostado mais em tensionar as relações com Taiwan e medir o grau de comprometimento dos norte-americanos com seus aliados na Ásia e Pacífico. Já no palco europeu os chineses optaram pela guerra comercial, tornando viável o ressurgimento da “Rota da Seda” e colocando sem posição de defesa diversos países da comunidade europeia, principalmente os britânicos e italianos. Não é coincidência que o GCAP tenha somo sócios Reino Unido, Itália e Japão, que, juntos, reservaram aproximadamente US$ 49 bilhões para o desenvolvimento do projeto.
Os sauditas também demonstraram interesse em uma nova geração de caças, podendo inclusive embarcar no programa GCAP. O reino que passa por uma ampla modernização, inclusive de conceitos políticos, tem apostado no desenvolvimento de uma indústria de alta tecnologia, com especial interesse em Defesa. Com vizinhos instáveis e interesses diversos na região, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos têm cogitado embarcar em programas conduzidos por nações com vasta experiência, trocando importantes bilhões de dólares por acesso a novas tecnologias e aeronaves.
Já os chineses seguem trabalhando em absoluto sigilo em sua indústria aeroespacial e de defesa, com algumas vagas informações a respeito de novos caças. Porém, no momento, Pequim está focada em atingir plena capacidade operacional e tecnológica com o J-20, ao mesmo tempo que avança no programa Shenyang FC-31 (J-31/J-35).
No final de 2024, surgiram imagens de dois possíveis aviões de sexta geração desenvolvidos pela China. Embora não haja informações oficiais sobre essas aeronaves, acredita-se que façam parte de um programa ultrassecreto para testar as capacidades de uma nova geração de aviões de combate, com foco em avanços aerodinâmicos e sistemas embarcado de última geração.
Ainda que distante da capacidade militar Ocidental, os chineses têm como trunfo a imensa indústria e os avanços recentes em tecnologias de comunicação, semicondutores, materiais, entre outros. Não será surpresa se nos próximos anos forem os primeiros a apresentarem um caça de sexta geração plenamente operacional, o que no momento seria um pesadelo para o Ocidente.
Por fim, os russos seguem tentando resolver os problemas no Su-57, buscando um eventual parceiro para o Su-75 (que não passou de um conceito) e tentando vencer a Guerra da Ucrânia, ou ao menos torná-la um problema menor nos próximos meses.
Se até os anos 1990 os russos, na sua versão soviética, eram os rivais do Ocidente, hoje ficou claro que os caças de sexta geração miraram outro inimigo, os chineses que deram um grande salta tecnológico justamente onde os NGAD e GCAP tentam neutralizar a vantagem do tigre asiático.
*Publicado originalmente na AERO Magazine 365 · Outubro/2024
com o titulo "Ecossistema de combate". O texto foi atualizado e revisado.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 27/01/2025, às 16h00
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