Como a inteligência artificial promete interferir no dia a dia e na carreira dos aeronautas responsáveis pelo transporte aéreo de cargas e passageiros
A inteligência artificial (IA) impactará de forma significativa todas as atividades profissionais, inclusive o trabalho dos aeronautas, cujo resultado poderá ser tão positivo quanto negativo dependo de seu uso dentro de limites quantitativos e qualitativos éticos que resguardem a segurança aeronáutica.
Sem dúvida, o potencial da IA na aviação é enorme, podendo aumentar a capacidade de serviços e incrementar a mobilidade aérea urbana, além de aprimorar a segurança de controle de tráfego aéreo, auxiliar na programação de voos, possibilitar a manutenção preventiva de aeronaves e outros benefícios ainda não explorados.
Com efeito, os algoritmos de IA permitem analisar dados do voo, distância da rota, altitudes, trajetória, calcular com precisão o consumo combustível, determinar o tipo ideal de aeronave para determinada rota, fazer análise das condições climáticas e inúmeras informações relevantes para o desenvolvimento mais sustentável e seguro do transporte aéreo.
Desde os primórdios até hoje, a aviação sempre esteve no "bordo de ataque" da tecnologia e, devido aos constantes avanços dos produtos aeronáuticos, tanto embarcados como de auxílios de solo, houve significativa redução dos chamados tripulantes técnicos – radio-operadores, navegadores, mecânicos ou engenheiros de bordo e pilotos – e, ao contrário, aumento dos tripulantes de cabine – comissários de bordo.
Em relação aos primeiros, a tecnologia propiciou que o engenheiro de bordo auxiliasse os pilotos a concentrarem sua atenção na navegação e segurança sem se preocupar com os demais sistemas, tais como: pressurização, hidráulico, elétricos e outros.
Com o surgimento de aviões sem engenheiro de bordo, mais marcadamente a partir do Boeing 767 (aeronave de grande porte em voos de longa alcance), cujos primeiros protótipos ainda previam a sua necessidade, logo após os voos iniciais o fabricante transferiu a antiga “penteadeira” ou painel de instrumentos do “flight” para o painel superior – “overhead panel” – como ocorreu na maioria dos novos projetos aeronáuticos.
Por outro lado, com o aumento da capacidade de assentos das aeronaves, os comissários tiveram sua demanda aumentada significativamente, pois, além do tradicional serviço de bordo, como verdadeiros “agentes de segurança” precisam estar sempre atentos para eventuais circunstâncias de emergência e constantes cuidados com os passageiros.
Essas digressões servem para comprovar que a tecnologia na aviação, na realidade, sempre contribuiu ao desenvolvimento e segurança do transporte aéreo e, apesar de diminuir o número de tripulantes técnicos originários, também melhorou as condições e conforto no trabalho dos aeronautas.
Todavia, com o advento da IA e a constante busca por incorporar dispositivos de automação para, eventualmente, substituir o trabalho humano, há incertezas sobre os impactos na segurança aeronáutica, em especial, nas aeronaves de transporte aéreo de passageiros – regulares ou não.
Tanto as empresas aéreas como os fabricantes de aeronaves têm se esforçado em desenvolver aeronaves que não necessitem de pilotos e, desta forma, reduzir de forma significativa um dos principais custos operacionais.
Ademais, diversos exploradores de transportes aéreos têm defendido a dispensa de requisitos mínimos de experiência para os pilotos que operem como segundo em comando (copiloto ou primeiro oficial) nas suas aeronaves – como ao menos 1.500 horas de voo, treinamento em simuladores de jato – “jet trainer” e outros pré-requisitos.
Em alguns países, há projetos de lei que buscam permitir a exploração de aeronaves de passageiros de médio e grande portes com apenas um piloto, sob argumento de que há sistemas de automação suficientes e seguros à sua operação, mesmo em emergências.
Vale lembrar que trens e metrôs, apesar de utilizarem trilhos e serem extremamente automatizados, em muitos casos ainda mantêm um operador para assegurar eventuais panes nos sistemas de controle.
Com certeza, a utilização da IA na esfera aeronáutica poderá melhorar o desenvolvimento de novas aeronaves e facilitar a sua operação, porém, substituir o tripulante humano por um robô, por mais que possam ser previstas hipóteses “estatísticas” de mal funcionamento, dificilmente conseguirá elidir a intuição e razão prática do tripulante humano nas circunstâncias emergenciais.
Inovações e descobrimentos científicos demonstram expressivos avanços e significativas transformações nas profissões, todavia, com base na experiência da aviação “analógica” (ou de raiz, como alguns dizem) é imprescindível observar o impacto da IA no trabalho aeronáutico com certo grau de ceticismo.
Acreditar que a IA poderá “mudar tudo” em pouquíssimo tempo e extinguir postos de trabalho, tanto de tripulantes técnicos como de cabine, afigura-se desproposital. Entretanto, as inovações trazidas pela IA precisam ser compreendidas e assimiladas o mais brevemente possível para que sirva como instrumento para a melhoria das condições de trabalho e segurança aeronáutica.
Retidas estas brevíssimas colocações, os impactos da IA no trabalho dos aeronautas será positivo se os exploradores e fabricantes de aeronaves, ao mesmo tempo que buscam a sustentabilidade ambiental e a imprescindível redução de custos, perceberem que o melhor investimento é o permanente treinamento de seus tripulantes, conforme vaticínio do experiente capitão Sully Sullenberger: “Quando se trata de treinamento de pilotos, não há atalhos. Os pilotos devem estar armados com o conhecimento, a habilidade, a experiência e a capacidade de julgamento necessários para manter seus passageiros e sua tripulações seguros”.
*Eduardo Teixeira Farah é advogado e aviador
Por Eduardo Teixeira Farah*
Publicado em 17/11/2023, às 12h00
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