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Visão futurista

Uma visita ao quartel-general onde a Honeywell desenvolve as tecnologias que serão aplicadas em aeronaves de nova geração


radar meteorológico 3D
Tela de radar meteorológico 3D

O mais antigo exemplar da família Convair em operação no mundo repousa no pátio do aeroporto de Pheonix, sob o sol escaldante do verão do Arizona, no oeste dos Estados Unidos. O clima é desértico e a temperatura ultrapassa os 30º C. Trata-se do s/n 2 entregue em 1952 à United Airlines. Na época, o clássico dispunha de motores a pistão e recebia a designação CV340-3. Somente 14 anos mais tarde, em 1967, o modelo seria convertido em um CV580, com turbo-hélices, sua atual configuração. Embarcamos no N580HW por sua única porta, traseira. Na cabine de passageiros há headphones para cada um dos assentos, emaranhados de fios ao longo do charuto e módulos eletrônicos apoiados sobre plataformas de trabalho. O avião pertence à Honeywell Aerospace e é usado para testes de sistemas como o TCAS (Traffic Collision Avoidance System) e o EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System) destinados a diferentes aeronaves, do Airbus A380 ao Dassault Falcon 900LX. Decolamos curto para uma breve demonstração de soluções desenvolvidas pelo fabricante norte-americano, que faz parte de um tour por instalações da empresa no ano em que a marca completa 100 anos de existência.

A vista aérea da região faz lembrar os cenários dos famosos bangue-bangues. Não demora muito e os pilotos Markus Johnson e Joe Durval iniciam uma sequência de manobras incomuns para alguns ali acostumados a voar apenas em grandes jatos pressurizados.

Eles apontam o nariz da aeronave para uma colina e simulam uma situação de iminente colisão com o solo em voo controlado. Logo ouvimos no fone de ouvido os alertas sonoros emitidos pelos equipamentos da Honeywell sobre o risco de CFIT (Controlled Flight into Terrain). Sem nebulosidade, perdemos a chance de testemunhar o funcionamento do radar meteorológico 3D IntuVue, que rastreia zonas instáveis na rota e as reproduz na tela do cockpit em desenhos coloridos e tridimensionais, favorecendo o alerta situacional nos arredores de áreas de turbulência, “a principal causa de lesões em acidentes não fatais em voo”, segundo Markus Johnson. Na aproximação para pouso, nova simulação de erros, desta vez para demonstrar o chamado SmartLanding System. Mensagens como “flaps, flaps”, “too high, too hight”, “too fast, too fast” e “unstable, unstable” são emitidas (e também mostradas na tela MFD) conforme a pista cresce no para-brisa do Convair, advertindo a tripulação sobre a posição dos flaps, a altitude, a velocidade e a atitude da aeronave. Em solo, a equipe de testes da Honeywell explica que os sistemas testados no Convair podem servir a quaisquer aviões: “O que varia é o tamanho das antenas de acordo com a envergadura da aeronave e os sistemas de transmissão de dados”.  

trabalhos de revisão e reparo

Dispositivo de reconhecimento de voz facilita, melhora e acelera os trabalhos de revisão e reparo de motores

Perspectivas tecnológicas

A segunda parte da visita acontece em um imponente hotel de ­Phoenix. Engenheiros da Honeywell demonstram invenções que devem estar no mercado nos próximos anos. A que mais chama a atenção é um sistema de reconhecimento de voz usado para manutenção. O dispositivo encaixado em uma das orelhas deixa as mãos do mecânico livre para manusear peças, eliminando a necessidade de usar papel para anotar a revisão de cada item. Além de facilitar e acelerar o trabalho, a tecnologia permite ao profissional visualizar virtualmente em um monitor os detalhes do objeto que está inspecionando e, também, gravar tudo automaticamente em banco de dados. Nosso interlocutor parece o excêntrico bilionário Tony Stark, personagem inspirado em Howard Hughes, falando com seu computador nos recentes filmes “Homem de Ferro”.

Outro dispositivo que salta aos olhos é um protótipo ­touchscreen de FMS (Flight ­Managemente ­System). A Honeywell vem testando tecnologias de gerenciamento de voo não apenas via toque na tela, mas também de voz e gestos. São aparelhos plug-and-play (conectados por cabo ou via wireless, capazes de receber personalizações e atualizações) por meios dos quais o piloto modifica o plano de voo usando a fala, em diferentes idiomas, e troca as páginas de navegação apenas movimentando as mãos, sem tocar o aparelho. A disposição dos “botões” digitais do protótipo sobre a mesa é similar a dos FMS analógicos.

avião de testes Convair 580, visão sintética do táxi, protótipo de FMS touchscreen e módulos EGPWS
De cima para baixo, no sentido horário, avião de testes Convair 580, visão sintética do táxi, protótipo de FMS touchscreen e módulos EGPWS

Na bancada ao lado, vemos soluções de conectividade wireless. São programas desenvolvidos pela Honeywell em parceria com a Pilatus, a Jeppesen e a Aspen Avionics para carregar sem fio, em tempo real, a suíte integrada de aviônicos da aeronave com bancos de dados e planos de voo, além de permitir o donwload de informações de manutenção. “A conectividade sem fio para atualização de dados de gerenciamento de voo elevam a eficiência operacional não só dos pilotos em voo como também das equipes de solo”, diz Vamsi Gundluru, gerente da área de Cockpit Systems da Honeywell Aerospace, que também trabalha com soluções para manter a conexão durante todas as fases do voo, para pilotos, equipes de solo e passageiros.

São muitas novidades, em diferentes áreas, incluindo um sistema de alerta de colisão durante o táxi, um revestimento capaz de reduzir a ação térmica em partes do motor (o que aumenta a potência e reduz o consumo de combustível), uma tecnologia de construção de protótipos de peças com uso softwares do tipo CAD (tridimensional) para reduzir volumes e obter geometrias complexas e, ainda, aplicação de cerâmica em partes do motor para redução de peso e aumento de eficiência.

Táxi elétrico e A350

Prosseguimos o tour pela linha de montagem de motores e APU (Auxiliar Power Unit) da Honeywell, com óculos e sapatos especiais. Há mais de 50 anos, a empresa produz equipamentos que fornecem energia elétrica e pneumática para aeronaves, garantindo desde a partida do motor até a refrigeração da cabine de diferentes aeronaves civis e militares, como Boeing e Airbus. Na fábrica, é possível observar detalhes da complexa montagem com um fluxograma bastante minucioso. A empresa produz sete famílias de APU com 20 modelos disponíveis para 150 diferentes aplicações. Cerca de 36.000 unidades estão em operação hoje. “É um produto que ganhará importância com a popularização de dispositivos elétricos de táxi que estamos desenvolvendo”, prevê Nasos Karras, vice-presidente de Marketing e Produto da Honeywell.

EGTS

Esse novo sistema de táxi permite ao avião se deslocar em solo com uso de um motor elétrico, poupando, assim, os motores tradicionais. A solução será especialmente útil em longas filas de taxiamento e nas operações após o pouso, quando os motores, em tese, não se fazem mais necessários. Batizado de EGTS (Electric Green Taxiing System), o sistema criado em parceria com a francesa Safran é montado no trem de pouso principal, permitindo à aeronave se deslocar com velocidade condizente às operações de taxiamento, utilizando apenas a energia gerada pela APU, que consome menos combustível do que os motores. Segundo dados da Honeywell, os modernos motores instalados em aviões de passageiro consomem em média 2,2 galões (8,5 litros) por minuto, em condições de movimentar a aeronave no solo.

Numa matemática simples, considerando o preço do galão (3,875 litros) em US$ 2,88 (nos  EUA), um táxi de 20 minutos para decolagem e outros 7 minutos até estacionar no portão designado gera um custo extra de US$ 171 por voo. Não é difícil imaginar o impacto da redução desse custo numa frota que voa diversas vezes num dia. Atualmente, a nova tecnologia, em desenvolvimento, exige que o motor elétrico seja ligado previamente, para aquecer e calibrar os sistemas. Ainda assim, o sistema se mostra mais econômico do que a operação padrão.

O debate que se trava diz respeito ao balanço entre o peso extra do conjunto elétrico, os gastos com sua manutenção e a redução nos custos de combustível. A Honeywell afirma que os estudos mostram uma economia de US$ 272.000 por ano. “Já temos uma quantidade considerável de interessados nesse sistema”, informa Jim Fusaro, vice-presidente da Honeywell. “Além dos custos, o EGTS tende a elevar a segurança, considerando que muitos acidentes ocorrem durante manobras de solo”. Segundo a Honeywell, em simulações realizadas com pilotos convidados, a movimentação no pátio com o sistema elétrico revelou-se mais simples em comparação com o sistema tradicional. E mesmo em pistas com inclinação ou contaminadas por gelo e/ou água, o equipamento se mostrou eficiente. A nova tecnologia, que pode servir também a aeronaves antigas, deve estar disponível a partir de 2017.

As mudanças no projeto de unidades auxiliares de força da Honeywell também permitiram à Airbus obter uma melhora de 10% na queima de combustível no APU utilizado pelo A350XWB. Entre os principais aprimoramentos estão uma nova geração do sistema de starter, controle eletrônico digital aperfeiçoado e ganhos na relação peso/potência. O pacote de soluções para o novo widebody da Airbus, que já tem mais de 810 pedidos de 39 empresas aéreas, inclui sistemas de ventilação e refrigeração, ar condicionado, pressurização e sangria de ar.

Prosseguimos com a visita e, mais adiante, vemos na fábrica da Honeywell motores de jatos executivos sendo produzidos, incluindo um HTF 7500E, que será instalado no novo Embraer Legacy 500. “Para desenvolver ou aprimorar um motor, precisamos reduzir peso, diminuir a emissão de poluentes e ruídos, aumentar eficiência e alcance e prover facilidades de manutenção”, resume o diretor de Engenharia, Ronald Rich.

EGTS e novo Airbus A350 com APU
Sistema de táxi elétrico EGTS e novo Airbus A350 com APU Honeywell

Os laboratórios

De volta à sala de conferência, chega a hora de conhecer alguns dos laboratórios onde a Honeywell testa suas tecnologias do futuro. Divididos em grupos, conhecemos o equipamento de reconhecimento de voz que permite ao piloto mudar os parâmetros do voo literalmente conversando com a máquina e a placa que permite aos engenheiros da empresa testar os comandos por gestos. É realmente impressionante ver as páginas na tela do computador sendo mudadas com movimentos de mão a não mais de 20 cm do monitor. Em outra sala, um simulador de voo com movimentos aceita comandos por voz. Na estação de testes de sistemas integrados, vemos os módulos de um Falcon 900LX da Dassault.

Uma solução que se destaca particularmente é o simulador avançado de cockpit com visão sintética tridimensional. É notável como esse recurso pode ser útil durante operações de táxi e decolagem, sobretudo em aeroportos desconhecidos ou diante de má visibilidade. Abastecido com informações atualizadas sobre pátios e pistas, o sistema mostra na tela o movimento da aeronave, vista de cima, com imagens dos arredores, destacando visualmente pontos de intersecção e raios de segurança. No momento da decolagem, a perspectiva muda e o piloto enxerga a pista como se estivesse dentro do cockpit.

A visita chega ao fim com uma brincadeira que ajuda a entender um pouco do espírito daqueles que trabalham com tecnologias do futuro. “Estou aqui porque era fã do homem de seis milhões de dólares, com seu ouvido biônico”, diz um dos engenheiros em alusão ao personagem Steve Austin, da série de TV homônima produzida no final dos anos 1970.

Por Giuliano Agmont, de Phoenix
Publicado em 25/06/2014, às 00h00 - Atualizado às 07h46


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