Feito no Brasil em material composto e inspirado no conceito keep it simple do Pulsar Super Cruiser, o Volato 400 prova-se seguro e com potencial para lazer, treinamento e negócios
A primeira impressão sobre a aeronave é positiva. São linhas ao mesmo tempo limpas e agressivas, que imprimem robustez e agilidade. Trata-se de um avião legitimamente brasileiro. Seu nome, Volato 400, um monoplano de asa baixa para quatro lugares. Estamos em Piracicaba, no interior de São Paulo. Encontro-me com o engenheiro Zizo Sola, um dos idealizadores do experimental, no hangar de Nelson Schmidt, que será o piloto da aeronave paquera com o fotógrafo Ricardo Beccari. Zizo me conta em detalhes a história da Volato Aviões e Compósitos, empresa sediada na cidade de Bauru (SP), com experiência em material composto e suporte para a aviação geral.
A ideia de desenvolver um modelo como o 400 teve como inspiração uma matéria escrita pelo legendário Fernando de Almeida sobre as aeronaves desenvolvidas pelo projetista Richard Allen Trickel Jr., com a filosofia KIS, Keep it Simple. Não por acaso, os aviões receberam o nome KIS e, assim, nasceram os modelos KIS 2, KIS 4, KIS Cruiser, que, posteriormente, vieram a ser conhecidos por Super Pulsar e Pulsar Super Cruiser. A ideia KIS tinha como premissa a construção de aeronaves de excelente performance, com consumo baixo e, o mais importante, desenvolvidas para seus proprietários em kits realmente simples de serem montados. Outro fator interessante era o carisma de Richard Trickel, que conquistou o mundo da aviação experimental nos anos 1990, totalizando mais de 300 aviões voando pelo mundo.
Na época, Zizo Sola viajou aos Estados Unidos para apresentar a Richard Trickel a ideia de trazer o conceito para o Brasil. E o projetista norte-americano gostou do que ouviu. Assim, em alguns meses, havia mudado para o Brasil e orientava os engenheiros Zizo Sola e Marcos Vilela no desenvolvimento do Volato 400. O trabalho, a partir dali, foi criar uma aeronave com base em um projeto já existente, fazendo as adaptações tanto da parte de construção como às exigências do mercado brasileiro.
Linhas limpas e agressivas dão a impressão de robustez e agilidade a este monoplano de asa baixa para quatro lugares
FIBRA PRÉ-IMPREGNADA
A Volato Aviões e Compósitos é uma das primeiras empresas no Brasil a adotar a técnica Prepreg (do inglês, pre-impregnated) na fabricação de seus aviões. A técnica para fibra pré-impregnada usa apenas a resina necessária para unir o material com outros componentes em seu processo de fabricação, deixando a estrutura mais leve, sem perder a resistência. É um processo que utiliza áreas refrigeradas para armazenamento do material, e forno ou autoclave no processo de catalisação. Em toda a estrutura do Volato 400 o processo se completa com a utilização de vácuo, com o uso de pressão uniformemente distribuída durante o período de cura da laminação. Tudo em prol de uma aeronave de alta performance, com alta resistência de material e baixo peso.
Sigo Zizo em um check externo e ele continua me explicando todos os detalhes da construção. O PR-ZIZ conta com um motor Lycoming YIO 360 de 180 HP, e uma hélice Hartzell bipá de velocidade constante. Para checar o nível de óleo, utilizo uma janela de inspeção projetada com o intuito de proporcionar limpeza aerodinâmica. Não há nenhuma "haste" ou trinco externo para a abertura e, sim, uma pequena trava dentro do capô com acesso pela parte dianteira do motor - uma das soluções simples e práticas do Volato. Continuo observando todo o acabamento de construção passando pelo bordo de ataque da asa, até os comandos de aileron e o flap no bordo de fuga. A qualidade se assemelha a aeronaves homologadas construídas em material composto.
A estrutura é toda baseada no Pulsar Super Cruiser. Nas pontas das asas há enormes winglets, que visualmente parecem desproporcionais, em relação ao tamanho do leme. As portas do tipo gaivota contam com um prático amortecedor e facilitam o acesso à cabine. Dentro dela, começo a me familiarizar com a disposição dos comandos e instrumentos de voo. No ZIZ encontro um moderno painel composto por duas telas Odyssey, fabricadas pela americana MGL Avionics. São telas de 10,4 polegadas cada uma, que contam com uma infinidade de possibilidades de configurações para parâmetros do motor, navegação e todos os instrumentos necessários ao voo visual e por instrumentos. Um sistema intuitivo para se operar, e que dá uma aparência muito boa ao interior do Volato, deixando o painel "limpo". Na parte esquerda do painel estão os switches de bateria e alternador, os magnetos e todas as luzes da aeronave. Logo abaixo, ainda do lado esquerdo, estão os instrumentos stand-by, compostos por velocímetro, horizonte e altímetro. Abaixo das telas Odyssey, encontro um painel destinado aos rádios, ao GPS e a um surpreendente sistema destinado ao comando do flap, acionado por botões nas posições de "0", "15" e "30" graus. Esse painel segue até o console central que fica entre os bancos da frente. Nesse console estão os manetes de potência, mistura e passo da hélice, além da seletora de combustível.
#Q#
Com 85 nós e flap 15, o pouso do Volato 400 fica mais simples
CONFORTO NA CABINE
Ajusto o banco para frente utilizando uma pequena alavanca, que fica abaixo da minha perna direita, de forma a deixar o side stick ao alcance da mão esquerda. É isso mesmo, o Volato 400 conta com os comandos de aileron e profundor na lateral da cabine, uma vantagem para o conforto, pois melhora o espaço logo à frente dos bancos, e também o acesso à cabine. Em um primeiro momento, acho estranha a posição do manche, mas observaria depois, durante as operações de decolagem, voo e pouso, que ela é confortável, sem apresentar empecilhos para a pilotagem. Continuo com as orientações de Zizo e aciono o motor Lycoming de quatro cilindros. Durante os primeiros minutos, aguardando o ponteiro da temperatura do óleo "acordar", Zizo Sola continua me explicando os detalhes da empresa. Um fato muito interessante é a forma como o Volato pode ser entregue ao cliente. Ele tem a opção de receber a aeronave pronta para voar ou em diversas configurações de kits, podendo ser até o fast kit - um verdadeiro "Revell" em tamanho real, faltando apenas o conjunto motopropulsor e os instrumentos.
Como a Volato fabrica seus próprios kits, a flexibilidade na montagem é muito grande, e o cliente pode ajustar o projeto às suas necessidades, como maior autonomia, diversas opções de painel e motorização, entre várias outras opções. Se o cliente optar pela aeronave pronta, a empresa hoje conta com uma estrutura que garante a entrega do avião em cinco meses. Um ponto curioso é a assistência dada aos interessados em montar o kit, com um programa de montagem assistida, em que o cliente passa uma quantidade pré-determinada de dias acompanhando a produção e a montagem das peças, com funcionários treinados pela empresa. Outro fator que facilita a montagens dos kits são os manuais, todos em português.
Alinhamos na cabeceira 17 de Piracicaba, e completo a potência para iniciarmos a decolagem. Com pouco mais de 70 nós, vou exercendo uma pequena pressão no manche e o ZIZ se livra do asfalto com facilidade. Estamos com três a bordo, e com ¾ da capacidade total de 180 litros dos dois tanques do Volato. Acelero cuidadosamente para 100 nós, recolhendo o flap, que estava ajustado a 15 graus. A 500 pés de altura, ajusto o motor para o regime de subida (25 polegadas e 2.500 RPM) e observo uma razão de subida de aproximadamente 750 pés por minuto. Aos poucos, vou me acostumando com os comandos de voo, e seguimos para o setor W de Piracicaba em direção à área planejada para as fotos.
#Q#COMANDOS DÓCEIS
Esse é um momento oportuno para avaliar as características de voo do Volato, pois vamos trabalhar com vários regimes, e com uma grande variação de amplitude de comandos. O resultado é muito bom e os comandos de voo se apresentam dóceis, com respostas precisas. Como a variação de potência é grande para a realização das fotos, sinto que o manete de potência fica em uma posição não muito confortável. Em voos longos com pouca variação de regime, provavelmente isso não incomodaria, mas em etapas curtas, ou treinamento de pousos, o ideal seria um console um pouco mais alto e com apoio para o braço. No retorno para a pista, subo para 6.500 pés e ajusto os parâmetros para o voo de cruzeiro. Pressão de admissão em 24 polegadas e hélice em 2.400 RPM.
O prático sistema EMS (Engine Monitoring System) do sistema Odyssey me ajuda a refinar os ajustes e levo a mistura até a marca de 38 litros por hora. Nessa configuração, temos uma velocidade indicada de 135 nós e uma ground speed de 145 nós. Próximo à pista, realizo uma série de exercícios a baixas velocidades. Passo a voar no pré-estol, com velocidades entre 70 e 75 nós e diferentes configurações de flaps. O leme continua com boas respostas e o profundor e o aileron já começam a diminuir suas respostas, mas o PR-ZIZ permanece voando majestosamente, com segurança. Reduzo ainda mais a velocidade e consigo um estol abaixo de 70 nós sem a utilização de flaps, e de 65 nós com 15 graus de flap. Todos os estóis são idênticos, sem maiores tendências e com excelente comportamento. "Lembra estol de avião com asa alta", penso.
PONTAS DAS ASAS RECEBEM ENORMES WINGLETS, QUE CHAMAM ATENÇÃO PELA PROPORÇÃO EM RELAÇÃO AO LEME
PROJETO EM DESENVOLVIMENTO
No circuito de tráfego, preparo-me para o primeiro pouso com o Volato. Zizo me passa os últimos detalhes da operação e ingresso na aproximação final com 15 graus de flap. Continuo nessa configuração até o pouso, mantendo uma velocidade de 95 nós até o cruzamento da cabeceira. O avião simplesmente não "quer" pousar e até flutua um pouco após o primeiro terço da pista. O toque sai suave, mas percebo que minha cautela, por não conhecer o avião, foi exagerada. Nova aproximação, dessa vez na reta final com 90 nós e cruzamento de cabeceira com 85 nós. Bingo! Nessa velocidade e com flap 15, o pouso fica mais simples, demonstrando uma vocação imensa do Volato para treinamento de pilotos.
Após a aterrissagem, seguimos para o pátio de estacionamento e continuo assimilando todo o surpreendente envelope de operação e possibilidades que os clientes têm com o Volato 400. Como todo protótipo, ainda há uma série de itens em aperfeiçoamento, como o acabamento interno, por exemplo, que ainda não é o foco nessa fase do projeto. Com certeza posso dizer que hoje temos um projeto moderno, em desenvolvimento, totalmente idealizado e fabricado em nosso país, capaz de atender a uma gama enorme de clientes.
Painel conta, originalmente, com duas telas Odyssey de 10,4 polegadas cada, fabricadas pela americana MGL Avionics, e side stick
Hernani Dippólito | | Fotos Ricardo Beccari
Publicado em 13/06/2012, às 12h48 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
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