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Os motivos do voo controlado contra o terreno

Fadiga e falta de consciência situacional são os principais fatores desse tipo de ocorrência


Gostaria de agradecer os editores de AERO Magazine e do site de AERO Magazine pelo convite para escrever essa coluna.

Estarei aqui com um artigo sobre um tema de interesse da comunidade aeronáutica. A dinâmica do site permite que as pautas sejam influenciadas por vocês leitores, então caso tenham algum assunto ou tema de interesse, ideia que gostariam de ler, comentem para que eu possa, juntamente com o pessoal do site, incluir em uma pauta futura.

Para estrear a coluna eu decidi retomar um assunto que já abordei no passado, o CFIT (Controlled Flight Into Terrain) ou colisão com o solo em voo controlado, que é um termo aeronáutico que descreve um acidente onde um avião ou helicóptero, apesar de estar sob o controle do piloto e reunir as condições para realizar com segurança a navegação aérea (aeronavegável), colide inadvertidamente contra o solo ou um obstáculo (uma montanha, água, árvores).

O termo foi criado por engenheiros da Boeing que estudavam o assunto na década de 1970, quando constataram que o CFIT é a principal fonte de fatalidades na aviação comercial desde o início da era dos jatos. Ao contrário do que o senso comum pode indicar, baixa visibilidade e problemas com equipamentos de navegação não são os principais fatores contribuintes para esse tipo de acidente, mas sim o fator humano, que responde por mais de 80% dos casos de CFIT.

O que mais acontece é a perda da consciência situacional pela tripulação, ou seja, a perda da capacidade de avaliar corretamente e a todo momento qual é sua posição e, principalmente sua altitude. Esta situação reduz a capacidade da tripulação de avaliar se a aeronave está em uma rota segura em relação aos obstáculos abaixo e imediatamente a frente de sua aeronave. Condições meteorológicas adversas não raro causam situações de stress na cabine, o que pode desviar a atenção da tripulação. Muitas vezes nesses eventos, o que se observa durante a investigação é que um assunto concentrou a atenção de toda a tripulação, que em consequência se “esquece de voar a aeronave”. A fadiga por cargas de trabalho excessivas também é listada como um fator contribuinte significante nos casos de CFIT. O excesso de confiança e a utilização de procedimentos não aprovados também são listados.

Se no início da aviação os alertas a respeito da aproximação inadvertida e perigosa a obstáculos dependiam totalmente do ser humano, através dos sistemas de monitoramento do voo, hoje algumas aeronaves já contam com um equipamento automático de alarme desenvolvido pelos fabricantes das aeronaves, o TAWS (do inglês – terrain awareness and warning system). A primeira geração desses equipamentos ficou conhecida como GPWS (do inglês – ground proximit warning system) e usava dados do radar altímetro para calcular e alertar sobre a aproximação da aeronave do solo.

A segunda geração, conhecida como EGPWS (do inglês – enhanced ground proximity warning system) utiliza uma base de dados com informações sobre o relevo referenciada pela posição do GPS, aumentando significativamente a capacidade de alerta do sistema.

As estatísticas mostram que a existência, o correto funcionamento e operação de equipamentos TAWS em aeronaves reduz significativamente a taxa de acidentes por CFIT. Mais importante ainda, desde o advento do EGPWS não houve nenhum caso de CFIT envolvendo uma aeronave comercial com o sistema funcionando. Infelizmente apenas uma parcela pequena da frota mundial já conta com este equipamento instalado.

Além dos alertas eletrônicos, outras iniciativas também contribuem para a prevenção desse tipo de evento. Nas empresas de linhas aéreas e táxis-aéreos, por exemplo, um bom programa de treinamento e de CRM diminuem as possibilidades de perda de consciência situacional e consequentemente do CFIT.

No caso da aviação de negócios, o cuidado com a fadiga da tripulação e o treinamento adequado das equipes é fundamental, além do respeito pela decisão do comandante da aeronave quanto à realização ou não de um voo devido à condição climática adversa. Forçar a barra nesse caso pode significar uma viagem sem volta.

Shailon Ian é  formado pelo ITA como Engenheiro Aeronáutico e CEO Vinci Aeronáutica.

Por Shailon Ian
Publicado em 01/12/2018, às 06h00 - Atualizado às 20h40


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