Protótipo número 1 do novo widebody da Airbus inicia testes em voo com mais de 650 vendas firmes para 35 companhias aéreas, incluindo TAM e Avianca
Aeroporto de Toulouse-Blagnac, 14 de junho de 2013, 10h00 de uma manhã nublada. O protótipo A350 XWB MSN1, matrícula F-WXWB, aciona os motores Rolls-Royce Trent XWB para sua primeira decolagem. Em inglês aeronáutico, os pilotos de teste Peter Chandler e Guy Magrin checam a comunicação com a torre de controle e pedem autorização para operar por instrumentos neste voo inaugural:
PILOTO - Toulouse tower radio check with Airbus 350 MSN1
TORRE - Airbus 350 MSN1 read you 5/5 go ahead
PILOTO - Airbus 350 MSN1 request IFR clearance to first flight as filed
Autorizada a operação, a torre de Toulouse indica a altitude de voo depois da decolagem do novo Airbus e a pista de serviço:
TORRE - Roger Airbus 350 MSN1 you are clear as filed to your first flight, climb and maintain after departure 10.000 feet
PILOTO - Roger we are clear as filed to our first flight, climb and maintain after departure 10.000 feet
TORRE - Airbus 350 MSN1 your read back is correct, push back and startup is approved, runway in use 32L, call me ready for taxi
PILOTO - Roger, push back and startup is approved, runway in use 32L, call you ready for taxi Airbus 350 MSN1
O veículo de push back move a aeronave e a encaminha para a taxiway de acesso à pista designada.
PILOTO - Push back and start up completed, ready for taxi Airbus 350 MSN1
TORRE - Roger Airbus A350 MSN1 taxi to holding point runway 32L via Delta and Zulu and Alpha, report ready for departure
PILOTO - Roger taxi to holding point runway 32L via Delta and Zulu and Alpha, report ready for departure Airbus 350 MSN1
O A350 chega à posição de espera e a informa à torre, que autoriza a decolagem e confirma a direção e a intensidade do vento:
PILOTO - At holding point runway 32L ready for departure Airbus 350 MSN1
TORRE - Roger Airbus 350 MSN1, service wind is 330 degrees 15 kts 330/15 you are clear for take off runway 32L, report airborn
PILOTO - Roger the wind is 330/15 clear for take off runway 32L call you airborne Airbus 350 MSN1
Motores acelerados, o avião lança-se na pista 32L. Os reduzidos níveis de ruído dos propulsores Rolls-Royce, mesmo à velocidade máxima de decolagem, surpreendem. Mais alguns segundos e a numerosa multidão de trabalhadores e convidados da Airbus, além de milhares de espectadores que assistem em tempo real pela internet ou pela televisão, testemunham o momento em que o A350 deixa o solo, suavemente, após oito anos de desenvolvimento e pelo menos US$ 15 bilhões de investimentos. O piloto comunica à torre que se encontra em voo e recebe a frequência de contato para, mais tarde, fazer a aproximação ao aeroporto.
PILOTO - Airborne Airbus 350 MSN1
TORRE - Roger contact Toulouse approach 123.85 good day
PILOTO - Roger contact Toulouse approach 121.85 good day Airbus 350 MSN1
Uma vez no ar, o A350 XWB demonstra comportamento e manobrabilidade dentro do esperado, desde o primeiro momento, permanecendo com o trem por recolher até os pilotos estarem satisfeitos com os comandos de voo. O avião sobe aos 10.000 pés (3.050 m) em oito minutos, permanecendo entre os 10.000 e os 15.000 pés (4.570 m) durante duas horas e 48 minutos. Neste período, a tripulação testa diferentes configurações de voo. Inicialmente, na mais básica das versões de direct law (sem proteção de envelope, com controle de comandos manual), experimentando diferentes reações da estrutura do avião (a chamada aeroelasticidade), antes de passar para normal law (que previne entradas em perda, velocidade excessiva, controlo máximo de g e autotrim, mantendo o aparelho à mesma altitude). Os pilotos efetuam os mesmos testes durante 90 minutos, comparando os dados com os modelos calculados por telemetria.
O único problema durante o primeiro teste, conforme revelaria mais tarde o engenheiro de voo Fernando Alonso, afeta a pressurização após um erro de programação. A pressão começa a descer porque o computador de bordo assume, após 45 minutos de voo, que o avião se prepara para pousar. A tripulação introduz Nova York como destino e a pressão volta logo a se normalizar.
Após o imprevisto, os pilotos levam o avião aos 25.000 pés (7.620 m) em normal law e testam diferentes configurações em normal e direct law, antes de ligar o piloto automático para os últimos cinco minutos de voo de cruzeiro. A descida é, igualmente, iniciada em piloto automático e em modo autothrust.
De volta aos 10.000 pés, a aproximação é simulada em configuração de full landing. Os pilotos Chandler e Magrin executam um procedimento de go-around e desaceleram até ouvirem o aviso de entrada em perda. Embora tenham adicionado alguma margem na velocidade de decolagem, retiram-na no pouso e usam freios, reversores e spoilers, como numa operação de rotina.
Os dados do primeiro voo não são significativos para os testes de performance e de consumo de combustível, considerando todas as modificações de configuração e por conta da posição do trem durante um período longo de tempo. No fim de semana após seu primeiro ciclo, o novo avião da Airbus é inspeccionado detalhadamente pela manutenção para executar os voos seguintes, que aconteceriam na semana do Paris Air Show (leia mais na matéria da p. 36).
Uma semana antes do primeiro voo, em Toulouse, durante o Innovation Day 2013, promovido pela Airbus com seus principais executivos, era bem visível o clima de confiança reinante entre a equipa ligada ao projeto. Tudo corria como previsto, mas ninguém assumia qualquer compromisso ou adiantava uma data. "É uma operação complexa em que temos de testar todos os sistemas e instalar muitos sensores. Existe uma lista de parâmetros críticos de segurança", ressalvava o comandante Frank Chapman, terceiro piloto de testes escalado para o primeiro voo do A350 XWB, caso fosse necessário substituir um dos dois primeiros (leia mais na entrevista das p. 30). As equipas trabalhavam no avião em três turnos, com início às 6h00 e término às 4h00 do dia seguinte.
Durante o evento, os jornalistas convidados puderam ver de perto o A350 XWB, "sem tocá-lo", conforme solicitavam os assessores. As asas do novo e esguio widebody do consórcio europeu realmente chamam a atenção, sobretudo por seu design mais afinado em relação aos de outros modelos da marca, fruto da aplicação de material composto, que responde por 53% do projeto total da aeronave. O Trent XWB, aberto, também se destaca. O sexto membro da família de motores Trent é o maior motor turbofan já produzido pela Rolls Royce, com um fan de 3 m (118 polegadas) de diâmetro - o Trent 900, segundo maior, tem um fan de 2,95 m (116 polegadas) de diâmetro. Com previsão de consumo 25% menor de combustível e redução de ruído em relação aos modelos anteriores saídos das linhas do fabricante britânico, o novo Trent proporciona empuxo máximo de 432 kN (97.000 lbf), "obtido com a inclusão de nova tecnologia para turbinas de alta temperatura, núcleo de motor maior e mudança aerodinâmica para as aletas, que permitirão ao A350WXB oferecer maior alcance e capacidade de voo", diz a Rolls-Royce.
Certificado em fevereiro deste ano pela Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA, na sigla em inglês), o motor entrou em funcionamento, pela primeira vez, em junho de 2010 e, desde então, vem sendo submetido a uma série de testes de solo, e também em voo, acoplado a um A380. "Os testes em voo simulam situações adversas, como congelamento, temperatura excessiva, vento lateral. E foram realizados em diversas partes do mundo, como no Reino Unido, Estados Unidos, Emirados Árabes e Espanha" , explica o vice-presidente executivo Didier Evrard, chefe do programa A350XWB, durante o meeting da Airbus em Toulouse.
O responsável pelo desenvolvimento do novo avião da Airbus também destacou o uso de simuladores no programa de testes dos protótipos. Segundo Evrard, 20 pilotos realizaram pelo menos 700 voos virtuais durante quatro meses. "A combinação com plataforma virtual nos permitiu acelerar o processo de testes para definir as configurações dos sistemas, que amadureceram mais rapidamente do que se precisássemos fazer em voo o que fizemos no simulador", disse o executivo.
No dia 7 de junho, a Airbus recebeu todas as autorizações da DGAC (Direcção-Geral da Aviação Civil) para a realização do primeiro voo do A350 XWB. Metade dos testes em terra já tinham sido realizados, faltando apenas dois ensaios de freios e reversores dos motores para dar "luz verde" ao primeiro voo. "Vamos acelerar os motores e rolar na pista, quase até a velocidade de descolagem (V1)", confidenciava aos jornalistas o engenheiro de voo Pascal Verneau, sem esconder o seu entusiasmo por acompanhaer de perto todas as fases do projeto: "É uma paixão!".
Seis homens foram designados para o primeiro voo do A350 XWB, incluindo dois pilotos de testes e um engenheiro de voo no cockpit e três engenheiros de testes na retaguarda. Coube ao comandante britânico Peter Chandler, piloto de testes na Airbus desde 2000 e piloto-chefe de testes desde 2011, assumir o comando do voo. Ao seu lado, como copiloto, estava o comandante francês Guy Magrin, piloto de testes da Airbus desde 2003 e piloto do projeto A350 XWB (ambos com 80 a 100 horas de voo neste avião, em simulador). Mais recuado, o engenheiro de voo Pascal Verneau (com 25 horas de voo em simulador, neste avião), que já participou em diversos voos experimentais da Airbus, desde 1999, como o segundo voo do A380 e do A340 Cargo. A equipe de engenheiros, encarregada de fazer a monitorização de todos os parâmetros dos sistemas do avião, era constituída pelo espanhol Fernando Alonso, o francês Patrick du Ché e o italiano Emanuele Costanzo, este último na qualidade de engenheiro de voo para o motor Rolls-Royce Trent XWB.
Antes de subirem as escadas para o avião, a equipe de pilotos e engenheiros de voo foi calorosamente incentivada pelos seus camaradas em terra. Vestidos com um uniforme de voo de cor alaranjada e, mais tarde, com capacetes de cor cinza, mais parecia uma equipe de astronautas de um voo espacial. E o caso não era para menos, dado que o primeiro voo de uma nova aeronave é sempre um momento decisivo e marcante, por mais testes em túnel de vento ou horas de simulador realizadas pelos pilotos. É, talvez, uma emoção que mantém vivo todo o fascínio da aviação.
O aparelho que efetuou este primeiro voo é a versão intermédia da futura família do A350 XWB (900), capaz de transportar 314 passageiros, em três classes de serviço a bordo (primeira classe, executiva e econômica). A maior fuselagem do A350-1000 elevará o número de passageiros para 350, enquanto o avião mais curto - o A350-800 - terá capacidade para 270 passageiros.
No ar, o A350 XWB é facilmente identificável pela largura da seção central da fuselagem, a faixa muito particular das janelas do cockpit e o perfil alongado do seu nariz, a par das asas dotadas de winglets que resultaram de um avançado design aerodinâmico. Ademais, figura na sua fuselagem a designação A350 XWB, em grandes letras, completada com um logotipo estilizado.
Completadas as quatro horas e cinco minutos deste primeiro voo, o A350 XWB faz um fly-by sobre o aeroporto de Toulouse-Blagnac e pousa na pista 32L, no meio de muitos aplausos e bandeirinhas da Airbus, onde se podia ler "We did it!". Ao todo, serão necessárias 2.500 horas de voos de testes de certificação, para que o primeiro A350 XWB seja entregue ao cliente lançador, a Qatar Airways. Cinco aparelhos serão alocados nesta certificação (EASA e FAA), o que permitirá reduzir o programa para cerca de 14 meses e possibilitar a entrada em serviço do primeiro avião no segundo semestre de 2014, talvez em agosto. O protótipo número 3 deve decolar em outubro próximo, o MSN 2 voará provavelmente em janeiro de 2014, o número 4 inciará seus testes em voo no mês seguinte, em fevereiro, e o MSN05, que também já está em produção, promete deixar o solo pela primeira vez em abril do ano que vem.
Até o fechamento deste edição, o A350 XWB já havia recebido um total de 686 pedidos firmes de compra de 35 companhias de todo o mundo, incluindo a TAM, que será a primeira a operar a aeronave na América Latina, com uma encomenda de 27 aparelhos, e a Synergy Aerospace, grupo que controla a Avianca, com um pedido de 10 aeronaves. O novo avião da Airbus voará pelas três alianças globais.
No dia 21 de junho, apenas um dia depois do seu segundo voo, o A350 XWB MSN1 faz a sua aparição nos céus de Paris, para uma passagem sobre o 50º Salão Internacional da Aeronáutica e do Espaço de Le Bourget, coincidindo com a visita do presidente francês, François Hollande. No primeiro dia de abertura ao público do evento e estrategicamente planejada para ocorrer às 13h30 (hora local), quando todos os visitantes e profissionais fazem uma pausa para almoçar e assistir às demonstrações aéreas. A Airbus não perdeu, assim, a oportunidade de colocar no ar o grande rival dos Boeing 777 e 787 Dreamliner, com quem vai disputar o rentável mercado dos aviões de longo curso. Segundo o consórcio europeu, pertencente ao grupo EADS, oito dos dez maiores operadores do 777 já encomendaram o A350.
O PROGRAMA DE ENSAIOS EM VOOVeja alguns dos principais testes aos quais os protótipos do A350 serão submetidos nos próximos meses - Velocidade e desempenho de subida: vital para as operações das aeronaves, ele inclui operações com diferentes pesos de decolagem e variações de velocidade. - Vibração: permite examinar o comportamento da estrutura da aeronave aos ser submetido a perturbações aerodinâmicas em todo o envelope de voo. O avião deve ser capaz de amortecer vibrações provocadas por vento, turbulência e demais movimentos. - VMU: demonstra a velocidade mínima sem uso do sidestick e a atitude da aeronave para levantar voo com segurança e prosseguir a decolagem sem efeito solo. São testes que costumam gerar rastro de faíscas com o arrasto da cauda ao longo da pista. - Baixas temperaturas: submete sistemas, materiais e motores da aeronave a temperaturas abaixo de 40 graus negativos para provar sua capacidade de suportar condições climáticas extremas sem perder funcionalidades. - Altitude elevada: valida desempenho de motores, materiais e sistemas trabalhando em regime quente em locais de altitude elevada em voo e em solo. - Pouso por instrumento: certificado para operar ILS CAT III, a aeronave precisa fazer pelo menos 100 pousos com piloto automático em diferentes configurações, incluindo ausência de motor, e condições ambientais. - Ingestão de água: são várias decolagens através de um grande colchão d´água criado artificialmente para avaliar o correto funcionamento de motores e reversores, bem como sistemas de desaceleração. - Acústico: ensaios de medição de ruído dedicados permitem a análise da assinatura acústica interna e externa da aeronave. |
Alexandre Coutinho E Giuliano Agmont, De Toulouse | | Fotos Divulgação/Airbus
Publicado em 11/07/2013, às 07h37 - Atualizado em 11/11/2014, às 11h34
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