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Número de acidentes volta a assustar

A quantidade de desastres aéreos no Brasil pulou de 70, em 2006, para 158, em 2011. Afinal, o que está acontecendo? E o que operadores podem fazer para reverter essa estatística?


Foto: Rodrigo Cozzato

Voar sempre gerou sentimentos fortes. A paixão dos pilotos pela aviação é tão intensa que, mesmo depois de aposentados, muitos permanecem rondando hangares, acompanhando pousos e decolagens e puxando conversa com os colegas da ativa. Mas essa sensação boa nem sempre se estende ao usuário do transporte aéreo. Muitos passageiros ficam apreensivos com a iminência da viagem. São vários os motivos, mas as notícias que lhes chegam são focadas em acidentes. E não adianta repetir que o transporte aéreo é o mais seguro do mundo, mostrando estatísticas comparativas com outros modais. Simplesmente os números absolutos falam por si. No ano passado, o Brasil bateu o recorde de acidentes aeronáuticos. Este ano, vemos notícias de quase um por semana. Ainda que a frota nacional de aeronaves tenha crescido em torno de 25% nos últimos cinco anos, o número de acidentes pulou de 70, em 2006, para 158, em 2011. Afinal, o que está acontecendo?

É possível que muitos fatores estejam combinados. O mercado aquecido, por exemplo, faz mudar o cenário com o qual estávamos acostumados. Nesses cinco anos, importamos milhares de aeronaves modernas, com novos conceitos de operação. O fenômeno acontece no mesmo instante em que a formação aeronáutica sofre com o atraso tecnológico de nossas escolas e seus currículos ultrapassados, impostos pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Entidade esta que mudou rapidamente de perfil. Da postura paternalista e orientadora do atendente de balcão, que recebia os processos pelas mãos dos interessados, ao protocolo frio da entrada via internet. E as oficinas de manutenção, cujo trabalho aumentou muito, mas não conseguem obter no mercado mecânicos experientes e com domínio da língua inglesa, necessário para o entendimento dos manuais de serviços. Também precisamos considerar a maior exigência que os pilotos sofrem de seus empregadores com relação à produtividade. São frequentes os casos de tripulantes que trabalham em períodos muito além do estabelecido por lei. Enfim, uma miríade de fatores que merece ser bem analisada. O Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) mantém em seu site (www.cenipa.aer.mil.br) um estudo detalhado em cada segmento de aviação.

Os fatores que originam acidentes são causados por variáveis ambientais que envolvem os pilotos e suas aeronaves. É importante compreendê-las bem, pois influenciam as decisões tomadas durante toda a operação. Fazer escolhas acertadas em cenários diversos é uma habilidade profissional que deveria ser mais valorizada. Sabendo disso, autoridades aeronáuticas do mundo todo incentivam o estudo do CRM (Corporate Resource Management) já praticado em empresas de transporte aéreo, mais ainda um ilustre desconhecido na aviação geral privada. O CRM enfatiza a boa qualidade das decisões antes, durante e depois do voo. O FAA, órgão que regulamenta a aviação nos EUA, trata esse tema com mais atenção, situando-o em cinco ambientes que podem produzir fatores negativos à segurança. São chamados de "5P".


#Q#

OBSERVE SEMPRE OS 5PS

● THE PLAN
O primeiro P se refere ao plano, que é a missão ou tarefa que o piloto deve realizar. A execução de um voo pode sofrer alterações a qualquer momento por causas diversas, como atrasos por panes na aeronave, novos NOTAMs, auxílios fora do ar, alteração de tempo meteorológico e outras circunstâncias que obrigam o piloto a se reprogramar. Para cada mudança do cenário há de se tomar uma nova decisão. Pilotos de postura rígida, não adaptáveis à dinâmica do meio ambiente, correm riscos maiores. Portanto, na cabeça de cada um e nos treinamentos que realizam deve estar presente sempre a possibilidade de mudanças; nos trajetos, nos horários, na quantidade de combustível, nas altitudes e até na possibilidade de não ir agora.

●THE PLANE
A aeronave é outro elemento-chave nas tomadas de decisão. Na medida em que o cenário envolvente muda, os recursos utilizados devem se alternar. Alguns acidentes poderiam ter sido evitados se o piloto tivesse utilizado ferramentas a bordo que permaneceram ociosas. Em cenários meteorológicos mutantes, por exemplo, o piloto precisa decidir se desvia na horizontal, se desce, monitorando o relevo, ou sobe a níveis onde o uso de oxigênio é necessário. Se utiliza mais os recursos do Volmet ou o radar, apenas. Em algumas etapas da viagem, deve escolher a navegação por satélites, recursos inerciais ou a navegação rádio convencional. Na ocorrência de uma pane que ainda permita o voo, deve decidir novos rumos, altitudes ou regras de voo que procederá para manter a segurança. Um equívoco comum é voar aeronaves equipadas com piloto automático fora de serviço, sob as regras IFR, apenas por estarem aprovadas para isso. Como ficaria a carga de trabalho num cenário IMC complexo?

●THE PILOT
O piloto é o provedor da segurança. Como indivíduo, sofre alterações fisiológicas e psicológicas. E deve ser sensível a elas. Mesmo que o cenário operacional se mantenha estável, mudanças nas condições do piloto devem orientar mudanças na condução do voo. Ainda que seja proficiente em voo IFR, por exemplo, após uma longa jornada, poderá estar exausto e sem as condições para se concentrar na realização de procedimentos ATS complexos. Pilotos que voam à noite - ou submetidos a elevados níveis de estresse, com problemas pessoais, em longos períodos -, com alimentação inadequada ou sono atrasado, podem se tornar potenciais de acidentes. Portanto, o próprio indivíduo deve considerar suas alterações e tomar decisões que respeitem os limites humanos.

● THE PASSENGERS
O passageiro é parte da razão dos voos e deve ser considerado com fator a mitigar ou elevar o risco operacional. Em pequenas aeronaves, ele está muito próximo do piloto, quase ombro a ombro, e interage constantemente. Pode ser utilizado para algumas tarefas simples, tais como selecionar cartas no conjunto de navegação, monitorar alguns instrumentos, cuidar de outros passageiros ou mesmo ajudar em algumas tarefas excepcionais, se também for piloto. Por outro lado, sua limitação psicológica ou fisiológica pode impor restrições ao voo. Passageiros fóbicos constituem um elo fraco na corrente de segurança e demandam mais atenção. A mesma lógica pode ser aplicada à instrução de voo. Alunos com dificuldades maiores determinam limites mais conservadores ao voo.

●THE PROGRAMMING
Voando aeronaves cada dia mais sofisticadas, o piloto se depara com uma nova barreira à segurança: o entendimento da programação dos aviônicos. Embora os pilotos de linha aérea recebam treinamentos de suas companhias, aqueles que voam na aviação privada nem sempre têm acesso a informações de boa qualidade. Um profissional que pilota vários modelos de aeronaves, por exemplo, pode estar correndo riscos elevados pela falta de capacitação plena em cada uma delas. Além do domínio da programação dos aviônicos, a segurança exige que o piloto esteja preparado para a circulação aérea à sua frente. Conhecer bem as cartas, rotas RNAV e procedimentos ATS e saber reconhecê-los no database do painel reduzem as improvisações. Ao contrário, quando o piloto apressado decola sem preparar os planos de voo eletrônicos, corre maior risco de sobrecarga de trabalho e consequentes erros de operação.A prosperidade do mercado de aviação depende de bons índices de segurança. E só serão obtidos por meio de atitudes positivas praticadas pelos operadores.


Por: Jorge Filipe Almeida Barros
Publicado em 22/05/2012, às 07h24 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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