Entenda os princípios legais, coberturas, exclusões e critérios de indenização aplicados ao setor aéreo no Brasil e no exterior
Acidentes aéreos envolvem não apenas questões operacionais e técnicas, mas também complexos processos jurídicos e financeiros. Um dos principais elementos nesse cenário é o seguro aeronáutico, cuja estrutura envolve coberturas para danos materiais, responsabilidade civil e exclusões específicas.
No Brasil, a legislação prevê responsabilidade objetiva do operador, que responde independentemente de culpa por danos a bordo, enquanto seguradoras avaliam condições contratuais e limites de cobertura conforme o tipo de operação e apólice contratada.
Muito se tem falado sobre acidentes aéreos pelas notícias recentes, não apenas no Brasil, mas no mundo. Independente das causas, que são devidamente investigadas pelas autoridades competentes e não há o que se especular, existe uma questão prática que envolve o seguro, que é a responsabilidade objetiva do operador. O que seria isso?
Legalmente, independente da culpa e dos fatores que contribuíram para aquele acidente, o operador é o responsável por todos a bordo. No caso de companhias aéreas, o emissor do bilhete também é solidário a essa responsabilidade.
Em linhas gerais os seguros aeronáuticos se dividem em coberturas de danos materiais e de responsabilidade civil à terceiros. O seguro para operadores de aeronaves abrange a cobertura de casco, que ampara os danos sofridos na aeronave, e de responsabilidade civil, que são para os danos causados pela aeronave a terceiros, a bordo ou em solo; existem exclusões de condições de cobertura como qualquer seguro, porém possuem coberturas acessórias até para atos de guerra e atentados terroristas.
No caso de prestadores de serviços para a indústria da aviação, existem coberturas de responsabilidade civil para cobrir danos que o prestador venha causar na falha ou erro na prestação de seus serviços. Ainda no âmbito do seguro de Responsabilidade Civil, temos também o seguro para os Operadores Aeroportuários, que contempla cobertura para danos causados a terceiros decorrentes de toda a operação do aeroporto no perímetro aeroportuário, seja lado ar ou lado terra.
Erro humano ou falha mecânica é algo passível de acontecer e são amparadas pelo seguro. No entanto, infringir intencionalmente alguma regra, atuar com irregularidades, e como consequência um acidente ocorrer, o seguro certamente poderá ser negado, pois existem tais exclusões na apólice.
Cada seguradora possui seu clausulado, mas de modo conceitual o seguro não cobrirá atos intencionais, como violação das normas aeronáuticas ou ilegalidades.
No caso de falha mecânica, por exemplo, o operador da aeronave terá seu seguro coberto, no entanto se após conclusão do processo de investigação confirmar a responsabilidade do fabricante ou da oficina de manutenção da peça/componente, o seguro do fabricante/oficina deverá responder. Por esta razão, ambos devem não apenas possuir seguro, mas também ser acionados de forma preventiva, até que o processo de investigação seja concluído.
Fato é que uma investigação de um acidente aéreo nunca é elaborada para ser utilizada para outros fins que não seja a prevenção, no entanto, na prática, ela é sim utilizada pelas partes envolvidas para “divisão de responsabilidades”, pois existem interesses financeiros que precisam se basear em informações formais para esse tipo de tratativa.
Referente ao processo indenizatório envolvendo vítimas fatais, no Brasil, com o histórico de grandes acidentes aeronáuticos nas últimas décadas, podemos dizer que temos um processo bem estabelecido, acompanhado por autoridades e representantes do legislativo que já possuem experiência em lidar com um tema tão sensível.
O valor de uma indenização é tratado caso a caso, não existe uma tabela, muito menos é correlacionada aos limites da apólice de seguros. O que existem são parâmetros baseados em jurisprudências e o valor será calculado com base em critérios legais que envolvem desde a idade, rendimentos, núcleos familiares, nacionalidade, entre outras particularidades que podem existir caso a caso.
No Brasil, o único seguro obrigatório é o RETA, que é um seguro de responsabilidade civil do explorador e do transportador aéreo com limites pré-definidos. Os demais seguros citados e seus respectivos limites ficam a critério do operador que podem ser exigidos a contratá-los em função de cláusulas contratuais de leasing, prestações de serviços etc. No caso de aeronaves privadas, sem contratos financeiros associados, a contratação fica a exclusivo critério do operador e proprietário da aeronave.
No exterior, por exemplo na Comunidade Europeia, é exigido um seguro de responsabilidade civil com limites que variam de acordo com o peso máximo de decolagem da aeronave e configuração de assentos. Ou seja, mesmo uma aeronave de matrícula brasileira, o operador deverá apresentar o seguro com as coberturas e limites que atendam os requerimentos das autoridades locais.
Infelizmente, o seguro ainda é uma questão cultural que precisa ser melhor disseminada e haver uma conscientização dos riscos associados e suas consequências. A adesão ao seguro precisa ser vista para auxiliar e agregar real valor, tendo parceiros e empresas com experiência e não como mais um custo, quando buscam focar apenas no preço independente das condições oferecidas.
Neste mesmo sentido e associado ao seguro, precisamos também de uma cultura de segurança de voo mais atuante, pois prevenir é o melhor caminho para que vidas sejam salvas e que o seguro não precise ser utilizado. E claro, caso a apólice venha a ser acionada, que ela tenha coberturas adequadas e parceiros experientes para assessorar o operador naquele momento.
*Regis Lima é diretor de aviação da Wiz Corporate
Formado em administração pela Unesp e com MBA pelo IBMEC,
atuou na TAM Airlines & LATAM Airlines Group
Por Regis Lima*, especial para AERO Magazine
Publicado em 07/04/2025, às 08h00 - Atualizado em 19/05/2025, às 12h00
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