Critérios de segurança ajudam na hora de definir o sistema de aviônicos de uma aeronave pessoal
Desde que surgiram nos anos 1990, os recursos de navegação baseados no sinal do sistema GPS vem encantando pilotos e proprietários de aeronaves. Aos poucos, esses aparelhos incorporaram outras funções, tais como alertas contra colisão com o terreno, telas de planos de voo eletrônicas e cálculos de combustível. Em paralelo, os horizontes artificiais mecânicos foram paulatinamente dando lugar aos sistemas de orientação de posição espacial que utilizam raios laser viajando dentro de fibras óticas. Os módulos chamados "AHRS", caríssimos nos tempos dos Boeing 767, agora estão acessíveis a qualquer aeronave leve. Nos últimos anos, os experimentais receberam sistemas informatizados que fariam a tripulação de um 737 da VASP morrer de inveja.
No segmento de aviação geral é comum encontrarmos aeronaves cujos sofisticados painéis se tornaram o maior desafio para a capacitação do piloto. Hoje, vários operadores aéreos já exigem experiência em suítes como o painel Garmin G1000 e o Honeywell Pro Line 21 na hora de contratar pilotos. Mas os custos de aquisição de um painel completo pode significar um terço do preço total da aeronave. Em alguns casos, como o do experimental RV10, o valor chega a quase metade do preço do avião inteiro. Há razão para tanta tecnologia? Será que a existência de um sofisticado sistema de aviônicos garante mais segurança? Quanto, afinal, a complexidade de um conjunto de telas eletrônicas a bordo beneficia o piloto ou sua segurança?
Um sistema de aviônicos deve estar de acordo com as necessidades da operação que se pretende numa determinada aeronave. Um avião do GEIV (Grupo Especial de Inspeções em Voo), por exemplo, deverá ter aviônicos suficientes para cumprir sua missão de navegar por instrumentos até os auxílios a navegação e lá ter capacidade de verificar o seu perfeito funcionamento. Já o painel de uma aeronave que voa em rotas oceânicas deve contar com sistemas de navegação específicos para áreas remotas. Porém, quando se trata de uma aeronave de aviação geral, sem uma missão específica, ficam indefinidos os requisitos operacionais de sistemas embarcados, o que pode levar a escolhas insensatas. Algumas reflexões podem ajudar na decisão do tamanho certo da aviônica para o uso cotidiano.
REGRAS VFR
Aviões que voam em regras VFR, como os experimentais de uso pessoal, devem trazer a bordo sistemas que ajudem na expansão da visão do piloto. Nessas regras é necessário que o tripulante olhe constantemente para fora e à frente do seu cockpit. Sua visão é diretamente responsável pelo voo estável, uma vez que compara a posição espacial da aeronave com o horizonte natural. Mas o horizonte natural pode estar obscurecido por névoa seca, comum no Centro-Oeste, pela poluição da grande São Paulo, por colunas de chuva etc. Ainda que as condições de voo permaneçam VMC, um horizonte artificial pode ser útil. E se o operador resolver instalar um, melhor que seja eletrônico, pelas diversas vantagens que leva sobre sistemas mecânicos. Neles não há rolamentos e articulações que exijam manutenção rotineira. E na tela, além da posição espacial, podem ser apresentadas informações sobre os ventos em altitude, rumos magnéticos, proas derivadas de bússolas eletrônicas, navegação RNAV, entre outros itens. Não estamos aqui incentivando pilotos que voam VFR a se preparar para condições IMC, absolutamente. Mas mesmo as condições VMC esperadas na rota podem evoluir para situações durante as quais um horizonte artificial eleva a percepção sensorial do piloto.
Painel Garmin Perspective no Cirrus SR-22 Plus
Em seu rol de atividades, o piloto deve evitar que sua aeronave colida com o solo, com outra aeronave ou com formações meteorológicas perigosas. Mas os cenários e imagens captadas pelos olhos podem ser traiçoeiros. Pôr do sol, nuvens em morros, falta de contraste nas paisagens, o litoral no período noturno, a fusão de cores entre as nuvens e o solo, tudo isso coloca a segurança do voo VFR em risco. Portanto, aviônicos que ajudem o piloto a entender melhor aquilo que vê serão extremamente úteis.
Os detectores de colisão de terreno, por exemplo, são ferramentas válidas em diversas circunstâncias. Os mais populares se baseiam em softwares que confrontam informações de rumos e altitudes com bases de dados de relevo, carregadas nos navegadores baseados em sinal GPS. Geralmente apresentam cores que codificam as distâncias do plano que aeronave voa com os pontos mais proeminentes do terreno. Alertas visuais e sonoros surgem quando a sua trajetória indica colisão iminente. O uso correto do recurso exige que o piloto continue estudando previamente o relevo sobre o qual voará e que não deixe de olhar para fora da cabine durante o voo.
AS TECNOLOGIAS DEVEM TRABALHAR EM BENEFICIO DA SEGURANÇA. MAS, SE SUA COMPLEXIDADE DE OPERAÇÃO FAZ ELEVAR EM DEMASIA A CARGA DE TRABALHO DO PILOTO, A UTILIDADE SE PERDE
Igualmente úteis, os detectores de tráfego voltados ao voo visual servem para antecipar a informação que outra aeronave está se aproximando. Mas de maneira nenhuma devem desviar a atenção do piloto ao ato de olhar para fora. Isso porque não são mais eficazes do que a visão humana. Dependendo da tecnologia que empregam, podem ser muito limitados. Os de menor custo, por volta dos US$ 1,000.00, utilizam as respostas dos transponders de outras aeronaves que se destinam às antenas dos radares secundários do ATS. Ocorre que em locais onde não há cobertura radar os transponders deixam de responder, tornando-os inócuos.
Começam a surgir detectores ADS-B, que captam os sinais emitidos por aeronaves equipadas com esse sistema. São pulsos eletrônicos dos transponders em modo "S", que emitem dados de navegação, como rumos, horas estimadas, origem e destino do voo. Um detector ADS-B portátil tem o preço em torno de US$ 800.00. No entanto, atualmente, a emissão ADS-B está restrita a jatos comerciais, cujas rotas já são propositalmente destacadas das destinadas ao voo VFR. A utilidade desses recursos estaria limitada aos espaços aéreos de classes C e D onde grandes jatos e pequenas aeronaves se encontram eventualmente.
O entendimento do cenário meteorológico à frente do voo é sempre um grande desafio. Para complementar o estudo da previsão meteorológica, obrigatório antes da decolagem, a detecção meteorológica a bordo pode ajudar muito. Além do tradicional radar meteorológico, de alto custo para algumas aeronaves monomotoras, existem mais três tecnologias. A segunda em grau de importância é baseada na leitura de descargas elétricas atmosféricas. O equipamento percebe onde elas estão e as aponta com ícones sobrepostos ao moving map. O equipamento exige alguma experiência do piloto, não somente na interpretação dos símbolos, mas também na imaginação dos cenários presumidos. Recentemente, o Decea colocou no ar a transmissão de informações meteorológicas por link de dados que visa substituir os serviços VOLMET. O D-VOLMET hoje emite para as aeronaves equipadas com sistemas ACARS os textos dos METAR e TAF. Finalmente, para as aeronaves experimentais ainda há a possibilidade de utilizar a rede de telefonia celular 3G para, em voo, obter informações diversas em seus tablets.
Na internet, surgem eventualmente imagens de pequenas aeronaves entrecortadas de fios de antenas e de alimentação elétrica de dispositivos portáteis improvisados na cabine. Em outras, sofisticados painéis contrastam com a simplicidade da aeronave, levantando a questão sobre onde estará o foco de atenção do piloto. É importante lembrar que as tecnologias devem trabalhar em beneficio da segurança. Mas, se sua complexidade de operação faz elevar em demasia a carga de trabalho do piloto, a utilidade se perde. Afinal, a diferença do remédio e do veneno pode ser uma simples questão de dose.
| Jorge Filipe Almeida Barros
Publicado em 14/05/2013, às 06h10 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
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