De autogiros a aeronaves elétricas, feira aeronáutica realizada no sul da Alemanha celebra o aerodesporto com exposição de novidades para o mercado de aviação leve
Para muitos, a ideia de uma feira de aviação no exterior remete automaticamente aos Estados Unidos. Mas a Europa também promove grandes eventos aeronáuticos. Um dos mais renomados acontece anualmente na Alemanha, na cidade de Friedrichshafen, sul do país. Trata-se de uma concorrida exposição voltada à aviação aerodesportiva, às margens do lago Constance, que separa Alemanha, Áustria, Suíça e Itália. Um lugar raro, cuja beleza da natureza contribuiu apenas em parte. Cercado de montanhas cobertas de neve a maior parte do ano, o lago oferece um espetáculo por si só. No entanto, coube aos habitantes do lugar fazer o resto. Destruída por bombardeios na Segunda Guerra Mundial, a cidade voltou a se reestruturar a partir dos anos 1950. Ao longo das décadas se desenvolveu com o foco em qualidade de vida, mais que em tamanho. As ruas bem calçadas, sinalizadas e limpas têm trânsito humanizado, que convive pacificamente com carrinhos de bebê, idosos e bicicletas. Uma grande orla à beira do lago atrai famílias em passeios com seus filhos por jardins floridos, plantados no antigo quintal de Ferdinand Graf Von Zeppelin. Ilustre morador da cidade, esse nobre alemão deu origem ao maior empreendimento aeronáutico anterior à Segunda Guerra Mundial. Em 1928, lançou o primeiro de dois enormes dirigíveis para passageiros, que iriam voar pelo Atlântico, ligando a Europa aos EUA ao Brasil. Os dirigíveis foram fabricados sobre docas, de frente para onde hoje fica o museu Zepellin.
O centro de exposições Messe-Friedrichshafen abriga o prédio atual da empresa, hoje voltada a outros empreendimentos. Num complexo de 12 hangares, diversas exposições se sucedem ao longo do ano. O lugar oferece ao visitante um ambiente abrigado das intempéries, climatizado e muito confortável. No hall central, alguns aviões especiais, dependurados no teto, indicam que a eficiência aerodinâmica será o tom da Aero Friedrichshafen 2013. Logo no primeiro hangar, o ambiente favorece os amantes de planadores. São vários os modelos, sendo os motorizados em maior número - se no passado dependiam de aviões rebocadores, atualmente quase não mais. Os mais sofisticados vêm equipados com conjuntos motopropulsores retráteis, acondicionados dentro da fuselagem, bem atrás da nacele do piloto. Um cabo de aço liga o berço do motor a um ponto recuado na cauda, e tem a finalidade de transferir o empuxo à fuselagem. Também serve para impedir que ele atinja a nacele, no caso de um acidente. Mas, nem todos os motores apresentados tem força suficiente para decolar o planador. Geralmente, são úteis para trazer o piloto de volta, quando ele não encontra correntes térmicas que o façam subir novamente. Na iminência de pousar forçado, o piloto se despoja do orgulho, aciona o motor e voa um pouco mais. Por isso, alguns têm hélices muito pequenas, instaladas em motores elétricos na cauda ou no nariz.
Não é o caso do modelo Antares 20E, fabricado pela empresa alemã Lange Aviation GmbH. O equipamento decola com força própria, utilizando um poderoso motor elétrico. Com potência total, a autonomia da bateria será de apenas 15 minutos, mas suficiente para lançá-lo a 3.500 m (10.000 pés) de altura. O representante da marca explica que o mais usual é o piloto utilizar plena potência apenas para sair do chão e, então, subir devagar para altitudes menores, nas quais já consiga ingressar em correntes térmicas. Assim, lhe sobrará energia para alguma situação inesperada.
Os três hangares seguintes levam o visitante por uma efusão de belíssimos projetos de ultraleves e aeronaves esportivas, que enchem os olhos e aquecem o coração. Várias marcas, já conhecidas no Brasil, estão com seus estandes bem visíveis, como é o caso de Tecnam e Pipistrel. É visível a preponderância de aeronaves de asa baixa. Vários são os modelos, cujos engenheiros preferiram o abrigo da regulação europeia de ultraleves, em vez das normas que amparam os Light Sport Aircraft (LSA).
Limitam-se ao peso máximo de decolagem de 472,5 kg (ultraleves europeus) e permanecem livres das restrições de velocidade. Os LSA, por sua vez, na Europa, EUA e Brasil seguem restritos a 600 kg de peso máximo de decolagem, além de não poder voar acima dos 220 km/h (120 kt) - leia mais no artigo da página 52.
E esse é um grande dilema. Ninguém fora dos governos parece estar convencido de que voar lentamente é mais seguro. Por isso, há vários projetos de aviões experimentais, enquadrados como ultraleves, de asas baixas, cujos ocupantes foram dispostos um atrás do outro, em "tandem" militar. Segundo os expositores, o formato estreito reduz o arrasto, fazendo a velocidade crescer um pouco mais. Um exemplo disso é o alemão Blackshape Prime. A marca faz questão de divulgar não somente o produto em si, mas os fatores que lhe agregam valor.
Deu-se ênfase na qualidade de produção, para a qual teve aprimorada a precisão métrica na produção dos componentes, a qualidade dos materiais empregados e a organização geral da empresa. Não deixam de enfatizar o desempenho da aeronave, que, com motor Rotax 912, voa com 275 km/h (150 kt).
Na contramão dessa tendência aparece o Pipistrel Virus SW, de asa alta. Com o mesmo motor Rotax 912, chega aos 295 km/h (160 kt). Seu desempenho fez a empresa eslovena Pipistrel vencer por duas vezes, em 2007 e 2008, os concursos promovidos pela NASA.
Motor elétrico do Evektor EPOS (acima) e Rotax 912 IS / Tecnam 2010
A italiana Tecnam veio com dois lançamentos importantes. O P2010 parece uma aeronave que pretende atender a um público mais exigente porque está buscando sua certificação na EASA europeia e na FAA norte-americana. De asa alta, com fuselagem em compósito, vem equipada com motor Lycoming de 180 hp mais painel Garmin G1000. Oferecendo melhor desempenho e linhas mais belas, tenta seduzir os que dedicam fidelidade aos Cessna 172/182. Lembra um P2008, produzido pela Flyer de Sumaré, no interior de São Paulo, mas oferece quatro lugares e dispõe de acesso facilitado aos passageiros de trás através de uma terceira porta, na lateral direita da aeronave. Segundo seus representantes, tão logo obtenham a certificação EASA/FAA, irão buscar a aprovação da Anac.
O outro lançamento da Tecnam é uma reedição do conhecido P2002 Sierra de Luxe, que agora recebe o nome Astore. Do antecessor, herdou apenas as asas. Todo o resto foi desenvolvido com a finalidade de se obter mais espaço útil. Agora, com uma cabine maior, de 1,15 m de largura e 0,98 m de altura do banco ao teto, tem como alvo o mercado norte-americano. Mas pode ser interessante ao Brasil, já que a marca possui representante nacional e o modelo, preço competitivo.
O caminhar pelos hangares não é difícil, os corredores são amplos e bem sinalizados. No intervalo deles há sempre um bistrô elegante, para fazer uma refeição ou simplesmente tomar um café. Os amantes da bebida terão dificuldades em resistir à panificação alemã com toda sua excelência. Ao lado de cada cafeteira há sempre uma vitrine, repleta de tortas de frutas em calda cobertas com gelatina, que provocam uma reflexão profunda sobre o sentido de se fazer dieta.
As pessoas que visitam a exposição são principalmente de meia idade, atentas aos lançamentos, mas também aos produtos clássicos. O público feminino está presente, ora analisando os produtos aeronáuticos ou assistindo às palestras, ora acompanhando homens que carregam muitos folhetos. Mas há estandes que oferecem produtos voltados exclusivamente a elas, como roupas finas em couro, apetrechos de manicure ou bolsas elegantes.
Dentre os produtos clássicos muito visitados, estão os autogiros. Também chamados de girocópteros, tem público cativo na Europa, onde empresas bem estruturadas produzem diversos modelos. Diferem dos helicópteros, nos quais a força do motor faz acionar o rotor, que lhe dá sustentação. Nos helicópteros, o plano do rotor é alterado com o comando cíclico, que inclinado para frente provoca o deslocamento. Já nos autogiros, o rotor é movido pela força do vento que o atravessa, provocado pelo deslocamento horizontal do aparelho. Na medida em que a propulsão convencional o empurra para frente, a massa de ar que colide com o rotor faz com que ele permaneça girando, produzindo a sustentação que o aparelho precisa para voar. Se a decolagem é corrida, como um avião, todo o restante do voo se parece com um helicóptero, inclusive o pouso vertical, quando o autogiro utiliza a inercia do movimento das pás para preservar a sustentação, quando a velocidade já é baixa. Isso gera o efeito de freio aerodinâmico e permite ao piloto pairar por alguns segundos, enquanto posiciona corretamente o autogiro para o toque suave no solo.
São modelos voltados a um ou dois ocupantes, com ou sem carenagem de proteção. Os mais sofisticados têm a cabine fechada com portas panorâmicas e chegam a 180 km/h (100 kt). Um dos projetos mais atraentes é o do J-RO da empresa francesa DTA (jro-dta.com), equipado com motores Rotax 912 ou 914. Com peso máximo de decolagem de 450 kg, leva duas pessoas e 70 litros de combustível. Decola em 100 metros, voa em cruzeiro a 165 km/h (90 kt) e utiliza apenas 30 m para pousar. O ponto forte nesse tipo de aeronave é a sensação que os ocupantes têm de realmente estarem "voando" já que há poucas carenagens e nenhuma asa visível.
Cada hangar concentra produtos de mesma categoria ou similares. Sendo uma exposição indoor, o espaço interno é mais privilegiado do que as exposições ao ar livre. Lá fora, aviões maiores aguardavam o grande público. Mas, sem demonstrações aéreas, ele não veio. Era dentro dos hangares que as pessoas buscavam as novidades. E os aviões elétricos chamaram a atenção, com destaque para dois modelos. O primeiro deles é o Evektor EPOS (Eletric Power Small Aircraft). Uma aeronave elétrica derivada da conhecida Evektor Sportstar, já comercializada no Brasil pela Nova Aeronáutica de Rio Claro, em São Paulo. O conceito é simples, basta carregar suas baterias e elas alimentarão um motor elétrico que fará girar a hélice. Mas a aeronave está limitada a 1 hora de autonomia, já que, depois disso, é necessário pousar para recarregá-las. Ainda que o motor desenvolva 50 kW (68 hp), pesando apenas 17 kg, o conjunto de baterias pode significar um passageiro a menos. Cada um dos quatro módulos pesa 56 kg. Portanto, motor, baterias e acessórios consumirão cerca de 260 kg. No mesmo modelo equipado com propulsão convencional, motor e combustível pesam em torno de 160 kg, e a autonomia é de 4 horas.
A questão principal, no entanto, vai além dessas comparações. Uma nova perspectiva de motorização está surgindo, na medida em que tecnologias de armazenamento de energia elétrica sejam desenvolvidas. Isso estende a fronteira do conhecimento na aplicação de energia renovável. O segundo modelo de aeronave elétrica exposto em Friedrichshafen pode ser um exemplo disso. O SolarWorld E-One é uma aeronave também equipada com motorização elétrica. Pesa cerca de 110 kg, leva apenas o piloto e seu peso máximo de decolagem não passa dos 300 kg. Embora seu motor seja menos potente, apenas 16 kw, com 4,5 kg de peso, utiliza baterias de 100 kg e sua autonomia pode ir além das 8 horas. Isso porque, elas são recarregadas em voo, por meio de energia solar. O uso das asas como área de exposição de células fotovoltaicas garante a reposição da energia. Esse, provavelmente, será o terceiro segmento tecnológico a ser aprimorado.
Enquanto a eletricidade não se viabiliza como energia propulsora, todos buscam alternativas aos tradicionais e pesados motores a pistão. E, de fato, elas estavam lá. Havia diversos modelos de dois e quatro tempos, produzidos na Alemanha, Itália, Republica Tcheca e Polônia. Mas, aparentemente, sofriam com a preferência que os Rotax exercem sobre os construtores de aeronaves leves. Vários estandes apresentavam o Rotax 912 "IS", como adição de valor em suas aeronaves. O modelo, que já contava com ignição eletrônica no lugar dos magnetos, recebeu um sistema de injeção eletrônica de combustível.
Mesmo arcaicos para qualquer automóvel, bons carburadores ainda são necessários aos pequenos aviões. No entanto, a injeção de combustível chega prometendo partidas mais fáceis, consumo menor e melhores curvas de potência. Só que isso não basta. Aeronaves desportivas precisam dispor de boas relações de peso e potência.
O Rotax 912 IS continua pesando cerca de 65 kg e desenvolve 100 hp. E o seu concorrente mais próximo, o belga Ulpower oferece potências entre 100 e 130 hp em motores injetados eletronicamente, com cerca de 75 kg de peso. As marcas Continental e Lycoming também levaram seus motores pequenos que desenvolvem cerca de 85 kW (115 hp) e pesam 140 kg. Mas, sem alternadores incorporados, algum peso extra ainda terá que ser adicionado. Continuam equipados com carburadores ou injeção mecânica de combustível, mas acabaram de receber a ignição eletrônica em substituição aos magnetos. Afirmam se beneficiarem de décadas de evolução e de terem conquistado confiabilidade comprovada em milhões de horas voadas. Um argumento forte, mas que vem encontrando contrapontos na era do FADEC (Full Authority Digital Engine Control). Nessa nova tecnologia, a injeção eletrônica de combustível é parte de um sistema maior que gerencia todos os parâmetros de motor.
Células fotovoltaicas do SolarWorld
A quantidade de ar admitido mediante a posição do manete de potência; a RPM do motor, a temperatura do ar mais a altitude; e o momento preciso na centelha das velas, sincronizado com a injeção de combustível no volume correto. Isso requer computadores e eles dependem do sistema elétrico da aeronave. Ou seja, há agora um maestro dedicado à regência harmoniosa dos componentes do motor, mas intolerante a eventuais panes em alternadores, baterias ou módulos eletrônicos. Portanto, a qualidade dos FADEC parece ser o novo diferencial na indústria de motores convencionais.
Para aficionados em aviação leve, haveria muito mais a conheDivulgaçãocer. Não faltaram pães, salsichas ou canecas de cerveja. Mas o tempo é escasso, já que se trata de uma grande exposição com foco técnico, e repleta de novidades. Definitivamente, a criatividade aeronáutica se encontra em Friedrichshafen.
Texto E | Fotos | Jorge Filipe Almeida Barros, De Friedrichshafen
Publicado em 11/06/2013, às 06h19 - Atualizado em 27/08/2013, às 22h37
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