A falta de cuidado a aeronave no solo pode se tornar um fator contribuinte para desfechos indesejados durante um voo
A manutenção de aeronaves desempenha um papel crítico na segurança da aviação. Quando a manutenção não é realizada adequadamente, ou quando há falhas nos procedimentos de manutenção, isso pode contribuir significativamente para acidentes e incidentes aéreos.
Ela é um processo contínuo e rigoroso que objetiva garantir que uma aeronave esteja sempre em uma condição segura e operacional. Isso envolve uma série de procedimentos e verificações realizados regularmente para detectar e corrigir problemas potenciais. O objetivo final da manutenção é garantir que a aeronave esteja em conformidade com os padrões de aeronavegabilidade e pronta para operações seguras.
No processo de manutenção, diversos fatores podem contribuir para a ocorrência de problemas, falhas ou acidentes se não forem gerenciados adequadamente. É crucial identificar e abordar esses fatores contribuintes para garantir a segurança e o desempenho confiável das aeronaves.
De acordo com o Manual do Comando da Aeronáutica (MCA 3-6), fator contribuinte está relacionado à condição (ato, fato, ou combinação deles) que, aliada a outras, em sequência ou como consequência, conduz à ocorrência de um acidente aeronáutico, um incidente aeronáutico ou uma ocorrência de solo, ou que contribui para o agravamento de suas consequências. Os fatores contribuintes se classificam, de acordo com a área de abordagem da segurança operacional.
Em relação à manutenção aeronáutica deve-se ressaltar que é uma área específica para a qual se exige qualificação técnica diferenciada com cursos próprios para atuação na área. A indústria aeronáutica envolve uma complexa organização de manutenção, cuja finalidade é deixar as aeronaves operacionais, ou seja, garantir a aeronavegabilidade.
Uma preocupação constante na área de manutenção aeronáutica está relacionada com os possíveis erros humanos, que podem ocorrer a qualquer momento durante o desenvolvimento das atividades pelas equipes de manutenção. O resultado desses erros a curto, médio e longo prazos podem ter efeitos catastróficos para uma organização.
Assim, o principal objetivo da manutenção de aeronaves é manter o estado de confiabilidade e segurança estabelecidos no projeto inicial do fabricante, por meio de intervenções preventivas e corretivas, executando manutenções periódicas, correções de falhas reportadas e modificações do projeto (como diretrizes e boletins de serviço), deixando, assim, a aeronave operacional seguindo os critérios estabelecidos para manutenção de aeronaves conforme o Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica (RBHA 43).
Em outras palavras, é por meio da manutenção que a aeronavegabilidade é restaurada quando ocorre uma pane, retornando a aeronave para a condição segura para a qual foi certificada. Quando essa atividade não é bem gerida ou executada, cria-se um ambiente propício para desenvolver condições latentes, que podem enfraquecer as defesas inerentes da segurança do sistema e desencadear falhas ativas, conduzindo a ocorrência de acidentes e/ou incidentes aeronáuticos (ICAO, 2005).
A manutenção aeronáutica tem por objetivo conservar e preservar a aeronave em condições aeronavegáveis. O trabalho de manutenção e inspeção de aeronave é um processo complexo que requer diversas tarefas, conhecimentos técnicos e procedimentos específicos. Para Beard e Ahumada (2003), o trabalho da equipe de manutenção é uma peça fundamental no sistema da aviação, pois sua principal responsabilidade é identificar e reparar defeitos em diversos sistemas da aeronave.
Dessa forma, pode-se afirmar que, na sua essência, o trabalho de manutenção de aeronaves busca garantir as condições de funcionamento e de segurança necessárias para a preservação da integridade das pessoas e das aeronaves, estando diretamente associado à garantia da aeronavegabilidade, e aos conceitos da segurança de voo.
Os profissionais responsáveis pela manutenção de aeronaves podem atuar no setor de fabricação de aeronaves e de seus componentes, na manutenção de linha de operadores aéreos, em hangares especializados das companhias aéreas, em oficinas dedicadas a recuperação de componentes.
O fator contribuinte na manutenção de aeronaves é classificado de acordo com taxonomia de eventos encontrados na legislação vigente. A taxonomia é uma técnica de classificação dos tipos de fatores contribuintes para acidentes e incidentes aeronáuticos, descrita de acordo com as características da operação nacional aeroportuária (BRASIL, 2017).
Estudos mostram que, em média, 80% dos erros de manutenção envolvem fatores humanos (Graziano/2016 e França/2014).
Apesar dessa afirmação, discute-se ainda que a responsabilidade por uma ocorrência aeronáutica não pode ser imputada somente à pessoa, ou seja, ao ser humano envolvido no episódio.
Um acidente ou incidente aeronáutico, geralmente, provém de diversos fatos que, unidos, culminam nessa ocorrência. Muitas vezes, a falha humana é gerada ou imposta pelo próprio ambiente em que ocorre devido às suas características e principalmente à cultura.
Em geral, erros humanos que ocorrem nos sistemas de aviação podem ser divididos em dois tipos:
Para o processo de manutenção de aeronaves, a cada tarefa realizada pelos técnicos, surge uma nova oportunidade para o erro humano ser introduzido. Os erros de manutenção de aeronaves podem ocorrer de duas formas específicas:
Um erro que resulta em um problema específico da aeronave que não existia antes da tarefa de manutenção ser iniciada; e um erro que resulta em uma condição indesejada ou insegura e permanece sem ser detectada, durante a execução de uma tarefa de manutenção projetada para detectar problemas na aeronave, ou seja, alguma coisa está faltando (CAA, 2002a).
De acordo com CAA (2002b), o estudo dos fatores humanos em ambiente de aviação geralmente é direcionado à tripulação de voo e, em menor escala, aos controladores de tráfego aéreo. Esse olhar acaba por ser um sério descuido, devido ao grande impacto negativo que erros no processo de manutenção acarretam para a segurança de voo.
Em alguns casos, o erro humano foi o principal fator contribuinte do acidente, enquanto em outros, a discrepância resultante da manutenção foi apenas um elemento participante na cadeia de eventos que resultaram no acidente. Vale ressaltar que a contribuição de fatores humanos em acidentes aeronáuticos chega a 70% a 80% dos ocorridos na aviação civil e militar (WIEGMANN, D. A.; SHAPPELL, S. A., 2001).
Importante ressaltar alguns pontos pelas quais a manutenção de aeronaves pode ser um fator contribuinte para problemas na aviação, a saber:
Gerenciar esses fatores contribuintes requer procedimentos e protocolos rigorosos, treinamento contínuo, supervisão eficaz e uma cultura de segurança sólida nas operadoras e empresas de manutenção de aeronaves. A segurança é a principal prioridade na aviação, e a prevenção de problemas relacionados à manutenção é essencial para garantir a integridade das aeronaves e a segurança das operações aéreas.
As empresas de manutenção de aeronaves também são submetidas a auditorias e supervisão regulatória para garantir que cumpram os padrões de segurança. A manutenção é uma parte vital da segurança operacional, e os esforços contínuos são feitos para melhorar a qualidade e a eficácia da manutenção para garantir que as aeronaves permaneçam seguras em serviço.
A fiscalização na manutenção de aeronaves é uma parte crucial da aviação, projetada para garantir que as aeronaves estejam em conformidade com padrões rigorosos de segurança e manutenção. Essa fiscalização envolve várias entidades e procedimentos para garantir a integridade e o desempenho das aeronaves.
Alguns aspectos importantes estão relacionados à fiscalização na manutenção de aeronaves:
A fiscalização na manutenção de aeronaves é essencial para garantir a segurança dos passageiros, da tripulação e da carga. O não cumprimento dos padrões estabelecidos pode resultar em penalidades, suspensão de certificações e outras medidas corretivas para garantir a conformidade.
Ao destacar a importância da manutenção de aeronaves como fator contribuinte, cabe ressaltar que os itens que forma abordados na construção deste trabalho, principalmente com relação a formação deste profissional com cursos específicos para atuação na área.
O trabalho buscou apresentar sobre o objetivo da manutenção de aeronaves, que requer diversas tarefas, conhecimentos técnicos e procedimentos específicos. A manutenção de aeronaves é um pilar essencial para a segurança e a eficiência na aviação. A segurança que busca explorar medidas para mitigar erros, além de adotar práticas com foco na prevenção de acidentes.
O ser humano tem as suas limitações naturais, é o elo mais sensível no sistema, e para que não seja induzido ao erro, se faz necessário adotar medidas de prevenção, a utilização de ferramentas que como o treinamento que prepara o profissional para que sejam utilizadas práticas de segurança.
A fadiga é um dos fatores contribuintes para muitos erros de manutenção, resultando em acidentes. Cumpre ressaltar que os técnicos de manutenção estejam cientes dos sintomas da fadiga e sejam incentivados a adotar hábitos que a previnam, como o sono regular, a prática de exercícios físicos e o planejamento de tarefas para que não se acumule trabalho para curtos períodos.
As ações de fiscalização nas empresas de manutenção são feitas sem monitoramento prévio. Além disso, todos os requisitos necessários para homologação são verificados na própria empresa durante as ações de fiscalização.
Dessa forma, os fatores contribuintes são descritos como condições que aumentam a probabilidade de ocorrência de erros, sendo caracterizados como aspectos que afetam negativamente a execução de tarefas por mecânicos e inspetores aeronáuticos.
* Hilton Rayol Filgueira é comandante de Aeronave Airbus 320. Bacharel em Ciências Aeronáuticas (ICESP). MBA em Gestão Aeroportuária (ICESP). Pós-Graduado em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada (ITA). Pós-graduado em Gestão em Direito Aeronáutico (UNISUL). Capacitação profissional em Direito Aeronáutico, Perito Judicial Aeronáutico e Segurança de Voo (CENIPA). Cursos de Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional (ANAC). Autor do livro “Aspectos Contemporâneos do Direito Aeronáutico”. Possui mais de 30 anos de experiência em voos comerciais.
* Alessandro Magno Azzi Laender tem Graduação em Direito e Administração, Pós-graduado em Direito Aeronáutico, MBA em Gestão Aeroportuária, Coordenador e Professor Pós-graduação em Direito Aeronáutico na Faculdade Cedim, Ganhador da Medalha de Honra ao Mérito 150 anos Santos Dumont agraciado pela Força Aérea Brasileira, Membro Fundador da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB MG. Autor dos livros “Direito Securitário na Aviação”, “Direito Aeronáutico Volumes I, II, III”, “Direito Aeronáutico e o Táxi-Aéreo” e “Direito Aeronáutico para Tripulantes”.
Por Alessandro Magno Azzi Laender e Hilton Rayol Filgueira*
Publicado em 21/10/2024, às 06h00
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