Motor de sua aeronave exige cuidados especiais. Ao longo da vida útil de 2.000 horas de operação, um propulsor que trabalhe a 2.500 rotações por minuto terá exposto seus pistões a exatas 150 milhões de explosões
O voo seguro depende de uma ampla variedade de fatores. A saúde da aeronave é um dos principais e está intimamente ligada à boa qualidade dos processos de acompanhamento do desgaste de todos os seus componentes. São ações dos serviços de manutenção comparar o estado atual do componente com o estado e as medidas de um novo. Quando a diferença alcança o valor máximo estabelecido pelo fabricante, é hora de substituí-los. Assim se faz na avaliação dos sulcos dos pneus, da espessura de discos e pastilhas de freio, da saturação de resíduos de carbono no óleo lubrificante e assim por diante. No universo de todos os componentes, merecem mais atenção e frequência de inspeções aqueles que mais se movimentam ou sofrem esforços próximos de seu limite de suportá-los.
Nessa lógica, é de se esperar que as velas dos cilindros sofram inspeções mais frequentes do que as longarinas das asas, por exemplo. Se a aeronave tiver sido desenhada para acrobacias radicais, no entanto, é provável que essa prioridade se inverta. Depende de como os engenheiros calcularam o desgaste em cada componente e como se espera que a aeronave seja utilizada. O fato é que onde houver mais atrito, haverá mais chances de algo sair errado. Veja o caso de um helicóptero, que precisa ser inspecionado com maior regularidade em seus comandos de voo do que um avião, pois numa aeronave de asas rotativas os esforços mecânicos sofridos pelos componentes são maiores.
Em alguns casos, tais esforços podem ser reduzidos por meio de uma operação de pilotagem mais branda, com ações mais suaves nos comandos e aplicação de regimes que façam poupar o desgaste prematuro de peças. Nos pousos, o piloto pode poupar seus freios, deixando o avião correr mais na pista até parar, desde que isso não o coloque em risco. Pode também escolher regimes de potência que façam aquecer menos o motor ou alterar sua temperatura lentamente, ou, ainda, evitar a pré-ignição, aplicando regimes adequados de pressão de admissão e rpm da hélice.
Nas companhias aéreas há todo um esforço de busca de regimes de operação que produzam mais longevidade aos componentes. A aviação geral, no entanto, não conta com tantos recursos. Geralmente, tem à sua disposição tão somente o manual da aeronave, escrito em inglês, algumas orientações dos mecânicos e só.
Por isso, é importante que se dedique a buscar informações de qualidade. E as mais valiosas fontes são os fabricantes das aeronaves ou de seus componentes. Na aviação geral brasileira, a maioria das aeronaves é movida por motores convencionais, produzidos principalmente por dois grandes fabricantes globais, Lycoming e Teledyne Continental. Neles há partes robustas que apresentam pouco desgaste, como eixos de manivela, blocos do motor, bombas de óleo, de gasolina ou carburadores. Mas há outras que trabalham sempre próximas de seus limites, em altas temperaturas e elevados números de ciclos, como pistões, válvulas e seus comandos, e partes superiores de cilindros. Ao longo da vida útil de 2.000 horas de operação, um motor que trabalhe a 2.500 rotações por minuto terá exposto seus pistões a exatas 150 milhões de explosões. Por isso merecem cuidados especiais por parte dos pilotos, dos proprietários e mecânicos de manutenção.
`Pensando nisso, os dois fabricantes mantém publicações disponíveis na internet que alertam e dão dicas de como prevenir problemas. A Lycoming disponibiliza o link http://lycoming.textron.com/support/tips-advice/key-reprints/pdfs/Key%20Operations.pdf enquanto a publicação da Teledyne Continental pode ser obtida pelo http://www.redskyventures.org/doc/cessna-maintenance-manuals/Continental-Engine-Handling-Tips-Illustrated.pdf, ambos gratuitos. As duas publicações dão ênfase em cuidados relacionados com a operação das aeronaves que nem sempre constam nos manuais das respectivas aeronaves, como estes que compilamos abaixo.
Motores precisam girar. A inatividade prolongada faz evaporar a fina película de óleo que se mantém nas camisas dos cilindros. Sem óleo, a umidade começa a agir e em pouco tempo as partes internas do cilindro passam a criar corrosão. Ela consome material e altera as medidas das folgas. Quando a partida é dada, nos primeiros segundos, toda a ferrugem será misturada a nova camada de óleo e poderá riscar as paredes internas, prejudicando a retenção da nova película que precisa se formar. Além disso, corrosão e resíduos de carbono se formam em lugares que dificultam a passagem de lubrificação ou nas superfícies das válvulas, impedindo-as de se fechar completamente. O resultado é uma queda na taxa de compressão dos cilindros e perda de potência do motor. Válvulas impregnadas de corrosão e resíduos de carbono travam porque não conseguem caminhar dentro de suas sedes. Forçado pelo comando de válvulas do cabeçote, o balancim flexiona e pode romper o envelope, duto dentro do qual viaja. O cilindro afetado deixa de produzir potência e o envelope rompido pode fazer perder óleo de lubrificação. Se o piloto demora a perceber o problema, pode perder todo o óleo do cárter.
A umidade do ar impregna no óleo e reage com os resíduos de carbono deixados pela queima da combustão interna. O resultado é uma reação química que cria ácidos. Eles passam a corroer o motor internamente. Essa umidade pode ser eliminada com a elevação da temperatura do óleo a valores obtidos em voo. Porém, os ácidos ficam e só serão removidos pela substituição do óleo. Por isso é recomendado trocar o óleo a cada quatro meses, mesmo que as 50 horas previstas não tenham sido voadas.
Ao dar partida, o motor leva ainda algum tempo para enviar óleo de lubrificação a todas as suas partes. O problema é ampliado quando a rpm na partida é elevada e a temperatura esta baixa. O óleo ainda grosso não caminha rápido pelos estreitos dutos. Quando chega aos pontos de maior atrito, o mal pode já ter se instalado, com desgastes acentuados, repetidos a cada nova partida. As bronzinas que apoiam o eixo de manivelas e os comandos de válvulas são vulneráveis a altas rpm sem adequada lubrificação. Motores já travaram em voo por terem decolado ainda frios. O ideal é que o motor adquira a menor rpm na partida, o óleo seja da grade correta e esteja com a viscosidade adequada.
A grade de um óleo traduz a sua propriedade de manter a capacidade de lubrificação na temperatura para uma determinada faixa de temperaturas. Uma aeronave que opera em temperaturas ambientes muito diferentes precisa utilizar óleo multigrade. A grade vem escrita no canto inferior esquerdo da embalagem do óleo, no caso SAE 50 e SAE 40.
Motores refrigerados a ar precisam de ar circulando nas aletas de seus cilindros. Para isso, há tiras de material flexível que impedem que o ar admitido pelas tomadas frontais desvie de seu percurso. Se essas “saias” estiverem rotas ou desgastadas, perdem a função e o motor esquenta.
Desde o amaciamento do motor, os anéis devem se manter adaptados ao formato oval dos cilindros. Embora redondos, o desgaste causado pelo amaciamento vai garantir que eles não girem em suas posições e não percam compressão. Os regimes de 65% a 75% permitem que os anéis distribuam bem o óleo na parede do cilindro, mantenham-se bem expandidos e no lugar. Os gases expandidos pela explosão dentro do cilindro pressionam os anéis de encontro à parede, possibilitando boa raspagem e distribuição de óleo.
Se o motor for submetido constantemente a fatores como corrosão interna, formação intensa de resíduos de carbono ou longa inatividade, poderão se formar borras internas que impedirão as válvulas de se fecharem completamente. Ou, ainda, se os anéis estiverem deixando escapar compressão, o motor gira sem produzir o torque máximo esperado. Medir a compressão de cada cilindro é uma maneira fácil de monitorar sua saúde. E o piloto deve acompanhar os valores obtidos.
A medição em voo da temperatura da cabeça dos cilindros é uma ótima maneira de monitorar o desempenho de cada um. Um cilindro que apresente CHT abaixo de 240o F em voo pode indicar que está com baixa compressão, baixa centelha nas velas ou recebendo pouco combustível. Um CHT muito alto denuncia uma correção de mistura inadequada ou potência muito elevada. Isso fará o cilindro ter um desgaste acentuado. Veja na foto um sensor de CHT instalado na parte superior do cilindro.
Quando o CHT varia rapidamente, provoca contrações ou dilatações nos diversos materiais empregados na construção de um cilindro, como alumínio, aço ou bronze. Como cada um possui um coeficiente de dilatação diferente, a variação rápida pode causar trincas internas. A Lycoming estabelece que essa variação não deve ser maior do que 1o F por segundo. A Teledyne Continental estabelece o valor de 1o F para cada 3 segundos. Na imagem, a sede da válvula trincada por variação rápida de CHT.
A mistura de combustível com o ar deve estar na proporção que faça o motor produzir sua melhor potência sem aquecer demais e afetar sua durabilidade. Gráficos e tabelas publicadas no manual da aeronave orientam o piloto. Procure este gráfico no manual do seu motor e entenda-o. Daí em diante você saberá corrigir a mistura com muito mais precisão.
Por Jorge Filipe Almeida Barros
Publicado em 10/11/2013, às 00h00 - Atualizado às 01h26
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