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Buracos negros nunca mais

Tecnologia ADS-B, nova ferramenta para gerenciamento e controle do tráfego aéreo, promete cobrir todos os cantos do globo


Separações entre tráfegos superiores a 20 milhas náuticas em rota, órbitas de espera, vetorações intermináveis e atrasos significativos na malha de voos. Essa tem sido a tônica da aviação comercial nos centros mais congestionados do território nacional, especialmente nas áreas de São Paulo e Rio de Janeiro. Faltam pistas, aerovias e terminais. O resultado é a sobrecarga dos controladores de tráfego aéreo, que, embora deem o melhor de si em radares e torres de controle, ainda precisam de tempo para ganhar experiência - hoje, por uma necessidade do sistema, novatos iniciam sua carreira em áreas mais críticas e por isso, além da paciência, os pilotos têm de manter alta consciência situacional. Esse cenário, porém, está com os dias contados. O Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) promete mudanças para os próximos dois anos, com novos desenhos de terminais e novas aerovias, o que deve diminuir os congestionamentos. Também se espera que, em um futuro próximo, os órgãos de controle de tráfego aéreo do país passem a trabalhar com o sistema de ADS-B, sigla em inglês para Automatic Dependent Surveillance-Broadcast ou Vigilância Dependente Automática por Radiodifusão. Trata-se de uma nova tecnologia em sistemas de vigilância que permitirá aos CTAs aumentar a capacidade para gerenciamento de fluxo de aeronaves.

A implantação do ADS-B trará diversos benefícios à aviação comercial, começando pela cobertura radar, que passará a atender áreas antes desprovidas de vigilância. De grandes regiões desérticas a grandes porções nos oceanos e em florestas, nada mais deixará de ser "visto" pelos controladores de voo. Para isso, bastará a instalação de estações receptoras de sinais ADS-B em solo, a um custo muito baixo. Outra grande vantagem do sistema é que, na medida em que todos os aviões estiverem equipados com o aviônico do ADS-B, os pilotos poderão receber informações nos mesmos moldes dos órgãos ATC, ou seja, os tráfegos serão apresentados digitalmente com muito mais detalhes, e em tempo real. Isso aumenta substancialmente a consciência situacional das tripulações, diminuindo os riscos de colisões em voo.

Finalmente, como o ADS-B trabalha com informações apuradas da posição geográfica da aeronave obtidas por meio de interface com o sistema de navegação global por satélites (GNSS), as informações transmitidas aos escopes do radar serão muito precisas e permitirão ao controlador de tráfego aéreo reduzir o espaçamento dos aviões com total segurança. A indicação dos alvos também será atualizada com muito mais rapidez, já que o sistema não precisará aguardar a rotação completa da antena radar para fazer a varredura, como acontece no modelo atual - em média, o sistema precisa de seis segundos para atualizar a posição da aeronave em área terminal e de 12 segundos para atualizar em rota. Em áreas onde já existe cobertura radar, o ADS-B pode ser utilizado como complemento, fazendo com que as separações em rota caiam para apenas três milhas náuticas, ou 2,5 milhas náuticas nas aproximações finais - no Brasil, essa separação hoje é de cinco milhas. Naturalmente, os aeroportos deverão estar bem-estruturados para atender ao aumento na demanda com pistas servidas por muitas saídas rápidas, caso contrário as arremetidas serão inevitáveis em razão do tempo ampliado de ocupação da área de pouso.

ADS-B Out e ADS-B In
Basicamente, o ADS-B é a combinação de dados de satélites, transmissores e receptores que fornecem aos pilotos e controladores de voo informações apuradas de localização e velocidade das aeronaves. Sinais são transmitidos do avião (ADS-B Out) para receptores localizados no solo ou em outros aviões. O que chega à terra é decodificado pelo sistema de controle radar para que a imagem do tráfego apareça na tela do controlador. Já os sinais que chegam a outras aeronaves (ADS-B In) são transformados em imagem de alvo com "etiqueta" de altitude, velocidade, número de voo e companhia aérea. A imagem dos tráfegos é apresentada em um aviônico denominado Cockpit Display of Traffic Information (CDTI) e o alcance é superior a 100 milhas náuticas, bem diferente do sistema TCAS (Traffic Collision Avoidance System), no qual o raio de alcance se limita a 80 milhas náuticas e apenas os oito tráfegos mais próximos são apresentados no display de navegação. Importante ressaltar que já existem fabricantes de aviônicos desenvolvendo módulos de CDTI, que apresentam a imagem dos tráfegos captados via ADS-B nas telas multifuncionais (MFD) da cabine de comando.

A transmissão dos dados do sistema ADS-B Out da aeronave para o solo e para outros aviões é realizada por meio do equipamento de transponder na faixa de 1.090 megahertz. Hoje, existem três modelos de aviônicos já adaptados para trabalhar com o ADS-B: o sistema "S" Extended Squitter, o módulo datalink Universal Access Transmitter (UAT), e o VHF Datalink Mode 4 (VDLM4), que opera na banda de VHF. Os aviões devem trabalhar com o mesmo sistema para que as informações sejam recebidas e apresentadas pelo sistema CDTI ao piloto. Por isso há um acordo internacional para que, aos poucos, a aviação mundial passe a trabalhar somente com o sistema "S" Extended Squitter. Em tempo: para receber os dados transmitidos pelo sistema ADS- -B, basta que a aeronave conte com um sistema de alerta para colisão em voo do tipo TCAS ou TAWS (Terrain Awareness and Warning System).

#Q#

O sistema não sofre nenhum tipo de interferência eletrônica externa e oferece visualização de alvos em qualquer altitude, ou mesmo no solo, o que deve favorecer o monitoramento de tráfegos durante manobras de táxi feito tanto pelo Controle "Solo" quanto por outras aeronaves. Essa é uma ferramenta importante para incremento da segurança em operações nos dias de baixa visibilidade - o sistema também poderá ser incorporado em veículos de apoio do aeroporto. Outra vantagem do sistema ADS-B é que ele pode ser utilizado pelo departamento de coordenação das companhias aéreas para monitorar seus aviões ao redor do mundo em tempo real. Basta que elas operem algum tipo de programa para monitoramento dos sinais.

Pilotos terão visão mais ampla e apurada dos tráfegos próximos, com informações das companhias e número dos voos

Voo livre
Durante a década de 1980, a OACI (Organização de Aviação Civil Internacional) passou a discutir o futuro da aviação junto às companhias aéreas e a demais órgãos reguladores. Era certo que os sistemas de navegação aérea, comunicação e gerenciamento de tráfego aéreo existentes não atenderiam às necessidades da comunidade aeronáutica previstas para o século 21. Em 1983, foi instituído um comitê denominado FANS (Future Air Navigation Systems), que passou a analisar propostas de sistemas que poderiam ser utilizados para substituir a tecnologia existente. Não tardou para que surgisse a necessidade de maior sinergia, envolvendo prestadores de serviços, indústrias, organizações da aviação civil e usuários em geral. Anos mais tarde, surgiu a sigla CNS/ATM (Communication, Navigation, Surveillance/Air Traffic Management), ou "Comunicação, Navegação, Vigilância/Gerenciamento de Tráfego Aéreo".

O novo conceito foi oficializado pela Organização de Aviação Civil Internacional durante a 10ª Conferência de Navegação Aérea realizada em 1991. Navegação por satélites, comunicação via transmissão de dados e serviços de vigilância radar trabalhando com imagens em tempo real em qualquer lugar do globo se tornaram os "carros-chefe" de todo o programa. Ainda sem data exata para acontecer, espera-se que num futuro próximo cheguemos ao chamado "voo livre", aquele em que os aviões poderão voar rotas mais diretas e sempre nos níveis ótimos. A introdução do sistema ADS- -B em todas as esferas deve contribuir sobremaneira para que a comunidade aeronáutica atinja esse objetivo. Até lá, todos os aviões deverão estar devidamente equipados, assim como a estrutura de solo. As aeronaves novas já estão saindo das linhas de produção com esse novo tipo de aviônico. Mas a aviação geral também deverá equipar- -se, e esse processo deverá levar mais tempo para se concretizar, principalmente nos países em desenvolvimento.

No Brasil, alguns testes com o sistema ADS-B vêm sendo executados em operações offshore na área da Bacia de Campos. Na área da FIR (Região de Informação de Voo) do Atlântico, pela qual passam os voos que vão e voltam da Europa, o Decea implementou o sistema ADS-C, que funciona de modo semelhante ao ADS-B, mas com transmissão de dados feita diretamente ao órgão de controle, no caso o Cindacta III, localizado em Recife, por meio de uma espécie de logon - nesse caso não há necessidade da instalação de estações receptoras em solo. Esse sistema entrou em funcionamento em julho de 2009, um mês após o acidente com o voo 447 da Air France, que vitimou 216 passageiros e 12 tripulantes.

Robert Zwerdling
Publicado em 07/11/2011, às 12h35 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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