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Aeroporto-cidade

Schiphol, na Holanda, mostra que um terminal eficiente pode ser também confortável, característica desejável para o passageiro que precisa passar horas lá dentro


Saguões lotados, voos atrasados, passageiros sentados no chão, estressados, reclamando e aguardando por horas a fio o momento de, finalmente, embarcar. Uma situação comum em diversos aeroportos espalhados pelo mundo. Mas não aqui, mesmo com vários voos retidos em suas origens por condições meteorológicas adversas. Quem olha ao redor tem a sensação de que os passageiros nem sentem o tempo passar enquanto aguardam suas partidas. Também, pudera! Os viajantes experimentam momentos relaxantes em um spa, passeiam por um museu, leem sentados confortavelmente diante de uma aconchegante lareira virtual ou acessam tablets em uma biblioteca sem se preocupar com a segurança dos filhos maiores, que brincam em áreas dedicadas, e dos menores, que dormem tranquilamente em um berçário. Tudo de graça, e os passageiros nem precisaram sair do aeroporto. Em 2010, quatro dias depois da interdição do espaço aéreo europeu por conta das toneladas de cinzas despejadas pelo famigerado vulcão islandês de nome impronunciável, logo que os voos começaram a ser retomados, o que mais se ouvia nas salas de embarque do maior e mais importante aeroporto holandês era "We love Schiphol".

O aeroporto de Amsterdã é o quinto mais movimentado da Europa (terceiro, em relação à carga aérea), mas sua administração não se contenta nem mesmo com os muitos prêmios recebidos, um deles no último mês de novembro, como melhor aeroporto internacional, escolhido pelos leitores de uma revista norte-americana. O objetivo é sempre liderar o ranking dos aeroportos mais admirados do continente e ser seu principal hub, o que todo aeroporto, mundo afora, almeja ser. A diferença é que isso se torna mais real a cada dia em Schiphol.

Conceito aeroportuário integra de maneira harmoniosa a área comercial, os serviços, a área operacional, a intermodalidade, o meio ambiente e a vizinhança no entorno

Fotos Solange Galante

Com quase 49 milhões de passageiros transportados confortavelmente em 2011, esse aeroporto da Holanda está aquém de sua real capacidade - 60 milhões. Seus quatro terminais ocupam um prédio único, com livre trânsito para usuários em geral até a barreira de segurança, que limita a área de passageiros - exceto o píer M, dedicado às companhias low cost. O aeroporto, aliás, também trabalha mantendo os custos lá embaixo, o que parece um trocadilho diante de um aeródromo com pistas situadas a 4,5 metros abaixo do nível do mar. Afinal, estamos nos Países Baixos. Contribuem com a redução de custos não só conceitos manjados como o aproveitamento intensivo da luz natural, como também a grande robotização, que aumenta a produtividade por funcionário. A área de distribuição de bagagens, por exemplo, que chega a 13 metros abaixo do nível do mar - aproveitando áreas que já estiveram ociosas -, utiliza seis robôs e o MUM (Mechanical Unloading Module), um módulo mecânico para esvaziar contêineres. Metros acima, 16 quiosques permitem que os próprios passageiros etiquetem e despachem suas bagagens de porão.

NOVE MIL MALAS POR HORA
Transportando anualmente mais de 50 milhões de bagagens, Schiphol lançou o Programa 70MB para se preparar para o aumento da capacidade (em breve, 70 milhões) com custos reduzidos, programa que será concluído em 2012 com a interligação de todas as áreas já existentes. A capacidade de transferência de bagagens já é de nove mil unidades por hora. Um labirinto de trilhos garante que os passageiros ou o avião recebam a mala com uma demora mínima.

Schiphol é acessível por ônibus, automóveis e trens. A estação, no subsolo do terminal, leva não só ao centro de Amsterdã, distante apenas 20 minutos daqui, mas também a diversas cidades, até mesmo no exterior. O terminal é um dos exemplos mais famosos de aeroporto-cidade, conceito que integra de maneira harmoniosa a área comercial, os serviços, a área operacional, a intermodalidade, o meio ambiente e a vizinhança no entorno. Ele desenvolveu facilidades e serviços que vão ao encontro das necessidades de companhias aéreas, passageiros e visitantes - eles são sempre o foco.

A administradora do principal aeroporto holandês, o Schiphol Group, é uma empresa pública. O governo nacional holandês detém 69,77% dela; a municipalidade de Amsterdã, 20,03%; e a municipalidade de Rotterdan, 2,20%. Para completar a divisão, em 2008, o Schiphol Group firmou uma aliança estratégica com a Aéroports de Paris, responsável pela administração, entre outros, dos aeroportos De Gaulle e Orly. Cada empresa detém 8% da outra. Responsável também pelo terminal 4 do aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, o Schiphol Group levou o conceito de aeroporto- cidade também para a metrópole norte-americana.

Fotos Solange Galante

Schiphol Plaza é um autêntico shopping center com tudo o que é necessário para visitantes ou passageiros

SEM RUÍDOS
Ao entrar em Schiphol, o visitante ou passageiro sempre terá as informações mais relevantes facilmente acessíveis e sem perder a referência do pátio do aeroporto e da rua. Toalete, banco, alimentação, lojas e outros serviços estão ao alcance dos olhos. Para quem ainda não passou pela área de segurança, o Schiphol Plaza é um autêntico shopping center com tudo o que for necessário para o visitante. Após a barreira de detecção de metais e os raios x, o acesso ao Holland Boulevard tem todas as amenidades citadas no início do texto e muito mais, como lojas dedicadas a produtos genuinamente holandeses e áreas que simulam um parque, com árvores naturais e artificiais, iluminação especial e som ambiente com canto de pássaros.

Para os vizinhos, um sistema pioneiro, o Nomos (Noise Monitoring System, sistema de monitoramento de ruído), que existe desde 1994, analisa toda a área de entorno das seis pistas do aeroporto para que ninguém reclame do incômodo. Aliás, o aeroporto holandês foi o primeiro da Europa a desencorajar o uso de modelos mais ruidosos de aviões. A principal companhia aérea do país, a KLM, e o Controle de Tráfego Aéreo dos Países Baixos (LVNL) trabalham juntos para desenvolver procedimentos de pouso e decolagem mais amigáveis ao meio ambiente e aproveitar melhor a capacidade do espaço aéreo ao redor de Schiphol. São cerca de 1.200 movimentos de pouso e decolagem diários.

"Se as pessoas estão felizes, elas vão às compras", sustenta Marcel Lekkerkerk, gerente do departamento de Marketing de Aviação de Schiphol. O que é muito importante para um aeroporto cuja maior parte das verbas vem justamente de atividades não aeronáuticas. Por isso que o lema do Holland Boulevard é "See, Buy, Fly" (Veja, Compre, Voe).

Fotos Solange Galante

Sem perder referência do pátio do aeroporto e da rua, usuários têm acesso a toaletes, bancos, área de alimentação, lojas e demais serviços

COMPARAÇÃO COM BRASIL
Diante de tanta exuberância, a pergunta é inevitável: a filosofia operacional de Schiphol poderia ser adotada no Brasil, tendo em vista os desafios de sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016? Para o professor Jorge Eduardo Leal Medeiros, conselheiro do SBTA (Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte Aéreo, não. "São dimensões totalmente distintas", argumenta o especialista. "Acho maravilhosos os sistemas que estão sendo colocados em Amsterdã, mas isso implica em um planejamento que nós infelizmente não tivemos". Jorge Leal fala com a autoridade de quem, como engenheiro aeronáutico, participou do projeto de alguns dos principais aeroportos brasileiros, entre eles Hercílio Luz (Florianópolis), Eduardo Gomes (Manaus) e o Internacional do Rio de Janeiro.

O professor não acredita que o aeroporto Schiphol, mesmo com seu prédio único, tenha um impacto estético grande. "No entanto, ele é um aeroporto pragmático. Ele atende bem, tem sistemas bem-feitos e é voltado para atender ao usuário. No Brasil, não temos nem uma coisa, nem outra. Não colocamos uma arquitetura de vulto, de peso, que se mostre realmente interessante, e não estamos sendo pragmáticos, objetivos, no ponto de atender ao passageiro".

Jorge Leal define o Aeroporto Schiphol como um aeroporto amigável (friendly), característica que faltaria aos nossos. "Seria ótimo se pudéssemos trazer um pouco dessa experiência de fora, do aeroporto friendly, vou até sugerir isso como pauta para a próxima InfraExpo", ele conclui, referindo-se ao evento que ocorrerá em São Paulo em abril de 2012.

EM DEFESA DOS ENTUSIASTAS
Brasil afora, os fãs da aviação comercial lamentam não ter mais de onde apreciar pousos e decolagens e, principalmente, a ausência de áreas propícias para fotografar as aeronaves nos aeroportos do país. No aeroporto de Schiphol, a exemplo da maioria dos terminais europeus, todos são muito bem-vindos. Aqui há até áreas desenhadas especialmente para esse hobby. Em uma das três áreas em Amsterdã, há uma lanchonete, estacionamento gratuito e acesso a informações sobre voos e modelos das aeronaves que operam no aeroporto. No terraço panorâmico, os visitantes podem conhecer detalhes das operações aéreas rotineiras ao longo de toda a área, até mesmo dentro de uma aeronave real recentemente colocada na entrada do terraço. Há poucas décadas, o Brasil gozava de áreas semelhantes e os domingos de paulistanos, por exemplo, tinham o Aeroporto de Congonhas como passeio obrigatório. Velhos tempos que poderiam voltar.

Texto E | Fotos Solange Galante, De Amsterdã
Publicado em 29/02/2012, às 06h47 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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