Em 10 de fevereiro de 1965, a Panair do Brasil teve suas operações abruptamente suspensas e seus ativos transferidos para rivais
Em 10 de fevereiro de 1965, a Panair do Brasil, uma das mais proeminentes companhias aéreas do país, teve suas operações abruptamente suspensas pelo governo militar, resultando na cassação de suas licenças de voo e na subsequente falência. Esse evento marcou o fim de uma era na aviação brasileira e levantou questões sobre as motivações por trás dessa decisão governamental.
A empresa foi fundada em 22 de outubro de 1929 por Ralph Ambrose O'Neill, inicialmente sob o nome NYRBA do Brasil S.A (acrônimo de New York, Rio e Buenos Aires Line). Em 1930, a empresa foi incorporada pela Pan American World Airways e teve seu nome alterado para Panair do Brasil, em referência ao código telegráfico da Pan Am, "Panair", mais a adição de Brasil, comum em filiais em grupos multinacionais.
A companhia desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da aviação comercial no Brasil, operando rotas domésticas e internacionais e contribuindo para a infraestrutura aeroportuária do país. Durante as décadas de 1940 e 1950, a Panair expandiu suas operações, tornando-se a principal empresa aérea brasileira.
A companhia foi pioneira em diversas rotas internacionais e esteve envolvida na construção e modernização de aeroportos em várias capitais brasileiras, conforme autorizado pelo Decreto-Lei nº 3.462, de 25 de julho de 1941.
Em 1961, os empresários brasileiros Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen adquiriram a Panair do Brasil. No entanto, o contexto político do país estava se tornando cada vez mais instável, culminando no golpe militar de 1964. As novas autoridades adotaram políticas que afetaram diversas empresas, incluindo a Panair.
Após o golpe de 1964, a Panair passou a ser vista com desconfiança pelo regime militar. Seu presidente, Mário Wallace Simonsen, era considerado próximo do governo de João Goulart, o que fez com que a empresa entrasse na mira do regime.
Em 10 de fevereiro de 1965, o governo suspendeu, sem prazo determinado, as licenças de voo da Panair do Brasil S.A., alegando uma "irrecuperável situação financeira". Cinco dias depois, em 15 de fevereiro de 1965, foi decretada a falência da empresa, resultando na demissão de aproximadamente 5.000 funcionários e na expropriação de seu patrimônio.
A Varig assumiu imediatamente as operações da Panair do Brasil após a justiça cassar suas concessões. A transição foi tão rápida que, naquela mesma noite, em 10 de fevereiro, um voo programado da Panair decolou sob operação da Varig.
Além das rotas internacionais para Europa e Oriente Médio, a Varig incorporou parte da frota da Panair, incluindo aeronaves Douglas DC-8, consolidando sua posição no mercado de aviação. A abrupta transferência de ativos levantou questionamentos sobre a possível participação da companhia na decisão do governo, já que os problemas financeiros da Panair não justificavam uma medida radical.
No entanto, nunca houve provas conclusivas de que a Varig tenha deliberadamente conspirado para a falência da concorrente, embora tenha sido a maior beneficiada pelo desfecho. Porém, pessoas de confiança do então presidente da Varig, Ruben Berta, eram próximas do círculo militar e tiveram papel crucial na celeridade do processo de falência da Panair.
Em 18 de dezembro de 1984, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a União tentou cobrar dívidas já pagas pela Panair, dando ganho de causa à empresa. Apesar desse reconhecimento, a companhia não retomou suas operações.
Investigações posteriores, incluindo as conduzidas pela Comissão Nacional da Verdade, criada para apurar denunciar de violações de direitos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, indicaram que o fechamento da Panair não foi motivado por razões financeiras ou técnicas, mas sim por fatores políticos. A empresa e seus proprietários teriam sido alvo de perseguição pelo regime militar, e suas rotas foram transferidas para a Varig e Cruzeiro do Sul.
Em 2024, quase seis décadas após o fechamento o Brasil reconheceu que a empresa foi fechada de forma arbitrária, motivada por perseguição política, e o governo brasileiro pediu perdão aos ex-funcionários da Panair.
A história da Panair do Brasil permanece como um capítulo obscuro na aviação brasileira. Atualmente alguns ex-funcionários, familiares e entusiastas da aviação mantêm viva a memória da companhia realizando reuniões anuais e promovendo eventos que celebram seu legado.
Por Marcel Cardoso
Publicado em 10/02/2025, às 18h00
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