A TWA foi uma gigante da aviação, mas seu fim marcou o colapso de uma era
Como a maioria das companhias dos Estados Unidos, a origem da TWA está ligada à expansão dos serviços postais aéreos no início do século passado. Numa época em que voar tinha seus riscos e ainda era um luxo (ou uma loucura) para poucos, o serviço de correios representava uma garantia maior de lucro, especialmente porque a maior parte das empresas ganhava valores preestabelecidos por determinados trechos. Ou seja, algo muito mais vantajoso do que se arriscar no transporte de passageiros, que poderia lucrar em determinado voo e registrar prejuízo em outro.
Mesmo assim, o empresário canadense Clement Melville Keys, que trabalhava no The Wall Street Journal, resolveu enveredar-se por esse caminho. Ele acreditava que o transporte de passageiros poderia ser financeiramente viável e, para isso, contratou figuras importantes da época, entre elas Charles Lindbergh, que já prestava serviços para a Pan American Airways e foi chamado para atuar como consultor da nova empresa.
Na verdade, o objetivo de Keys era mais usar a personalidade de Lindbergh como propaganda do que aproveitar sua experiência como aviador. Para completar o quadro, ele chamou outro figurão, Paul Henderson, que durante anos foi administrador do Serviço de Correio Aéreo.
Assim, em 16 de maio de 1928, foi fundada a TAT (Transcontinental Air Transport), que tinha como meta oferecer voos costa a costa em apenas dois dias de viagem. Para a ocasião, era um feito extraordinário. Até então, levava-se 72 horas para cruzar os Estados Unidos de um lado a outro, principalmente porque se voava apenas durante o dia, com os passageiros pernoitando em uma das muitas escalas no caminho.
Mas, para atingir esse objetivo, era preciso inovar. Pensando nisso, Henderson associou-se às ferrovias Topeka Railway e Santa Fé, com o intuito de oferecer uma viagem ininterrupta. A ideia era bastante original: o passageiro viajava durante o dia de avião e de trem à noite, a bordo de um confortável Pullman.
Após um ano de trabalho, no dia 7 de julho de 1929, dois Ford Trimotor decolaram de Los Angeles rumo a Nova York, um deles pilotado por Lindbergh. Em seguida, o Airway Limited partiu da estação de Nova York, Penn Station, em direção ao oeste, com 16 passageiros a bordo, entre eles a famosa aviadora Amelia Earhart.
Enquanto Lindbergh voava para o leste, com destino a Clovis, no Novo México, Earhart passava a noite em um carro Pullman, na direção de Columbus, Ohio. À noite, Lindbergh embarcou no trem para Waynoka, Oklahoma, onde encontraria Amelia Earhart, que chegara lá por via aérea. Ambos agora faziam o sentido inverso, chegando a seus destinos 48 horas depois de partirem, a um custo de US$ 345, em valores de 1929 (US$ 6.000 em 2025) — o que naquela época representava uma quantia ainda mais razoável de dinheiro.
Ainda que a iniciativa tenha rendido dezenas de matérias nos principais jornais, a operação gerou um prejuízo de US$ 2,75 milhões (US$ 50 milhões em 2025) nos 18 primeiros meses. A ideia dos voos costa a costa não estava dando certo. O transporte de malotes dos correios continuava sendo a única operação rentável na época, correspondendo a mais de 75% do faturamento das empresas, e a maioria das linhas de passageiros permanecia com o intuito exclusivo de servir de divulgação para os principais fabricantes de aviões.
Assim, as contas da TAT só veriam uma luz no fim do túnel em maio de 1930, após uma iniciativa de Walter Folger Brown, diretor-geral dos Correios. Melhor do que ninguém, ele conhecia o potencial dos serviços aéreos postais e pretendia contar com um serviço mais ágil de entregas, além de criar uma rede de rotas que pudesse ligar todo o território americano.
O executivo convocou os diretores das principais companhias para uma reunião, presidida por William P. MacCracken Jr., que havia deixado o Departamento de Comércio para ser consultor da WAE (Western Air Express), uma das poucas empresas rentáveis naqueles tempos.
Como as licitações não previam um grande número de linhas, Brown, que acreditava que duas empresas não deveriam operar a mesma rota, “sugeriu” que a WAE fundisse suas operações com a TAT. Mesmo a contragosto, Harris Hanshue, fundador da WAE, cedeu à pressão. Em julho de 1930, ele uniu-se à rival para formar a T&WA (Transcontinental & Western Air).
Na conferência, as maiores empresas concordaram em dividir as sete principais linhas “licitadas”, deixando as transportadoras menores de fora. Isso gerou uma série de protestos, e as denúncias renderam um dos maiores escândalos políticos da época, conhecido como Air Mail Scandal.
Ainda assim, a T&WA manteve seu contrato com os Correios, ligando Nova York a San Francisco, via Chicago, St. Louis, Kansas City, Oklahoma e Los Angeles. O primeiro voo ocorreu em 25 de outubro do mesmo ano, com pernoite em Kansas City, que viria se tornar a cidade-sede da empresa em 1931.
Mas, ao final do Air Mail Scandal, em 1934, o presidente Roosevelt cancelou todas as concessões aéreas dos Correios, o que, em seguida, levou à queda de Brown. Para a TWA, não havia outra saída senão refazer os planos e apostar todas as fichas no transporte de passageiros. Para tanto, ela contaria com as aeronaves da Douglas Aircraft.
Um estudo solicitado ao fabricante dois anos antes já havia rendido à TWA um DC-1 (Douglas Commercial 1), que realizou o primeiro voo em 1933 e cujo protótipo foi financiado pela própria companhia aérea. Durante a fase de homologação, no entanto, a Douglas realizou algumas mudanças no projeto, que deram origem ao DC-2. Com a encomenda de 25 unidades do novo modelo, a TWA vendeu o DC-1 para o excêntrico milionário Howard Hughes, que planejava utilizar o avião numa volta ao mundo.
Praticamente ao mesmo tempo, a companhia nomeou como presidente William John Frye, um dos mais conhecidos rostos de Hollywood, que logo a colocou na vanguarda da tecnologia. Em 1938, a empresa já havia encomendado o recém-lançado Boeing 307 Stratoliner, o primeiro avião pressurizado do mundo.
Além de ser conhecido por seus feitos no cinema e sua recente volta ao mundo, Hughes também nutria um grande interesse por aviação. Aos olhos de Frye, o excêntrico milionário poderia ser um ótimo aliado. Sua conta bancária guardava uma fortuna de US$ 60 milhões, e dinheiro, para ele, não era problema.
Assim, em janeiro de 1939, Hughes adquiriu 12% da TWA, investindo sucessivamente na companhia até deter 78% do capital. Mas, para fazer os lucros saírem do chão, era preciso muito mais do que uma conta recheada de dólares. Era preciso oferecer um serviço seguro, confortável e, principalmente, que inspirasse confiança para que as pessoas perdessem o medo de voar.
Foi pensando nisso que o milionário convocou Hal Hibbard, Robert Gross e o lendário Kelly Johnson, da Lockheed, para criar algo totalmente novo. O projeto, mantido no mais absoluto sigilo durante meses, deu origem a nada menos que o L-049 Constellation, apresentado poucos meses antes do ataque japonês a Pearl Harbor.
Logo de início, ele recebeu 40 encomendas firmes, um investimento jamais feito por uma empresa aérea até então, nem mesmo pela poderosa Pan American. Mas, com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, a TWA cedeu sua posição para os militares, que utilizaram o avião em diversas frentes.
O crescimento da TWA não demorou a chamar atenção de Juan Trippe, dono da Pan American, e a disputa pelas rotas internacionais foi só o prenúncio de uma longa briga entre as duas companhias.
A batalha travada pelos dois maiores empresários americanos da época começou nos bastidores do Senado americano e envolveu denúncias de todos os tipos. Corrupção, chantagem, favorecimento, influência política e mau uso do dinheiro público foram algumas delas.
De um lado, estavam Trippe e seu amigo senador Owen Brewster, encabeçando uma grande campanha contra o nome de Hughes. Do outro, o homem forte da TWA, atirando contra a relação pro míscua de seus rivais e desafiando a própria instituição do Congresso americano. Nesse embate, sem mocinhos e repleto de jogadas traiçoeiras, Hughes viu as ações da TWA despencarem para um terço do valor das da Pan American. Apesar de envolvido em todas as denúncias, porém, o milionário mostrou sua incrível habilidade em lidar com qualquer situação. Ele conseguiu pôr um fim à comissão que o investigava no Senado e, ainda, acabou com a hegemonia da Pan American nas rotas internacionais. Assim, saiu da briga em 1950 com autorização para voar para a Europa e para a Índia, cumprindo primeiramente a rota entre Nova York e Paris, que mais tarde foi prolongada até o Cairo.
Nessa época, a TWA também mudou de nome: passou a se chamar Trans World Airlines e logo ganhou a preferência dos passageiros americanos, ao iniciar voos domésticos com o Super Constellation.
Em 19 de outubro de 1953, tornou-se a primeira empresa a oferecer voos sem escala entre Nova York e Los Angeles. Sem dúvida, um grande feito. Mas essa condição não duraria muito tempo. Aos poucos, a sorte ficou para trás e a empresa se viu de novo em uma realidade nada favorável.
Um acidente paralisou as operações de toda a sua frota de Constellations, e os custos começaram a crescer de forma vertiginosa – a maioria em função da total falta de comprometimento de Hughes com a empresa. Ao priorizar a introdução dos serviços a jato nos voos domésticos, enquanto a Pan Am colocava seus Boeings 707 nas frequências para a Europa, a TWA perdia cada vez mais participação no mercado internacional – ela começaria a voar com o 707 para o Velho Continente apenas em novembro de 1959, mais de um ano após sua maior concorrente.
Para piorar, Hughes estava recluso em seu bangalô desde o início da década e não conhecia sequer os diretores da maioria de suas empresas, incluindo da TWA. Àquela altura, Frye já havia sido substituído pelo competente Carter Burgess na presidência, que, cansado de falar com o chefe apenas por telefone, pediu demissão.
Ao mesmo tempo em que Hughes perdia uma grande quantidade de dinheiro, concorrentes como Pan American, United e American, entre outras, ganhavam cada vez mais mercado. No caso da primeira, com uma grande ajuda do próprio rival. Hughes vendeu seis Boeings 707 justamente para seu maior inimigo, Juan Trippe, e mesmo sem dinheiro comprou diversos Convairs 880.
A situação complicou-se quando ele pressionou o fabricante para acelerar a produção das aeronaves, e acabou deixando muitas delas paradas no pátio, deteriorando-se ao ar livre. Era mais uma conta pesada a ser paga pela TWA.
A série inacreditável de erros continuou. Com uma dívida de incríveis US$ 265 milhões no final de 1960 (US$ 2,8 bilhões em 2025), Hughes passou a ser pressionado para entregar o controle da companhia. Com um processo de administração ruinosa nas costas, que se desenrolou por anos a fio, ele deixaria o comando apenas em 1965 – quatro anos antes, a TWA tornou-se a primeira do mundo a exibir filmes a bordo de seus aviões. No final daquela década, porém, enquanto ainda se recuperava da crise, a companhia conseguiu o inimaginável: transportou mais passageiros nas rotas transatlânticas do que a Pan Am.
A chance de consolidar a liderança apareceu em seguida, em 1970, quando começou a operar o Boeing 747, apenas um mês depois de sua rival. Mas a TWA cometeu o mesmo erro do passado, colocando a aeronave em rotas domésticas.
A situação agravou-se com a crise do petróleo, em 1973, potencializada pela desregulamentação do mercado, que também trouxe inúmeros problemas às empresas americanas.
No final daquela década, a Eastern e a Braniff estavam aniquiladas; a Pan Am rumava para o mesmo caminho, exatamente como a TWA. Na busca por capital, a companhia aceitou a oferta de Carl Icahn, que comprou a maior parte de suas ações em 1985. Contudo, ela continuou mal-administrada, com Icahn renunciando em 1993, meses após a concordata.
Assim como a Pan Am havia feito anos antes, a TWA começou a vender rotas na esperança de conseguir algum caixa. A empresa, que agora era administrada por um comitê de trabalhadores e credores, ainda iniciou a década de 1990 com alguma perspectiva. Até que, em julho de 1996, um Boeing 747-100, que operava o voo TWA 800, explodiu minutos após decolar de Nova York. Foi o golpe final. E, ironicamente, parecido ao que nocauteou a Pan Am anos antes, em Lockerbie (Escócia).
Sem dinheiro para renovar a frota e manter as operações, em 1998 a empresa anunciou a retirada de grande parte de seus aviões, incluindo os já cansados 747 e L-1011. Em seguida, encomendou diversas aeronaves, entre elas o Boeing 717 e o Airbus A318.
A crise parecia parcialmente solucionada, quando a direção resolveu vender o controle para a American Airlines em 9 de abril de 2001. Naquele ano em que a TWA completava 75 anos, o mundo assistia também aos ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono. Qualquer chance de a companhia voar de forma independente estava definitivamente banida.
Em 1º de dezembro de 2001, o MD-80 de matrícula N948TW, procedente de Kansas City, pousou no Aeroporto de St. Louis. As operações da empresa estavam encerradas. No dia seguinte, a maioria das marcas da TWA foram substituídas pela da American Airlines nos principais aeroportos em que operava. Num ano trágico para a aviação, o setor perdia a liberdade e, também, um de seus maiores ícones.
*Texto originalmente publicado na revista AERO Magazine 171, de agosto de 2008,
com o título de "Da vanguarda ao ocaso" e republicado após revisão
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 14/03/2025, às 16h40
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