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Vida longa ao motor

Saiba qual é o lubrificante mais adequado para seu avião e veja como identificar sinais de desgaste do propulsor


Foto: Arquivo Aero / Maurício Lanza

Motores aeronáuticos movidos a pistão são tão antigos quanto a própria aviação. Embora o conceito de funcionamento tenha se mantido ao longo do tempo, não se pode dizer o mesmo sobre a qualidade dos componentes. Com materiais nobres, medidas e usinagem cada vez mais precisas, o motor atual adquiriu confiabilidade suficiente para cruzar oceanos e trabalhar por décadas a plenos pulmões. No entanto, sua longevidade e eficiência estarão comprometidas se não houver um bom processo de lubrificação. Como lá dentro tudo se mexe, as partes em contato se atritam, fazendo o motor perder energia e produzir calor. Cabe ao lubrificante atenuar o atrito interno, o que preservará a força gerada, destinada à hélice. O lubrificante também deve manter a temperatura interna em níveis razoáveis. Assim, as dilatações dos componentes se manterão dentro dos limites das folgas estabelecidas pela engenharia. O rendimento geral do motor depende não apenas da sua dimensão, mas também da inteligência do projeto na redução de perdas de energia. E nesse aspecto, a maneira de operá-los pode fazer muita diferença.

Considerando que os motores da atualidade são fruto de um longo período de desenvolvimento, pode-se supor que o fabricante terá acumulado informações importantes sobre os regimes mais utilizados pelos operadores, as circunstâncias de operação mais comuns, temperaturas ambientes de operação e os defeitos que apresentaram. Em suas bancadas de teste, os fabricantes melhor estruturados simulam regimes de operação e identificam os pontos fracos do projeto. Os menos equipados, no entanto, colocam seus produtos no mercado antes de obter certificação de governos ou entidades, esperando que o próprio usuário se encarregue de identificar as vulnerabilidades dos mesmos. Com isso, aprendem com os clientes e, no caso de desejarem permanecer competitivos, aplicam os esses conhecimentos como melhorias no seu projeto. Nessa condição, o motor será chamado de "experimental", ou seja, está sendo experimentado diretamente pelo usuário.

Foto: Arquivo Aero / Maurício LanzaFoto: Arquivo Aero / Maurício Lanza
Bomba de vácuo quebrada
por uso inadequado
Filtro de óleo aberto
Foto: Arquivo Aero / Maurício LanzaFoto: Arquivo Aero / Maurício Lanza
Bronzina com desgaste por má lubrificaçãoMagueiras velhas e ressecadas

Em ambos os casos, o operador de motores a pistão precisa deter algum conhecimento técnico para aplicar as recomendações do fabricante certificado ou identificar comportamentos suspeitos no motor experimental e, assim, retroalimentar de informações o seu fornecedor. Um dos mais importantes é saber reconhecer se o lubrificante tem condições de realmente reduzir o atrito das partes internas da forma que o projeto previu. Inicialmente, isso pode ser feito pela confirmação que todo o hardware do sistema de lubrificação funciona corretamente. Ainda que muitos pilotos olhem com frequência o manômetro de pressão de óleo para confirmar que o sistema está saudável, poucos se perguntam se o instrumento está indicando corretamente. Manômetros antigos podem estar sem calibragem e colocar todo o sistema em perigo. Outra parte que merece atenção são as mangueiras que transportam o óleo. Se muito velhas, ficam ressecadas e quebradiças. Suas faces internas passam a liberar pequenos flocos de material que, se não chegam a entupir partes dos dutos, vão dificultar o lubrificante de cumprir o seu papel. Para aeronaves certificados na categoria normal e utilidade, a vida útil do conjunto de mangueiras estabelecida pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) é de cinco anos. Após esse prazo, o operador deve mandar revisá-las ou substituí-las.


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Outro cuidado que deve tomar é assegurar-se de que a grade do óleo atende aos requisitos de operação. Grade é uma escala de valores numéricos que define a capacidade de lubrificação para uma determinada faixa de temperaturas. A grade adequada à temperatura de operação do motor garante a viscosidade esperada do lubrificante. A viscosidade pode ser entendida como a textura do óleo e sua capacidade de viajar por dutos estreitos e sinuosos, em direção aos pontos de atrito. Com textura caudalosa, não flui na velocidade necessária. Se muito fino, não impede o desgaste. Imagine uma aeronave que permaneceu parada por dias num aeródromo cuja temperatura está muito baixa. Se o piloto der partida logo cedo, enquanto o óleo está gelado, o que pode ocorrer quando o motor pegar? Provavelmente levará muito tempo até que o óleo grosso consiga chegar até partes importantes, como as bronzinas em contato com o virabrequim, e isso permite que o atrito inicial vá aos poucos "limando" as partes em contato. De partida em partida, o consumo de material aumenta e com ele as folgas ultrapassam o limite estabelecido pela engenharia. O resultado será o aparecimento de vibrações mecânicas excessivas e uma provável fratura dos componentes, que agora "colidem" entre si.

Alguns pilotos acreditam que o problema poderia ser minimizado pela prática antecipada de revoluções manuais da hélice no sentido ou contra o sentido do giro. Alguns acessórios do motor, como bombas de vácuo, não podem ser girados no sentido contrário, sob a pena de se danificarem. Antes de tomar a atitude de girar a hélice com as mãos, é aconselhável ler o manual do piloto (POH) com as recomendações do fabricante.

Como as temperaturas de operação variam, o uso de lubrificantes multiviscosos poderia ser a solução. Mas, segundo o fabricante Lycoming, eles adquirem essa propriedade pela incorporação de aditivos que, em certas condições, podem produzir dificuldades adicionais. Utilizados em temperaturas elevadas, mesmo que dentro do espectro de temperaturas aprovadas, os aditivos dos óleos multiviscosos produzem resíduos de carbono que se impregnam nas folgas das válvulas e anéis de segmento, podendo travar os movimentos e danificar o motor. Por outro lado, o uso de lubrificantes de uma só grade condiciona a operação dentro de uma faixa de temperaturas mais estreita. A Cirrus Aircraft, por exemplo, recomenda a grade SAE 30 para operações com temperaturas abaixo de 4ºC e, acima disso, o SAE50. E a ROTAX recomenda para seus motores modelo 912 lubrificantes multiviscosos segundo tabela 1.

O "Service Instruction No. 1014M" da Lycoming recomenda uma grade completa para seus motores neste link:http://www.lycoming.com/support/publications/service-instructions/pdfs/SI1014M.pdf . A tabela 2 resume as recomendações, sendo a segunda coluna para óleos monoviscosos e a terceira, para óleos multiviscosos.

Algumas boas práticas de operação podem preservar os motores. Turboaliementadores não devem reter lubrificantes com temperatura elevada, enquanto o motor estiver desligado. Por isso, o piloto de um Piper Matrix, por exemplo, antes de cortar o motor, deve se certificar de que alcançou a temperatura de cabeça de cilindro mais baixa possível. Depois, manter o motor em 1.000 rpm por pelo menos 30 segundos e só então cortá-lo. Essa prática garante que os dois turboalimentadores permanecerão sem óleo com o motor inerte.

A longa inatividade também atenta contra a saúde do motor. Os resíduos de carbono diluídos no lubrificante, produzidos na queima da combustão, quando associados à alta umidade do ar, produzem ácidos que corroem as partes internas. Para eliminá-los, é necessário substituir o óleo em períodos de quatro meses, mesmo que não se tenha voado as 50 horas recomendadas. Por economia ou desinformação, alguns operadores não o fazem.

E são eles que devem monitorar o desgaste do motor. A maneira mais simples e eficaz é por meio de análise do filtro de óleo. Caso alguma parte comece a apresentar desgaste excessivo, partículas aparecem nas malhas do filtro. Podem ser de metal, resíduos internos das mangueiras ou outra sujidade qualquer. As de metal denunciam facilmente que parte do motor está perdendo massa. Se forem de alumínio, serão visíveis a olho nu. As de ferro podem ser capturadas com uso de imãs.

Se limalhas surgirem no seu filtro, não entre em pânico. Há uma quantidade máxima considerada como desgaste natural. A Lycoming fornece dados para análise de quantidade de limalhas por meio de seu Service Instruction No. 1492D (http://www.lycoming.com/support/publications/service-instructions/pdfs/SI1492D.PDF). Esse boletim obriga ao desmonte do motor para revisão, apenas se a quantidade ultrapassar o volume de ¼ de uma colher de café.

| Jorge Filipe Almeida Barros
Publicado em 19/04/2013, às 06h41 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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