Voamos nos Estados Unidos o Total Eclipse, uma evolução do EA500 criado pela Eclipse Aerospace
O Total Eclipse Jet é um avião que define de forma elegante a classe dos VLJs (Very Light Jet) com soluções criativas, alta tecnologia aplicada e um baixo custo operacional, resultado de uma trajetória empresarial digna dos filmes de Hollywood.
A partir de uma folha em branco, em 1998, a Eclipse Aviation desenvolveu um avião à frente de seu tempo e forjou um novo nicho de mercado, como resultado do espírito empreendedor de Vern Raburn, um visionário que apostou na combinação de motores extremamente pequenos e potentes e uma aviônica de última geração para o desenvolvimento de um jato que poderia ser operado ao mesmo custo de um grande SUV (Sport Utility Vehicle), por um ousado preço de aquisição de menos de 1 milhão de dólares.
O projeto era tão promissor, que em cinco anos o Eclipse 500 decolou das pranchetas, conquistou o prestigiado troféu Collier oferecido pela NAA (National Aeronautic Association) e a lista de nomes na folha de pagamento da empresa aumentou de quatro para 2.000 funcionários.
Contudo, problemas com os motores Williams InternationalEJ22 fanjets, atrasos no desenvolvimento do sistema aviônico e um custo de produção maior do que o preço de venda do avião resultaram em um inesperado desfecho para esse fascinante projeto, com a interrupção das atividades da fábrica, que já havia produzido 260 unidades. Mas, o fim de uma era precipitou o início de outra.
Em 2009, Mason Holland, também empreendedor, associou-se aos seus amigos Mike Press e Ken Ross e, juntos, compraram a antiga empresa, iniciando um novo episódio dessa saga com a Eclipse Aerospace.
Em um ano, eles completaram o projeto inicial, oferecendo suporte e peças de reposição para os aviões entregues e começaram a reescrever a história “transformando e remanufaturando” um estoque de quase trinta jatos EA500, dando origem ao Total Eclipse Jet, que deve começar a ser operado por brasileiros ainda este ano [referência a 2013].
Conhecemos o Total Eclipse de perto nos Estados Unidos. Nossa visita acontece no centro de serviços da empresa, no Chicago Executive Airport, onde sou gentilmente recebido por Ken Ross, presidente da Eclipse Aerospace, e Leandro Agostini, presidente e CEO da AirStream Aviation, representante exclusiva de vendas na América Latina, que me contam um pouco da história da empresa.
Após a reestruturação dos serviços, esforços foram dispendidos no desenvolvimento de pacotes de melhorias para o Eclipse 500, incluindo a certificação para voo em condição de gelo, a instalação de tanques de ponta de asa de maior capacidade, a implementação de modificações aerodinâmicas para a redução do arrasto e upgrade da aviônica Avio IFMS.
O Total Eclipse Jet é o Eclipse 500 com essas melhorias. Ele é também o precursor do Eclipse 550, cujo primeiro modelo acaba de realizar os testes básicos de voo e aguarda, até setembro próximo, a finalização da pintura e a instalação de aviônicos e interior para ser mostrado oficialmente na NBAA.
Logo após a conversa com Ken e Leandro, sou recebido pelo diretor de operações, o comandante Michael Vaupell (Mike), experiente piloto que possui acumuladas 2.000 horas de voo no Eclipse.
Após as devidas apresentações, iniciamos um tour pelos hangares do centro de serviços. Ao entrar no primeiro hangar, conto sete Eclipse em manutenção. Mike explica que a Eclipse Aerospace adquiriu 28 aviões que outrora pertenceram à DayJet, uma empresa de táxi-aéreo que tinha como proposta vender assentos em centenas de aviões espalhados pelo território norte-americano, e que encerrou suas operações em setembro de 2008.
A Eclipse viu nesses aviões uma ótima oportunidade para desenvolver e atualizar o seu produto, adquirindo e oferecendo-os ao mercado como Total Eclipse Jets. De longe observo o avião e gosto do que vejo.
Leve, com dimensões compactas e proporcionais, o jato descansa de forma soberana no pátio, apresentando-se como um verdadeiro VLJ. Equipados agora com motores turbofan PW610F de 4 kN (900 lbf) de empuxo, seu tamanho diminuto chama a atenção, especialmente quando recebo a informação de que o fan tem apenas 25 cm de diâmetro.
Conversamos sobre o sistema de detecção e proteção contra fogo, no qual a inovação da empresa se destaca mais uma vez, com a apresentação do PhostrEx, um agente extintor que, quando disparado, reage rapidamente com a atmosfera, apagando o fogo e gerando gases não nocivos à camada de ozônio. Como ótima solução para a contenção do peso do avião, o tamanho da garrafa do PhostrEx é impressionantemente pequena, lembrando um diminuto tubo de desodorante, bem diferente das volumosas garrafas de halon que equipam praticamente todos os aviões hoje em dia.
Diferente da maioria dos aviões que utilizam os tanques de ponta de asa como tanques adicionais, requerendo, assim, sistemas de transferência de combustível com consequente gerenciamento de múltiplos tanques por parte dos pilotos, o Total Eclipse Jet está equipado com tip tanks, que são apenas extensões dos tanques das asas, não exigindo qualquer tratamento específico por parte do tripulante, e aumentando a quantidade total de combustível para 805 kg, contra os 700 kg dos modelos mais antigos.
O Total Eclipse é vendido com a certificação FIKI (Flight Into Known Icing), diferente dos antigos Eclipse, que não a possuíam.
Depois da visita aos hangares, Mike me leva ao CPT (cockpit procedures trainer), uma representação exata do cockpit, onde tenho contato com a suíte aviônica Avio IFMS (Integrated Flight Management System) pela primeira vez.
Dotado de três telas de LCD, sendo dois PFD (primary flight displays) e um MFD (multi-function display), ele ocupa praticamente todo o painel. Fico impressionado com a integração da aviônica com os sistemas do avião. As entradas no sistema são feitas através de knobs, line select keys e teclados devidamente acomodados no painel. O Avio IFMS é um sistema que não deixa nada a desejar para os painéis mais conhecidos como o Garmin 1000 ou o Rockwell Collins Pro Line 21.
Deparo-me com recursos extremamente interessantes, como a sobreposição das cartas de aproximação no moving map, sendo possível executar os procedimentos tendo ao mesmo tempo o mapa, a carta sobreposta e o símbolo do avião em movimento. Navegando pelas páginas sinópticas dos sistemas, chama especial atenção os ECB (Electronic Circuit Breakers).
Circuit breakers, ou disjuntores, são dispositivos eletromecânicos instalados nos aviões com a finalidade de interromper a passagem de corrente elétrica para determinados equipamentos em casos de sobrecarga, normalmente agrupados em painéis distribuídos pelo avião. O Total Eclipse Jet possui apenas dez disjuntores eletromecânicos e 127 ECB monitorados e controlados por meio do MFD, trazendo diversos benefícios não só à arquitetura, mas também à operação e à manutenção do sistema elétrico.
Ainda navegando pelas diversos sinópticos, deparo-me com a página OPS (Operations) na qual o peso do avião é calculado após a inserção dos pesos dos passageiros, da bagagem e da leitura automática do peso do combustível, mostrando o gráfico do CG e disponibilizando a VR (Velocidade de rotação). Com a maioria das funções dos sistemas comandadas diretamente na tela, restam poucas chaves para alocar nas laterais e na parte inferior do painel.
Após a visita ao CPT, iniciamos a preparação para o tão esperado voo. A esta altura tenho grandes expectativas. A Eclipse Aerospace é formada por muitos funcionários que trabalharam na primeira parte desse programa e voltaram por acreditar no produto.
O automatismo e a integração do avião despertam minha curiosidade e aguardo instigado o momento de operar esta máquina. Mike apresenta o plano de voo pela internet e checamos a meteorologia. Uma linha de instabilidade acabou de passar por cima de nós e escolhemos um aeroporto fora de sua trajetória. Nosso destino é o aeroporto regional de Janesville, localizado a 95 km (60 milhas) a noroeste de nossa origem, no estado do Wisconsin.
Seguindo em direção ao pátio, observo ao longe o avião número de série 21, matrícula N521TE, abastecido com 510 kg de combustível, inspecionado e com a fonte externa conectada.
Entro no avião e observo uma cabine com cinco assentos, incluindo o do piloto, muito bem dimensionada e com um acabamento elegante, digno dos grandes jatos executivos. Na operação single pilot, o quarto passageiro tem o privilégio de ocupar o assento da direita no cockpit. Existe ainda a opção para seis ocupantes.
Num mundo como o da aviação executiva, em que os mínimos detalhes fazem a diferença, o interior ganha pontos com a presença de tomadas elétricas e de um cabideiro, colaborando com a produtividade e o conforto dos passageiros. Os assentos são confortáveis, com boa reclinação e o tamanho das janelas faz com que o avião pareça maior pela perspectiva do passageiro. Acessa-se o bagageiro por dentro do avião e seus dezesseis pés cúbicos de volume aceitam até 118 kg de carga.
O acesso ao cockpit é bastante facilitado reclinando-se ambos os assentos dos pilotos, e, em função da ausência da coluna do manche, torna-se fácil para o piloto posicionar-se, tendo apenas que atentar para não bater a cabeça no teto, o que acontece comigo.
Mike é um piloto com proporções corpóreas bastante generosas. Fico pasmo ao ver a velocidade com que ele entra, fecha a porta e senta no assento da direita do cockpit. Com os cintos passados, experimento o sidestick, que mostra amplitude de atuação bastante adequada.
Na sequência, Mike inicia o scanflow para o acionamento, explicando-me passo a passo as ações que vai executando. Os itens de verificação para a partida são bastante simples e não fogem muito do que se vê em qualquer outro avião, como manetes em marcha lenta, freio de estacionamento aplicado e luz anticolisão ligada.
Confirmamos ambos os geradores na posição desligado, o que me chama atenção, pois penso que, tratando-se de um avião single pilot, o sistema elétrico poderia contar com controle automático dos geradores, dispensando a atuação do piloto.
Passamos pelas diversas páginas sinópticas, entramos com os pesos dos pilotos e lemos 1.223 kg de peso de decolagem e uma VR de 160 km/h (86 nós).
Somos autorizados a voar para Janesville via saída instrumentos Pal-waukee two com curva à direita após a decolagem, subindo para 915 m (3.000 pés). Após carregar a saída no IFMS e realizar o briefing, vamos à partida, que não necessita ser autorizada pela frequência do solo no ambiente FAA.
A partida dos motores é realizada de forma autônoma pelos FADEC (Full Authority Digital Engine Control), restando ao piloto apenas girar o start knob, localizado no overhead, para a posição ON/START, dando, assim, início à sequência de partida, e após 35 segundos o motor está em marcha lenta.
Anoto pico de ITT (Inter Turbine Temperature) em 648oC estabilizando em 565oC. Desconectamos a fonte externa, acionamos o segundo motor e estamos prontos para o táxi.
Somos autorizados a taxiar pela taxiway lima com livres cruzamentos das pistas 6 e 12, até o ponto de espera da pista 16, de onde decolaremos. O controle em solo é muito fácil nos pedais, e o raio de curva é bastante satisfatório, podendo ainda valer-se da frenagem diferencial para os menores raios de curva.
No ponto de espera, somos autorizados alinhar e manter, quando configuramos as luzes e a seletora do Cabin Air na posição NORMAL, o que garante a abertura das sangrias de ar quente do motor para a pressurização.
Com uma modificação na autorização que prevê agora curva à esquerda após a decolagem, recebemos autorização para decolar e subir para 915 m (3.000 pés). Em razão da alta temperatura do ar ambiente, avanço os manetes de potência até meio curso para evitar picos de temperatura demasiadamente altos nos motores, completando a potência após a estabilização dos parâmetros de ITT.
Solto os freios e o avião inicia a corrida de decolagem com boa aceleração, chegando rapidamente aos 86 nós, quando começo a puxar o sidestick até a rotação, que demora um pouco para acontecer. Com razão de subida positiva, recolho o trem de pouso com a pequena alavanca muito bem posicionada logo à frente dos manetes de potência.
Observo 460 m (1.500 pés) por minuto de razão de subida. Já na proa de Janesville, somos autorizados a manter de 1.830 m a 2.440 m (6.000 a 8.000 pés) dentro de um raio de 16 km (10 milhas) do VOR de JVL para a execução de nosso airwork.
Atingindo a primeira restrição de altitude, nivelo e aproveito para testar o pitch trim, comandado por um botão estilo “chapéu chinês” no sidestick, que também atua o aileron trim. O trim é vagaroso, exigindo antecipação em sua atuação. O avião tem comandos sólidos que, se bem utilizados, garantem um voo bastante agradável e livre de bruscas variações de atitude, garantindo a satisfação dos passageiros mais receosos.
Já na área autorizada para as manobras, inicio uma curva de grande inclinação para a direita seguida de outra para a esquerda. Com 170 nós, incremento 2% de rotação no N1 e estabeleço inclinação de 45o nas asas, aplicando uma pequena quantidade de força no sidestick para cabrar, de forma a compensar a diminuição da componente de sustentação oposta ao peso, e o avião faz o que deve fazer de forma muito fácil, sem grandes necessidades de compensação ou grandes variações de potência. Vamos ao estol. Reduzo os manetes para marcha lenta e aguardo a redução de velocidade.
O Total Eclipse Jet conta com um sistema de proteção contra o estol bastante completo. O primeiro aviso é a barra vermelha no speed tape, que indica a velocidade com que o avião estolará naquela condição. O segundo aviso vem quando atingimos o topo dessa barra, com a inscrição vermelha STALL na porção superior dos PFD e a mensagem aural “STALL”. Se o piloto não iniciar a recuperação, o stick pusher entra em ação junto com a inscrição “PUSHER” nos PFD, aplicando automaticamente um comando de picar, reduzindo o ângulo de ataque. Aguardo a atuação do pusher e, em seguida, inicio a recuperação, levando os manetes de potência à frente, acelerando e retomando a subida. Perco 250 pés na manobra.
Bastante entusiasmado com o avião e já mais habituado com o sidestick, acoplo o piloto automático e prosseguimos para o procedimento de aproximação RNAV da pista 14 em KJVL (Janesville).
Com o IFMS já configurado, iniciamos a aproximação com um peso ao redor de 2.405 kg (5.300 libras), o que resulta numa VREF de 165 km/h (90 nós). No momento da aproximação, Mike mostra a carta sobreposta na navegação, o que colabora bastante com o alerta situacional, principalmente na operação single pilot.
Já na final, visual com a cabeceira, desconecto o piloto automático para sentir o voo e, neste instante, percebo uma ligeira tendência de picar do avião, reagindo e compensando imediatamente. Cruzo a cabeceira na VREF, trago os manetes para marcha lenta tocando um pouco depois da marca de mil pés.
Com uma componente de vento de través de 15 km/h (8 nós) pela direita, preciso manter o aileron bastante defletido enquanto trabalho o leme para manter o eixo da pista. Arredondo na altura correta, próximo ao solo, e o avião pousa suave graças ao trem de pouso do tipo trailing link.
No solo controlado, aguardo o comando do Mike para iniciar a arremetida e decolamos para mais alguns pousos e posterior retorno para Chicago.
O Total Eclipse Jet apresenta soluções inteligentes para o mercado dos VLJ estabelecendo padrões de inovação. Não se impressione com o seu tamanho. Estamos falando de níveis de qualidade e tecnologia encontrados nos grandes jatos executivos, resultado de uma história de ousadia que continua a ser escrita pela nova empresa.
A integração do Avio IFMS com os sistemas do avião é algo impressionante. Seu interior é espaçoso e confortável e seu consumo em cruzeiro está entre notáveis 186 e 230 litros por hora. De acordo com Leandro Agostini, o avião é ideal para os proprietários de aeronaves que procuram por uma opção econômica para substituir seus pequenos monomotores e bimotores, e a empresa possui planos para trazer um centro de serviços autorizado para o Brasil. O treinamento acontece na SIMCOM training center, em Orlando, e tem um programa baseado na avaliação da experiência inicial do piloto, aplicado em simulador nível D.
A Eclipse Aerospace não para por aí. O Eclipse 550 está chegando, com aviônica melhorada e recursos como autothrottle, synthetic vision e Iridium, além do anti-skid brakes. Upgrades que poderão ser incorporados ao Total Eclipse. Ser proprietário de um avião a jato torna-se algo possível para muitos com o Total Eclipse Jet, bastando dispor de pouco mais de US$ 2 milhões a um atrativo custo operacional de US$ 623 por hora (dados do fabricante). Já o Eclipse 550 deve chegar ao mercado por cerca de US$ 3 milhões.
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* Publicado originalmente na AERO Magazine 231 · Agosto/2013
Por Kirk Lara, de Chicago
Publicado em 09/08/2013, às 00h00 - Atualizado em 08/01/2024, às 09h00
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