Kut Tank foi o criador do FW 200 o avião usado por Hitler e do lendário caça FW 190
FW 190 e o BF 109 foram dois dos principais caças da força aérea nazista na II Guerra Mundial | Foto: Museu Nacional da Força Aérea dos Estados Unidos
O que um renomado engenheiro aeronáutico alemão tem a ver com a história da indústria aeronáutica argentina, indiana e egípcia? Para entendermos essa interessante história temos que voltar à época da 2º Guerra Mundial, mas especificamente ao lendário Kurt Tank.
O projetista alemão ficou conhecido por sua mais brilhante criação, o caça monomotor FW 190 que foi amplamente utilizado pela Luftwaffe (força aérea da Alemanha) durante a campanha militar do partido nazista que desejava conquistar grande parte da Europa.
Caça FW 109 acumulou mais de 20 mil unidades produzidas durante anos da guerra mundial | Foto: Museu Imperial de Guerra
O caça FW 109, juntamente com outro icônico avião o Messerchmitt BF-109, faziam frente aos melhores caças aliados da época como o inglês Spitfire e o norte-americano P-51 Mustang.
O sucesso nos projetos de Tank o consagraram como um dos grandes projetistas aeronáuticos de todos os tempos. Suas criações ultrapassaram o tempo da guerra e chegaram em outros continentes. É o caso do avião FW 200, um avião comercial que chegou a ser operado pela empresa brasileira Sindicato Condor (então subsidiária da alemã Luft Hansa) e que posteriormente seria batizada de Cruzeiro do Sul.
O FW 200 ainda serviu como avião de reconhecimento marítimo armado, com notável desempenho nas missões de bombardeio. Além disso, foi o avião usado por Hitler em seus deslocamentos pela Alemanha e diversos territórios conquistado pelos nazistas durante a Segunda Guerra.
Com o fim da guerra e a derrota dos nazistas, a Alemanha ficou proibida de desenvolver novos projetos de aviões e outros equipamentos bélicos por 15 anos. Com isso, Kurt Tank e sua equipe da Focke-Wulf tiveram que sair do país em busca de trabalhos na área aeronáutica. Mesmo tendo desenvolvido aviões usados pela força aérea alemã durante a Guerra, Tank e sua equipe não tinham vinculos com o partido nazista.
Quando chegou à Argentina, no final da década de 1940, o país liderado por Juan Domingo Perón já contava com uma considerável história aeronáutica, e detinha a Fabrica Nacional de Aviones (que projetou dois aviões de produção local, o Ae. C1 e Ar. C2). A iniciativa tornava a Argentina um dos primeiros país do mundo a ter capacidade de desenvolver e produzir localmente aeronaves a jato, ao mesmo tempo que nações como os Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética.
Kurt Tank chegou ao país sul-americano para trabalhar à serviço do governo de Perón. Logo o renomado engenheiro alemão projetou o IA-33 Pulqui II, um projeto de um caça a jato, que superava os 1.000 km/h e era baseado no Ta.188 (também de criação de Tank).
Como comparação, em 1950 o Brasil estava prestes a recebe sua primeira fábrica de automóveis, que seria subsidiária da também alemã Volkswagen.
Desenho do IA- Pulqui II tem algumas semelhanças com o jato soviético MiG-15,usado na Guerra da Coreia | Foto: Via Internet
O diferencial do Pulqui II eram suas asas em enflechadas, mas os primeiros protótipos apresentavam alguns problemas e um acidente causou a morte de um piloto de testes. Então, Tank teve que reformular o projeto e sanar algumas falhas conceituais, que eram o grande desafio dos aviões a jato e com asas enflechadas.
O Pulqui II foi apresentado pela primeira no Aeroporto Jorge Newberry, na capital Buenos Aires. O sucesso do avião foi tanto que o Egito (que vamos ver daqui a pouco), Holanda e a própria Argentina se interessaram pelo avião.
Característica principal da aeronave projetada por Tank eram suas asas em flecha e a entrada de ar do motor | Foto: Internet
Entretanto, por intermédio do presidente Perón, foi ordenado que a Fabrica Militar de Aviones (FMA) concentrasse projetos na construção de carros e caminhões. Havia a pressão norte-americana para a Argentina optar por seus caças, em detrimento de sua indústria aeronáutica nacional.
Tal ação culminou com o quase fechamento do setor aeronáutico da FMA. Com a mudança na presidência do país o contrato de Kurt Tank expirou e o renomado projetista pegou como proa a Ásia, mais especificamente a Índia.
A Hindustan Aeronautics Limited (HAL) já conhecia os ótimos projetos de Tank e o convidou para ajudar no desenvolvimento do que viria a ser o primeiro caça produzido em território indiano.
Diferente do jato argentino, o HF-24 entrou em fase de produção em série e chegou a entrar em serviço pela força aérea indiana.
HAL HF-24 Maruter ficaram operacionais até a década de 1980 | Foto: Via Internet
Quando projetado, o avião deveria ser um interceptador que pudesse alcançar velocidades de Mach 1, superando assim a velocidade do som. Contudo, problemas nos motores e outros ligados a fatores políticos e econômicos a trabalharam bastante o desenvolvimento do avião.
Todavia, o HF-24 Marut chegou a entrar em combate real, na Guerra Indo-Paquistanesa (1971), onde cumpriu missões de ataque ar-solo. O Marut ficou na ativa na IAF até a década de 1980, quando já estavam bem obsoletos e sem capacidade de modernização. Mesmo assim, o HF-24 teve um importante papel no desenvolvimento da indústria aeronáutica indiana
A última parte de nossa história acontece no Egito, país norte-africano conhecido por sua história milenar entre pirâmides, medicina, arquitetura e matemática.
Mas, para falarmos deste projeto egípcio, precisamos ir à Espanha e relatar alguns fatos de outro grande projetista alemão da Segunda Guerra Mundial, o Willy Messerschmit outra lenda alemã, responsável pelo desenvolvimento do BF 109 e do primeiro jato operacional Me 262.
Após o fim da guerra, Mersserchmit foi trabalhar na indústria Hispânica de Aviação e ajudou a projetar três aviões, sendo um à pistão, outro à reação e um jato de alta performance.
Desempenho do HA-300 era muito bom, graças ao pouco peso do caça somado a potência do motor | Foto:Via Internet
Os dois primeiros projetos receberam os nome de HA-100 e HA-200. A segunda aeronave chamou a atenção do governo do Egito, que pediu a construção sob licença do HA-200 em território egípcio.
Bem como também, solicitou participação no desenvolvimento do terceiro e mais ousado projeto, o HA-300.
Entretanto, o recebimento que caças norte-americanos F-86 Sabre pela Espanha fez o governo desistir dos projetos locais e o Egito deu continuidade sozinho ao HA-300.
Mersserchmit e sua equipe foram transferidos para a instalação da base aérea de Helwan, a sul da capital Cairo. Lá os engenheiros começaram o desenvolvimento de um caça leve que pudesse alcançar velocidades de Mach 2 (aproximadamente 2.400 km/h).
Todavia, para levar o HA-300 a Mach 2 e voar a altitude de 12 mil metros era preciso um bom motor, por isso foi escolhido britânico Bristol-Siddeley Orpheus 703.
A escolha foi acertada, pois o empuxo, aliado ao baixo peso da aeronave fazia com que a performance do caça egípcio tivesse velocidades equivalentes ao francês Mirage III, já considerado um dos melhores caças da época (que inclusive adquirido pelo Brasil, em 1972).
Asas em delta do avião ajuda a proporcionar maiores velocidades | Foto: Via Internet
Novamente havia um porém, e a Bristol desistiu do projeto e deixou o HA-300 sem uma eficiente motor capaz de proporcionar características de voo ideais. Uma das especulações é que havia forte pressão francesa e mesmo inglesa para o Egito não dispor de uma aeronave com capacidades próximas ao Mirage III.
O Egito queria de fato o desenvolvimento do avião e para isso foi decidido que seria produzido um motor localmente, mas para ajudar nesta complicada façanha Messerschmitt chamou seu amigo Kurt Tank para mais essa missão. Agora o objetivo era encontrar um engenheiro com conhecimento para formar uma equipe e liderar o desenvolvimento de um motor supersônico.
Projetar motores é bastante complicado, ainda mais sem nenhuma experiência. Foi então que os renomados engenheiros chamaram Ferdinand Brander, um famoso engenheiro austríaco especialista na fabricação de motores.
Brander veio com a proposta do motor E-300 que desenvolvia 4000 quilogramas-força, algo de bastante relevância para o caça HA-300.
A Índia se interessou pelo projeto do Cairo, talvez pelo fato de Tank estar presente no desenvolvimento. Então conversas foram feitas e ambos os países definiram que os indianos iriam financiar a fabricação do motor E-300. E o Egito manteria o desenvolvimento do avião e toda campanha de ensaios em voo.
O ano era 1964 e, finalmente, acontecera o primeiro voo do HA-300 V1, o voo de doze minutos foi comandado pelo Capitão Kapil Bhargava. Tudo aconteceu tranquilamente e os egípcios, indianos e os projetistas alemães ficaram satisfeitos com o resultado.
Alguns testes subsequentes foram feitos e, ao final, foram 135 voos realizados pelos dois protótipos (V1 e V2). Em um dos voos de destes com o piloto do Egito, Major Sobhy El Tawil, uma parte superior da asa foi arrancada, mas pesar do susto o major trouxe o avião para um pouso seguro.
Muito ousado, o projeto previa que um país africano teria independência no setor aeronáutico, em especial em um momento de graves tensões com Israel. Foi justamente quando o sonho foi interrompido pela Guerra dos Seis Dias (1967), contra a já poderosa Força Aérea de Israel.
Devido a situação, o Egito não teve outra saída e foi decidido cancelar o avião e comprar aeronaves já disponíveis no mercado, no caso soviéticas. O Egito saiu dos conflitos com Israel derrotado, endividado e sem um caça de última geração.
A História deste grande homem da aviação deu muitas voltas, saiu da Europa, passou pela América do Sul, Ásia e África. Kurt Tank voltou para a Alemanha onde viveu até 1983 na famosa cidade de Munique.
As aeronaves desenvolvidas por Tank, desde o consagrado FW 190 aos jatos Pulqui II e HF-24 Maruter mostram as diferentes fases e ousadia deste grande personagem da história aeronáutica mundial.
Por André Magalhães
Publicado em 09/02/2022, às 15h00 - Atualizado às 17h54