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Por que eles ocorrem?

Nevoeiro, sinônimo de aeroportos fechados

O fenômeno meteorológico continua sendo um dos maiores perigos para a aviação, e afeta todo o Brasil, principalmente nos meses mais frios do ano


FOTOS FABIO LARANJEIRA


O nevoeiro continua sendo um arqui-inimigo da aviação. Nem os grandes avanços em auxílios eletrônicos de bordo e de terra para execução de pousos e decolagens em condições restritivas de visibilidade em superfície, tampouco o progresso em técnicas de previsão meteorológica, que empregam sofisticados algoritmos e levam em conta os inúmeros fatores responsáveis pelo fenômeno, mostram-se capazes de impedir os constantes fechamentos de aeroportos diante de sua formação.

No Brasil, prevalecem os nevoeiros de radiação. Eles são causados por resfriamento noturno do ar, que perde calor para o espaço quando entra em contato com solo, fazendo a temperatura cair ao ponto de orvalho e levando à condensação da umidade atmosférica, como já vem acontecendo no Brasil, o que levou a fechamentos de aeroportos como o Santos Dumont, no Rio. Em outros anos, já houve situações bem piores, como aconteceu na noite de 11 para 12 de junho de 2012, e novamente ao anoitecer do dia 12, uma terça-feira. Nesse intervalo, dois fechamentos seguidos de Congonhas bastaram para deflagrar o caos por toda a malha aérea do país. Em 2011, no dia 11 de maio, algo parecido já havia ocorrido. Congonhas, Guarulhos, Confins e Brasília amanheceram fechados por nevoeiros.

Os nevoeiros de radiação são mais frequentes ao final das noites de inverno e AUMENTANDO ao amanhecer, no Sul do país, com pico entre 6 e 7 horas da manhã. Mas não é só no Sul que ocorrem os nevoeiros matinais. Também Manaus, Porto Velho, Rio Branco, Goiânia, Maceió e outras cidades sofrem com eles. Na Amazônia, existe um tipo de nevoeiro raso, temido pelos aviadores, chamado aru.

O AVIADOR DEVE ESPERAR A FORMAÇÃO DE NEVOEIROS QUANDO A DIFERENÇA ENTRE TEMPERATURA E PONTO DE ORVALHO DO METAR FOR INFERIOR A 3° C; E ESPERAR DISSIPAÇÃO QUANDO ESSA DIFERENÇA ESTIVER AUMENTANDO

METEOROLOGIA DO NEVOEIRO
Nevoeiro é uma das formas visíveis do vapor d'água na atmosfera, ou seja, é um "hidrometeoro", muito semelhante a uma nuvem (stratus no caso) com a base colada no solo. Como a nuvem, ele é constituído de gotículas (de 15 a 100 micrômetros de diâmetro) suspensas no ar, formadas por condensação do vapor quando o ar é resfriado abaixo do ponto de orvalho. Na aviação, o nevoeiro deve por definição reduzir a visibilidade horizontal a menos de 1.000 metros; acima desse limite passa a ser névoa úmida, que por sua vez se presta a confusão com névoa seca, formada por minúsculas partículas sólidas. A formação de nevoeiro pode dar-se muito rapidamente, mudando uma condição VFR (visual) para IFR (instrumentos) em poucos minutos, e persistir por muitas horas. Prejudica principalmente pousos e decolagens mas também o voo visual, que depende de referências no solo.

O nevoeiro é um fenômeno muito sensível às condições geográficas locais, como a topografia, a natureza e o revestimento do solo, a presença de corpos d'água e assim por diante. Em Guarulhos, influem o ar frio que desce à noite da Serra da Cantareira, e a umidade da várzea do Ribeirão Baquirivu. Em locais altos ou próximos do mar, como Navegantes, Caxias do Sul e Curitiba, os nevoeiros não são apenas de radiação, mas também de encosta e de advecção (deslocamento de massas atmosféricas no sentido horizontal), processos que contribuem para agravar a situação. A poluição atmosférica exerce um importante efeito sobre a formação de nevoeiro, como fonte de núcleos de condensação. Um exemplo interessante desse efeito nos é dado pelas observações do aeroporto de Heathrow, em Londres. A entrada em vigor na Inglaterra da "Lei do Ar Limpo", em julho de 1956, levou à imediata redução do nevoeiro em Heathrow, de 5,9% para 4,3% na média anual, quando comparados aos períodos 1957-66 e 1949-56.

FOTOS FABIO LARANJEIRA

O aviador deve esperar a formação de nevoeiros quando a diferença entre temperatura e ponto de orvalho, informados no METAR (Meteorological Aerodrome Report), for inferior a 3° C; e esperar dissipação quando essa diferença estiver aumentando. Nas noites limpas de inverno, a temperatura cai cerca de 1 grau Celsius por hora, enquanto o ponto de orvalho permanece constante, sendo fácil antecipar quando vão igualar-se: nesse ponto começa o nevoeiro. Alta pressão atmosférica e chuva no dia anterior são fatores contribuintes. A previsão de formação e dissipação de nevoeiro é um problema mais complexo do que possa parecer à primeira vista, exigindo conhecimento de detalhes como deslocamento de camadas de nuvem mais acima, profundidade da camada de nevoeiro, e variação do vento através dessa camada, presença de inversões de temperatura, ocorrência de pequenas variações da velocidade do vento em superfície, entre outros. Para o piloto, o melhor procedimento é informar-se sobre a tendência na véspera e no dia das condições numa área em torno, e procurar o auxilio dos profissionais da meteorologia.

NEVOEIROS HISTÓRICOS
Manhã de 27 de outubro de 1984
Nevoeiro fecha Viracopos e, ao mesmo tempo, Curitiba, Confins, Ponta Porã e Joinville.

28 de janeiro de 1986
Acidente com o Boeing 737 PP-SME, ocorrido em Guarulhos, mostra que nevoeiros fortes não ocorrem somente no inverno: a aeronave desorientou-se e chocou com barranco ao decolar da pista de rolamento, pensando estar na 09L.

Natal de 2006
Nevoeiro provoca caos nos bem-equipados aeroportos de Londres, afetando voos domésticos e internacionais.

Abril de 2010
Acidente com Tupolev 154, em Smolensk, no oeste da Rússia, vitimou o presidente da Polônia e sua comitiva composta dos principais líderes políticos do país. A aeronave colidiu com árvores nas proximidades da pista, após três arremetidas e apesar das advertências dos serviços de tráfego aéreo. O campo estava fechado por nevoeiro forte com visibilidade de 400 metros, formado em típicas condições de anticiclone polar de 1.026 hPa, favoráveis a nevoeiros de radiação.

CLIMATOLOGIA DO NEVOEIRO
A climatologia aeronáutica brasileira é muito pobre e dispomos de poucos dados publicados mostrando frequência de nevoeiro nos aeroportos, distribuição de ventos nas pistas por setores e intervalos de velocidade, condições de teto e visibilidade associadas a esses setores de vento e dados correlatos. Essa lacuna melhorou apenas parcialmente nos últimos anos, graças a estudos acadêmicos ou de meteorologistas da Força Aérea Brasileira e Infraero, que podem ser consultados no site do Decea (buscar por "artigos de meteorologia"). Com base nesses artigos e em publicações da SBMET (Sociedade Brasileira de Meteorologia), apresentamos um gráfico comparativo do número de horas de nevoeiro registrado em Porto Alegre (Salgado Filho), Guarulhos, Congonhas e São José dos Campos, acrescentando dados de Atlanta, nos Estados Unidos (veja tabela).

Dados climatológicos como esses que apresentamos deixam claro que o nevoeiro é predominantemente um fenômeno de outono e inverno, em ambos os hemisférios do planeta. Dentre outros aspectos interessantes, os estudos mostram que a duração do nevoeiro está relacionada com a hora de início da formação: quanto mais cedo o início, maior a duração. Em Porto Alegre, por exemplo, 78% dos nevoeiros de 7 a 9 horas de duração, têm início entre 2h e 4h (horário local), enquanto 91% dos que duram 10 a 12 horas tiveram início entre 23h e 1h (horário local). No Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba (PR), os nevoeiros com duração média de 6 horas ou mais tiveram início às 22h no verão, entre 20h e 23h no outono, e entre 20h e 22h no inverno, segundo Marcelo Augusto Damasceno, do Instituto de Controle do Espaço Aéreo.

Igualmente de interesse, não só para a aviação como para a meteorologia do planeta, são os estudos que mostram a tendência das frequências de nevoeiro nos aeroportos no decorrer dos últimos anos, e sua possível relação com as mudanças climáticas. Em Guarulhos, ficou muito clara a influência local da urbanização, reduzindo a incidência de nevoeiro logo na etapa de construção na década de 1980, período em que o nevoeiro chegou a aumentar em Congonhas. Entre 1961 e 1997, a temperatura média anual (emendando dados de Cumbica com Guarulhos) subiu 3,5 graus, contra 1,5 em Congonhas. Já em Porto Alegre, houve acentuada redução das horas de nevoeiro (média de 159 horas nos anos 1998 e 1999), para um valor médio estável (em torno de 95 horas) entre 2000 e 2005, e novamente aumento de horas (para 152) em 2006. Em São José dos Campos (aeroporto), houve tendência decrescente de duração dos nevoeiros entre 1982 e 1992, de 225 horas para 150 horas anuais, aproximadamente, enquanto que, no mesmo período, a umidade relativa média em São José subiu significativamente, de 76 para 87%: portanto, anos mais úmidos não significam mais nevoeiro. A maior incidência de nevoeiro em maio em vez de julho foi atribuída à ocorrência de ventos mais fracos naquele mês.

Teoricamente, o suposto aquecimento global contribuiria para uma redução da frequência de nevoeiro no planeta, mas a estabilidade atmosférica e outros fatores determinantes poderiam atuar no sentido contrário. Dados operacionais dos aeroportos mundiais ajudariam a avaliar a real tendência do fenômeno e seus efeitos na aviação.

TIPOS DE NEVOEIROS

ELES SÃO CLASSIFICADOS PRINCIPALMENTE SEGUNDO O PROCESSO DE FORMAÇÃO

Nevoeiro de radiação - resfriamento do ar por perda de calor do solo por irradiação noturna.
Nevoeiro de advecção - formado principalmente por vento transportando ar úmido e relativamente quente sobre superfície (terra ou mar) fria.
Nevoeiro orográfico - formado por vento ascendendo à encosta de montanha e sofrendo resfriamento por expansão adiabática.
Nevoeiro frontal - formado por chuva que cai através das cunhas de ar frio nas frentes frias e quentes.
Nevoeiro de vapor - ar frio passando sobre superfície líquida ou encharcada quente.
Nevoeiro marítimo - no mar, ar quente e úmido passando sobre água fria.
Nevoeiro de brisa - ar quente e úmido do oceano penetrando região costeira fria.
Nevoeiro de superfície (ground fog) - nevoeiro raso e esparso (obscurecendo menos de 60% do céu, nos EUA).
Nevoeiro glacial - formado por sublimação em microcristais de gelo, a temperaturas da ordem de -30°C.

NOTAS:
1 - Período: Jan/98 a Dez/06; fonte: Luiz Alexandre Fragozo, ICEA
2 - Período: 1980-97; fonte: Edson Cabral, USP/Infraero; valores aproximados
3 - Período: 1980-97; fonte: Edson Cabral, USP/Infraero; valores aproximados
4 - Período: 1974-92; fonte: Ana C. Farah Perrella e Jojhy Sakuragi, Univap
5 - Período: 1930-40 (aprox.); fonte: J.J. George, Eastern Airlines; valores aprox.; os meses foram defasados para coincidir com as estações do ano do hemisfério sul.

por Rubens J. Villela, Especial Para Aero Magazine | Fotos Fabio Laranjeira (Arquivo AERO)
Publicado em 30/05/2017, às 08h46 - Atualizado às 09h18


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