Há 50 anos a Apollo 13 sofreu uma falha catastrófica que a fez entrar para a história
Hey, we’ve got a problem here
(Ei, temos um problema aqui)
This is Houston. Say again please
(Aqui é Houston. Repita por favor)
Houston, we’ve had a problem. We’ve had a main B bus undervolt
(Houston, tivemos um problema. Tivemos uma subtensão no barramento B)
Um breve diálogo que entrou para a história das missões espaciais e da cultura popular. A Apollo 13 enfrentou há exatos 50 anos o que até hoje foi a maior emergência da história do programa espacial. Foi até hoje a única situação de extremo risco que acabou vitoriosa. Não por um acaso muitos consideram a Apollo 13 um fracasso bem-sucedido. Se não foi capaz de pousar na Lua, a tripulação, ao lado de toda equipe da Nasa e fornecedores envolvidos na missão, realizaram um feito único ao trazer uma nave extremamente avariada de volta para casa.
A Apollo 13 tem uma história marcada por uma série de coincidências pouco auspiciosas. A começar pela mudança de última hora de toda a tripulação. O Diretor de Operações de Tripulações de Voo, Donald Slayton, havia selecionado Alan Shepard, veterano do programa Mercury, como comandante da terceira missão que pousaria na Lua. Todavia, uma cirurgia no ouvido o havia afastado por tempo demasiado do programa de treinamento, o que comprometia sua capacidade operacional. Os médicos ainda tinham dúvidas se ele teria condições de estar recuperado fisicamente para a missão. Assim, Slayton optou por inverter a ordem das tripulações. Os astronautas da Apollo 14 assumiriam a Apollo 13, e vice-versa.
Todavia, havia uma mudança importante na composição da Apollo 13, já que tripulações voavam em regime de rotação. Pela ordem a equipe reserva da Apollo 10 deveria ser escalada para a Apollo 13, o que na teoria a tripulação seria: Gordon "Gordo" Cooper Jr (Comandante); Donn F. Eisele (Piloto do Módulo de Comando) e Edgar D. Mitchell (Piloto do Módulo Lunar).
Ainda que fosse um veterano da Mercury, o baixo comprometimento de “Gordo” Cooper com o treinamento o fez ser descartado como tripulante principal de qualquer missão Apollo. O também veterano Donn Eisele, que havia estado na Apollo 7, havia tido um caso extraconjugal que se tornou público e comprometeu a imagem da Nasa. Na época muitos questionavam a continuidade do programa Apollo após os Estados Unidos terem vencido a corrida espacial um ano antes. Qualquer falha era usada contra a Nasa e as missões Apollo, um astronauta com amante se tornou um problema para quem sonhava em pisar na Lua.
Assim, a tripulação da Apollo 13 foi definida como: James A. Lovell Jr. (Comandante); Ken Mattingly (Piloto do Módulo de Comando); e Fred W. Haise Jr. (Piloto do Módulo Lunar).
Tripulação original da Apollo 13. Da esquerda para direita: Lovell, Mattingly e Haise
Se uma reviravolta completa na escalação das tripulações não fosse o bastante, faltando poucas horas para o lançamento o astronauta Ken Mattingly foi substituído por John Swigert. Havia a suspeita que Mattingly tivesse com sarampo. Usualmente toda a tripulação seria substituída, mas pela proximidade com o lançamento a direção de voo da Nasa optou por manter o mínimo de mudança na equipe. O chefe da missão, Jim Lovell, era o mais experiente astronauta de todo o programa espacial, com três missões no currículo, tendo composto a Gemini VII, Gemini XII e Apollo 8. Como nota vale descatar que a Apollo 8 foi primeira a realizar uma órbita ao redor da Lua, o que tornava a viagem para Lovell relativamente conhecida em todos os seus aspectos, com excessão que pela primeira vez poderia pousar e andar sobre a Lua.
Tripulação final da Apollo 13 foi definida horas antes da decolagem. Da esquerda para direita: Lovell, Swigert e Haise
Os norte-americanos possuem uma elevada superstição com relação ao número 13, o que levou muitos especularem sobre a escolha da designação da missão. Durante uma entrevista coletiva um repórter perguntou o porquê de Apollo 13. Na ocasião Lovell respondeu que a escolha era simples, o treze vinha depois do doze. O time de voo ainda optou por realizar a decolagem às 13h13 no horário militar (19h13 UTC), aproveitando para satirizar a crendice popular.
Pontualmente no horário previsto o gigantesco foguete Saturn V, com seus 110 metros de altura, decolou do Launch Pad 39A, no centro espacial Kennedy, na Flórida. O primeiro susto ocorreu quando o motor central do segundo estágio (S-II) sofreu uma anomalia e desligou dois minutos antes do previsto. A falha era conhecida desde o programa Gemini, mas ainda que tenha sido considerada séria não afetou o desempenho do lançamento. Os outros quatro motores queimaram por mais tempo, assim como o terceiro estágio (S-III) que trabalhou alguns segundos extras, conseguindo compensar a falta do motor central e posicionando a Apollo 13 ligeiramente acima da órbita prevista a 190 quilômetros de altura.
Logo a missão se tornou rotineira, ao menos para a opinião pública. A imprensa em 1970 considerava a Apollo 13 tão empolgante quanto um passeio no parque no final de semana. Os congressistas acreditavam que manter o programa Apollo era uma queima de dinheiro do contribuinte, já que vasto orçamento do projeto poderia ser melhor empregado em suas respectivas zonas eleitorais. Para a Nasa continuava sendo um enorme desafio, especialmente pela pouca experiência existente com exploração espacial. Todas as tecnologias utilizadas até aquele momento eram quase experimentais. Era basicamente um conhecimento empírico.
No segundo dia a Apollo 13 estava distante 330.000 quilômetros da Terra. Passava pouco mais de 54 horas do início da viagem quando a Nasa autorizou a tradicional transmissão ao vivo que mostrava algumas curiosidades da rotina dos astronautas e das duas naves (módulo de comando e módulo lunar). A falta de interesse do público era tão grande que a transmissão foi assistida apenas por quem estava no Controle de Missão e familiares dos astronautas. Nenhum canal de televisão no mundo se interessou pelo passeio a bordo da Apollo 13. Ironicamente a transmissão encenada pelos atores Tom Hanks, Kevin Bacon e Bill Paxton, no filme Apollo 13, se tornou mundialmente famosa. A real, creditada como bônus em algumas versões do filme, continua pouco conhecida.
Os astronautas tiveram um intervalo de descanso de alguns minutos após a transmissão e ao completar 56 horas de viagem a rotina a bordo já havia sido reestabelecida. Quando o oficial de eletricidade, meio ambiente e comunicação (EECOM, na sigla em inglês), Sy Liebergot, pediu que Swigert ativasse um sistema para agitar o oxigênio do tanque número dois, Lovell estava guardando a câmera e Haise e desligando os sistemas do módulo lunar que haviam sido energizados durante os testes de rotina e permanecidos funcionando para gerar melhor impacto visual na imagem supostamente enviada para o lar de milhões de pessoas.
Enquanto isso, Swigert iniciou uma rotina de manutenção nos tanques de oxigênio do módulo de serviço. A intenção era evitar que o sistema de oxigênio depositasse em camadas e comprometesse seriamente a missão. O oxigênio transportado em enormes tanques tinha uma série de funções, entre elas manter o ar respirável, mas também gerava energia elétrica. Um complexo sistema foi criado para aproveitar o oxigênio na geração de toda energia consumida a bordo. Era uma solução bastante inteligente, embora delicada, já que aproveitava da melhor forma possível o pequeno espaço do módulo de serviço e reduzia o peso geral da nave.
Assim que Swigert acionou o disjuntor que energizava os ventiladores houve um curto-circuito no aquecedor do tanque número dois, seguido de um incêndio. A pressão aumentou rapidamente quando o oxigênio liquido se transformou em gás. Sem capacidade para suportar a pressão interna o tanque cedeu com uma força explosiva. Um painel inteiro no módulo de serviço foi arrancado e lançado no espaço, enquanto danos severos comprometeram outros sistemas, incluindo os demais tanques de oxigênio.
Os astronautas escutaram um grande estrondo seco vindo da estrutura, enquanto em Houston a telemetria apontou, em apenas 1,8 segundos, uma série de falhas nas leituras de potência, energia, nível de oxigênio, navegação, entre outros. Os dados eram tão assustadores que nos primeiros segundos toda a equipe imaginou se tratar de um erro no software e não uma problema real. Na teoria era impossível haver uma falha tão catastrófica, ainda mais com a nave permanecendo com sua integridade geral intacta.
Sala do centro de controle da Nasa em Houston, na tela ao fundo o astronauta Haise durante uma transmissão ao vivo
As leituras de potência no painel de instrumentos a bordo da Apollo 13 começaram a flutuar rapidamente, enquanto toda a nave estremecia e nitidamente voava fora de controle. O piloto automático continuava disparando os propulsores de controle de atitude para compensar a força gerada por uma fonte desconhecida.
Passados 26 segundos da explosão e tentando entender o que ocorria Swigert transmitiu: Ok, Houston, tivemos um problema aqui. Enquanto Lovell que durante a falha conseguiu chegar ao módulo de comando transmitiu na sequência: Houston, tivemos um problema. Tivemos uma subtensão no barramento B.
Ironicamente era o dia 13 de abril de 1970, a Apollo 13 havia acabado de ser eternizada na cultura popular e ganharia a atenção de todos os veículos de comunicação no mundo.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 13/04/2020, às 16h00 - Atualizado em 16/04/2020, às 03h04
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