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Hora de pensar em mais pistas

A falta de áreas de manobras nos principais aeroportos brasileiros representa um fator de risco para o crescimento do transporte aéreo nas próximas anos


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Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão - Antônio Carlos Jobim

O Brasil terá 195 milhões de passageiros movimentando os aeroportos em 2020 e 312 milhões, em 2030. Para atender a essa demanda, serão necessários investimentos da ordem de R$ 30 bilhões na próxima década e meia para adequar os aeroportos à nova realidade. A estimativa é da Fundação Getúlio Vargas, que realizou um estudo aprofundado sobre o setor aéreo divulgado pelo jornal Folha de São Paulo. Segundo o trabalho, há risco de termos um novo "apagão aéreo" daqui a sete anos, após Copa do Mundo e as Olimpíadas. O motivo? Falta de um maior número de pistas para pousos e decolagens. O estudo da FGV aponta, por exemplo, que a pista de Viracopos, em Campinas (SP), deverá chegar a seu limite até 2020 e que as pistas do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP), já estão saturadas. Na avaliação de pilotos e controladores de voo, porém, a maioria dos aeroportos brasileiros em áreas movimentadas, a despeito dos problemas de pátio e terminais, já carece de um maior número de pistas.

DE NORTE A SUL

O Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, de Salvador, na Bahia, registra atrasos constantes nas decolagens com a formação de fila de aeronaves em virtude do sequenciamento para pousos na mesma pista (10/28). O aeroporto baiano conta com uma segunda pista (17/35), mas ela só é utilizada pela aviação geral, por conta de suas dimensões e da ausência de procedimento de pousos por instrumentos. Outro aeroporto que já registra atrasos em função da falta de pistas é o Internacional Tancredo Neves, de Belo Horizonte, em Confins. O projeto original contemplava a construção de duas pistas paralelas com boa separação entre elas, o que permitiria agilidade no trabalho realizado pela torre de controle. Infelizmente, desde a inauguração do aeroporto, em março de 1984, somente uma das pistas (16/34) saiu do papel.

Outro exemplo de aeroporto brasileiro que tem registrado atrasos por falta de uma segunda pista é o Salgado Filho, de Porto Alegre (RS). Agravante é o fato de que sua única pista disponível (11/29) é limitada em dimensões - são 2.280 m de comprimento por 42 m de largura - e ainda não conta com sistema de aproximação para pousos do tipo ILS CAT II e III, cuja instalação reduziria o número de voos que alternam para outros aeroportos em razão do fechamento do aeroporto após a formação de nevoeiros, especialmente, durante o inverno. Ainda na região Sul, vale mencionar o Aeroporto Internacional Afonso Pena, de Curitiba (PR), que também é bastante limitado em pistas e nas áreas de manobras. A pista principal (15/33) oferece 2.215 m de comprimento enquanto a secundária (11/29) conta com apenas 1.800 m. A cabeceira mais utilizada é a 15, que não conta com pista de táxi, obrigando os aviões a ingressar na pista e realizar a manobra de backtrack (táxi pela pista) para decolagem. Lá os atrasos também seriam minimizados com a construção de uma nova pista, se possível com dimensões adequadas para a operação de aeronaves de grande porte. São vários os jatos cargueiros que operam em Curitiba, mas decolam com restrição de peso e combustível em virtude da performance prejudicada pela dimensão da pista aliada à elevação do aeroporto de 910 m (2.988 pés).

O Val de Cans, de Belém (PA), opera duas pistas: a 06/24, com 2.800 m de comprimento por 45 de largura, e a 02/20, com 1.830 metros de comprimento por 45 m de largura. Atualmente, as duas precisam de reparos urgentes, senão um serviço de revitalização completa. A pista maior, aliás, apresenta baixo coeficiente de atrito, sendo proibitiva a operação com chuva. Além disso, a falta de uma pista de táxi em toda a sua extensão obriga os pilotos a realizar o backtrack após o pouso pela cabeceira 06 e não é difícil ocorrer arremetidas de aeronaves em aproximação, muitas vezes na hora que o aeroporto está em vias de fechar por ocorrência de trovoadas, comuns na região norte em qualquer hora do dia.

O Aeroporto Internacional Augusto Severo de Natal, no Rio Grande do Norte, é o único no Brasil que oferece três pistas, sendo duas paralelas (16L/34R e 16R/34L) e uma transversal (12/30). Ele lembra a configuração de muitos aeroportos de grande porte no exterior. A explicação é simples. Durante a Segunda Guerra Mundial, Natal foi utilizada como base de apoio para as operações aliadas e os norte-americanos projetaram e construíram as pistas, que mantiveram a configuração até os dias atuais. O único "porém" é que faltou investimento para mantê-las em boas condições operacionais, já que o movimento de aeronaves não justificou grande aporte de recursos. Em 2012, Natal registrou um total de 28.108 pousos e decolagens, sendo que boa parte do movimento incluiu as operações de aeronaves militares que estão baseadas naquele aeroporto. A Infraero, estatal responsável pela administração do aeroporto, está realizando obras para recuperação da pista 16L/34R, a mais utilizada em Augusto Severo. Porém, é provável que a administração possa interromper melhorias adicionais nas outras duas pistas, já que Natal deverá ganhar em 2014 um novo aeroporto. Trata-se do complexo de São Gonçalo do Amarante, distante 40 km da capital potiguar, que já tem uma pista em fase adiantada de construção e cujas obras deverão ser concluídas pelo Consórcio Inframérica, formado pelo grupo Engevix e pelo argentino Corporación America, vencedores da disputa pela concessão em leilão realizado pelo governo federal em 22 de agosto de 2011.

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Aeroporto Internacional de Brasília

O Aeroporto Internacional de Brasília, no Distrito Federal, tem uma boa configuração de pistas. São duas paralelas (11R/29L e 11L/29R), bem separadas, tendo o complexo de terminais de passageiros na área média. Porém, em função das restrições operacionais impostas pela presença de edifícios governamentais em diversas áreas da capital, os voos tem a trajetória de decolagem alterada em função de abatimento de ruído ou mesmo pela proibição total de sobrevoo. Além disso, as pistas ainda são subutilizadas pela falta de taxiways no aeroporto, que poderiam contribuir para que Brasília atendesse melhor ao tráfego aéreo - ainda há congestionamentos. Pousos simultâneos ainda são raros de se ver em Brasília. Normalmente, quando a Torre libera pousos numa cabeceira, as decolagens são liberadas na outra. O ideal é que o aeroporto trabalhasse como acontece nos Estados Unidos. Voos decolando ou chegando de um determinado setor, utilizam uma pista, enquanto os outros aviões são orientados para a segunda pista. Parte desse problema deve ser solucionada nos próximos anos com a construção de novas taxiways pela administração do aeroporto, que hoje está sob a responsabilidade do Consórcio Inframérica, e que já está investindo em diversas obras, incluindo a construção de um novo terminal de passageiros e reformulação de pátios e pistas de táxi.

EM SETE ANOS FALTARÃO PISTAS NO BRASIL PARA DAR VAZÃO AO AUMENTO NA DEMANDA, CAUSANDO CONGESTIONAMENTOS EM TERRA E NO AR, SEGUNDO ESTUDO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

TERCEIRA PISTA

O Aeroporto Internacional de São Paulo - Guarulhos/Governador André Franco Montoro já está trabalhando sob a administração da empresa GRU Airport, que é gerida pelo consórcio Invepar/Airports Company South Africa (ACSA), cujo contrato de concessão foi conferido pelo governo federal em 6 de fevereiro de 2012. Diversas obras estão em execução, incluindo a construção do terceiro terminal de passageiros e de um novo terminal férreo-rodoviário. No último mês de maio, foi entregue a obra de um edifício-garagem com capacidade para receber até 2.644 veículos, que sem dúvida nenhuma foi um grande avanço para o aeroporto paulista. Até 2014, o novo edifício de embarque deverá ter boa parte de sua estrutura concluída, quando serão realizados alguns jogos da Copa do Mundo em São Paulo, com destaque para o de abertura do evento. Contudo, como o próprio estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta, em sete anos, faltarão pistas para dar vazão ao aumento na demanda, causando congestionamentos em terra e no ar. Em Guarulhos, a situação é ainda mais preocupante porque já faz parte da realidade do aeroporto.

As duas pistas paralelas (09R/27L e 09L/27R) são insuficientes e seu modus operandi provoca atrasos no fluxo de aeronaves. O problema está na separação longitudinal entre elas que é inferior a 760 m, estabelecida como segura pela ICAO (Organização Internacional de Aviação Civil), para a operação de pousos e decolagens simultâneos. A partir do momento em que uma aeronave está a menos de 9 km na aproximação para pouso, outra aeronave pronta para decolar na segunda pista tem de esperar. E dois aviões pousando ao mesmo tempo ainda é uma utopia. A solução mais adequada seria a construção de uma nova pista. O projeto original do aeroporto contemplava a construção de uma terceira pista paralela, ao norte do campo. Entretanto, com a ocupação irregular do terreno no entorno por milhares de famílias, sem mencionar as questões técnicas envolvendo sua operação, a pista acabou sendo descartada, embora o novo gestor tenha planos de construir uma nova pista até 2018. Nos Estados Unidos, um dilema parecido. Em Atlanta, na Geórgia, as autoridades transferiram um bairro inteiro para dar lugar à quinta pista de pousos e decolagens do Aeroporto Internacional Hartsfield-Jackson. Nem os hotéis foram poupados. Em Guarulhos, seria bastante interessante a avaliação dos terrenos a sudeste do campo para uma possível desapropriação. Uma terceira pista paralela seria bem-vinda em área mais próxima à Rodovia Presidente Dutra, o que poderia favorecer o processo de intermodalidade. As taxiways teriam que ser construídas a partir do acesso às cabeceiras 27L e 27R e o táxi para decolagem e de retorno aos terminais seria um pouco mais demorado, mas isso acontece hoje em dia no Aeroporto Internacional de Barajas, em Madri, na Espanha, por exemplo. Lembremos, também, de Frankfurt, que construiu a sua quarta pista em área mais distante e o mesmo deve acontecer com a terceira pista de pousos e decolagens no Aeroporto Internacional Sheremetyevo, de Moscou, Rússia.

Enquanto a terceira pista não sai, a Infraero, que ainda é responsável pelo departamento de navegação do aeroporto de Guarulhos, está estudando a possibilidade de liberar pousos simultâneos nas duas pistas em condições visuais, seguindo modelo semelhante ao que se aplica em diversos aeroportos nos Estados Unidos. Em San Francisco (CA), por exemplo, operam-se pousos simultâneos em pistas paralelas muito próximas (225 metros) - vide reportagem de infraestrutura publicada na edição número 222 da AERO Magazine. Lá as aeronaves que estão aproximando para a cabeceira 28R utilizam um procedimento do tipo LDA (localizer type directional aid) e os pilotos completam o pouso em condições visuais, com a responsabilidade de manter a separação adequada para as aeronaves que se aproximam para a cabeceira 28L. O mesmo acontece no Aeroporto Internacional de Los Angeles (LAX), também na Califórnia, para os aviões que aproximam simultaneamente para as cabeceiras 25L e 25R ou 24L e 24R. Só que no caso de LAX, não há procedimentos especiais para a aproximação. Cabe aos pilotos manter uma velocidade adequada para interceptação do ILS, evitando assim a transgressão do corredor de chegada da pista paralela, com atenção redobrada para as instruções do controle de aproximação, de modo a evitar o alinhamento para a pista errada. Assim também deverá acontecer em Guarulhos, caso a mudança no modo de operação seja realmente aprovada.

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Aeroporto Internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Salvador

NOVAS CONCESSÕES

A Infraero, que ainda é responsável pela administração da maioria dos aeroportos brasileiros, voltou a investir pesado em obras de revitalização. Estão em andamento, entre outras, as obras de recuperação e revitalização dos sistemas de pistas e pátios, além de serviços complementares, no terminal mais antigo de passageiros no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão - Antonio Carlos Jobim; a revitalização do edifício de embarque e adequação do sistema viário no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes de Manaus (AM); e a ampliação do terminal de passageiros do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, de Belo Horizonte. Mas o governo federal tem ciência de que os recursos existentes não serão suficientes para preparar adequadamente alguns aeroportos para os próximos 10 ou 20 anos de operação. Por isso, seguindo o "Programa de Investimentos em Logística: Aeroportos", conjunto de medidas baixadas pelo governo federal para melhorar a qualidade dos serviços e da infraestrutura aeroportuária, a Infraero estará abrindo novas concessões de aeroportos à iniciativa privada.

Os editais para os aeroportos de Confins, em Minas Gerais, e Galeão, no Rio de Janeiro, devem ser publicados em setembro próximo, conforme anunciou Marta Seiller, diretora do Departamento de Regulação e Concorrência da Secretaria de Aviação Civil (SAC), durante a 3ª Airport Infra Expo/Aviation Expo - feira internacional de infraestrutura aeroportuária e da indústria da aviação comercial, realizada em maio no Expo Center Norte, em São Paulo. "Confins com taxa de crescimento anual de 20% e receita média de R$ 139 milhões, e o Galeão, com crescimento médio de 15,8% e ganhos de R$ 389 milhões, apresentam uma capacidade para ampliar os serviços e são bem atrativos para investimentos externos", disse Seiller. A boa notícia é que a empresa que assumir o Galeão terá de se comprometer, entre outras coisas, com a construção de até duas novas pistas para pousos e decolagens. Hoje, o aeroporto opera a pista 15/33 com 3.180 m de extensão, e a 10/28, com 4.000 m de comprimento. Parecem suficientes para o fluxo, mas quando o aeroporto opera na configuração de pousos na cabeceira 28 e decolagens pela 33, a terceira pista faz muita falta.

Robert Zwerdling | | Fotos Divulgação
Publicado em 11/07/2013, às 08h13 - Atualizado em 02/08/2013, às 23h19


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