Na véspera de Natal

Há 35 anos bomba em walkman explodia um 747 em pleno ar

Em 1988, o voo 103 da Pan Am sofreu um atentado terrorista enquanto sobrevoava a Escócia, matando 270 pessoas

Há 35 anos o voo 103 da Pan American World Airways sofria um atentado terrorista, sendo destruído enquanto sobrevoava o vilarejo de Lockerbie, na Escócia, quando uma bomba detonou a bordo. Todos os 243 passageiros e dezesseis tripulantes, além de onze pessoas no solo, perderam a vida no trágico atentado.

O voo 103 conectava o aeroporto alemão de Frankfurt a cidade norte-americana de Detroit, na ocasião ainda um importante polo automotivo dos Estados Unidos. Todavia, o voo não era direto, sendo uma das operações mistas da Pan Am, que voava entre a Alemanha e Inglaterra com seus Boeing 727, que transferiam seus passageiros para um 747 que fazia a travessia do Atlântico Norte.

Assim, os viajantes fizeram uma conexão no aeroporto Heathrow, em Londres, embarcando no Boeing 747-100, batizado de Clipper Maid of the Seas (N739PA), que antes de chegar ao aeroporto Detroit Metropolitan Wayne County, faria uma escala no John F. Kennedy, em Nova York.

Na primeira parte do voo, partindo de Frankfurt, o agente líbio Abdelbaset Ali Mohmed al-Megrahi, despachou uma mala com um walkman contendo explosivo plástico, que foi programado para detonar em voo, já a bordo do Boeing 747. O plano previa o embarque da mala em Frankfurt por conta do menor nível de segurança existente há época, o que garantiria sua transferência imediata para o voo até os Estados Unidos sem passar por uma nova verificação em Londres. As malas em conexão eram reembarcadas pela Pan Am de um avião para o outro, visando acelerar o processo e evitar atrasos ou bagagem extraviadas. Assim, o artefato explosivo foi programado para detonar horas após ter sido despachado da Alemanha, o que, segundo o plano, deveria ocorrer sobre a Escócia.

O Clipper Maid of the Seas decolou de Londres às 18h25 (UTC) e às 18h56 e quando estava em voo de cruzeiro, a 31 mil pés, sobrevoando o pequeno lugarejo de Lockerbie, o timer do artefato montado no wakman disparou um sinal elétrico para a carga explosiva, que detonou no bagageiro dianteiro do avião.

Ainda que a bomba não fosse de grande potência, a quantidade de energia dissipada, somada a exata posição do container com a mala, foi suficiente para causar uma grande avaria que levou a um colapso estrutural do avião.

Os destroços do 747, alguns pesando dezenas de toneladas, despencaram sobre o vilarejo, que junto aos mais de 91 mil quilos combustível, causaram danos severos em diversas construções. Uma enorme cratera destruiu algumas residências, enquanto outras foram consumidas pelo incêndio.

As autoridades britânicas e norte-americanas não demoraram a chegar ao agente líbio al-Megrahi, que além de ser um membro da inteligência da Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia (nome oficial da Líbia até 2012), era chefe de segurança da Líbia Arab Airlines e diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Trípoli. O agente foi considerado pela inteligência dos Estados Unidos como uma pessoa de confiança do ditador líbio Muammar al-Gaddafi, o mentor do atentado.

Na época o governo líbio havia realizado uma série de ações contra nações europeias e mirava alvos norte-americanos, o que foi facilitado pelo baixo nível da segurança aeroportuária nos anos 1980.

A Pan Am, que enfrentava uma grave crise financeira, passou a ser condenada pela opinião pública dos Estados Unidos de ser corresponsável pelo atentado, pois havia descumprido algumas regras de segurança, como forma de cortar custos em um momento que buscava enxugar os gastos. Ainda que jamais tenha sido comprovada a relação dos processos de seguranças com o atentado, diversos voos da Pan Am passaram a voar vazios, piorando ainda mais a situação econômica. Uma série de erros e problemas administrativos e estratégicos culminaram com a falência da Pan American World Airways em 4 dezembro de 1991.

As autoridades britânicas indiciaram Mohmed al-Megrahi e seu colega, Lamin Jalifa Fhimah, como autores da bomba. Todavia, o júri considerou Jalifa Fhimah inocente, mas condenou, al-Megrahi a prisão perpétua. O agente líbio foi preso em 1999, mas uma mudança na lei escocesa revisou sua pena, que em 2001, foi redefinida para ao menos 27 anos de reclusão, contando da data de sua prisão dois anos antes.

Ainda que tenha tentado uma nova revisão de sua pena em 2007, al-Megrahi foi diagnosticado com câncer de próstata em estado terminal. A Comissão de Revisão de Casos Criminais da Escócia decidiu, por motivos de compaixão, libertá-lo em 2 de novembro de 2009. Tendo cumprido dez anos de sua sentença, al-Megrahi foi recebido em Tripoli por Muammar al-Gaddafi, com honras de Estado e tratado como um herói nacional. Dois anos depois, a Primavera Árabe colocou fim aos 42 anos do regime de Muammar al-Gaddafi. O ditador árabe foi morto em 20 de outubro de 2011, durante um linchamento nas ruas de Sirte. Já al-Megrahi morreu em casa, no dia 20 de maio de 2012.

Novas investigações

Um grupo de familiares do voo 103 não concordou com a condenação de al-Megrahi, iniciando uma investigação paralela. Em 2015, chegou-se a cogitar que o atentado teria sido praticado pelo grupo libanês fundamentalista Herzbollah, com participação da Frente Popular para a Libertação da Palestina e coordenados pelo Irã. O motivo seria uma retaliação pelo abate acidental do voo 655, da Iran Air, derrubado por um disparo de um míssil pelo cruzador USS Vincennes, da Marinha dos Estados Unidos, em julho de 1988.

Outra linha indicou que havia um terceiro líbio envolvido no atentado, o ex-chefe dos serviços secretos da Líbia e cunhado de Khadafi, o agente Abdullah al-Senussi. Já em 2022, o também líbio Mohammed Abougela Masud, que era acusado de preparar a bomba colocada a bordo do voo 103, foi raptado por milicianos locais e entregue para as autoridades dos Estados Unidos. Aos 71 anos, Masud compareu no ano passado em um tribunal, mas seu caso não foi julgado.