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Economize combustível

As estratégias da empresas aéreas para reduzir os custos com combustível

Estratégias para garantir uma operação mais eficiente e reduzir os custos de uma aeronave de linha aérea com o querosene de aviação


Setor aéreo busca máxima eficiência no consumo de combustível, reduzindo os custos e as emissões de poluentes - Boeing
Setor aéreo busca máxima eficiência no consumo de combustível, reduzindo os custos e as emissões de poluentes - Boeing

Os procedimentos operacionais padrão (Standard Operating Procedures, ou SOP) da maioria dos aviões modernos são feitos para se obter o máximo de economia, sem abrir mão da segurança operacional.

Consultamos especialistas do mercado, empresas aéreas, pilotos e fabricantes de aeronaves para relacionar algumas técnicas comprovadamente eficientes, que vêm sendo adotadas para aumentar ainda mais a redução tanto do consumo como da emissão de poluentes.

A busca por mais economia – sem jamais abrir mão da segurança de voo – é um trabalho de todos os envolvidos na indústria do transporte aéreo. Além de permitir às empresas sobreviver em períodos de crise, como o atual, pode baratear passagens quando o preço dos combustíveis baixar, além de contribuir para reduzir emissões de gases poluentes. Por conta da gigantesca escala de custos, pequenas economias que, a princípio parecem irrelevantes, geram grandes reduções de custos no longo prazo.

Redução do uso da APU

As unidades auxiliares de força (APU, na sigla em inglês) fornecem energia elétrica e ar condicionado quando os motores da aeronave estão desligados. Sua função original era de prover energia para a operação em aeródromos desprovidos de equipamento de apoio de solo (Ground Support Equipment ou GSE). Com o tempo, mesmo aeronaves que operam em aeródromos bem equipados passaram a contar com esse item de conveniência. Uma APU de um narrowbody consome cerca de 120 quilos de combustível por hora de operação em solo, ao passo que a de um widebody pode chegar facilmente a 300 quilos por hora. Surge aí uma oportunidade para economia em aeroportos que possuem fontes elétricas e dutos de ar condicionados nas posições de parada. Muitos aeroportos também impõem restrições de uso por questão de ruído. Em uma operação eficiente, a aeronave chega à posição de parada e a fonte elétrica é imediatamente conectada antes do corte dos motores. Caso as temperaturas estejam fora de determinados limites, uma unidade de ar condicionado também é conectada. A APU é ligada apenas quando a aeronave está a instantes de solicitar o acionamento para a próxima etapa.

Airbus taxi
O taxi monomotor pode economizar mais de 300 quilos de combustível em aeroportos muito congestionados

Táxi monomotor

Um narrowbody típico gasta aproximadamente 600 quilos de combustível por hora taxiando com seus motores em marcha lenta. Em aeroportos congestionados, o tempo de táxi pode, facilmente, chegar a 30 minutos ou mais, nos horários de pico. O SOP das aeronaves prevê a possibilidade de se taxiar com apenas um motor funcionando, deixando para acionar o segundo motor quando a decolagem estiver próxima. Uma vantagem adicional é que, com ambos os motores funcionando em marcha lenta, a maioria dos narrowbodies tem tendência a acelerar, necessitando de constantes atuações nos freios durante o táxi. Com apenas um motor, essa tendência é praticamente eliminada. Deve-se ponderar o uso dessa medida em aeroportos onde há longos trechos de taxiway em aclive, com aeronave muito próxima do peso máximo de decolagem (MTOW) ou diante da necessidade de se manobrar em espaços restritos. O táxi monomotor exige um bom gerenciamento por parte da tripulação para que, ao chegar no ponto de espera, a aeronave já esteja totalmente pronta para a decolagem, respeitando o tempo mínimo de aquecimento (warm-up) dos motores, que varia entre dois e cinco minutos na maioria dos aviões.

Redução de flap ne decolagem

Em pistas longas, vale a pena usar uma configuração de flap reduzida, de modo a tornar a decolagem e a subida mais eficientes. A aeronave terá uma corrida de decolagem mais longa, mas a performance de subida será melhor por conta do menor arrasto, atingindo mais rapidamente a altitude de aceleração para a velocidade de subida em rota.

Decolagem com packs off

767 UPS
Decolagem em potência máxima (TOGA) consome menos combustível do que uma com potência reduzida, pois, a aeronave atinge mais rapidamente a altitude de aceleração e a velocidade ótima de subida

Desligar os dispositivos de troca de calor do sistema de ar condicionado (Pressurization Air Conditioning Kits ou PACK) possibilita o uso de uma menor potência de decolagem ao evitar o “sangramento” de ar dos motores. Isso pode gerar reduções maiores de potência, com maior margem de temperatura dos gases do escapamento da turbina (EGT) e, consequentemente, menores custos de manutenção. Cabe lembrar que uma decolagem em potência máxima (Take Off, Go Around ou TOGA) consome menos combustível do que uma com potência reduzida, pois, apesar do consumo ser ligeiramente maior, a aeronave atinge mais rapidamente a altitude de aceleração e a velocidade ótima de subida, gerando um consumo final ligeiramente menor. Entretanto, nesse caso, os custos menores de manutenção de uma decolagem em potência reduzida compensam o pequeno gasto a mais em combustível.

Redução da altitude de aceleração

Normalmente, as aeronaves a jato decolam mantendo V2+10 nós até uma determinada altitude, a partir da qual elas aceleram, para recolher os flaps e prosseguir em configuração limpa e na velocidade ótima de subida. A altitude típica de aceleração é mil pés acima da pista, podendo ser maior em função de obstáculos ou procedimentos de abatimento de ruído. Quando não existem essas restrições, pode-se optar por acelerar na altitude mínima especificada pelo fabricante (nunca menos de 400 pés acima do nível do solo) para atingir o mais rápido possível a configuração limpa e velocidade de subida em rota.

Voo de cruzeiro

Embraer E2
Em voo de cruzeiro é possível reduzir o consumo encurtando a rota, otimizando a altitude de cruzeiro e voando na velocidade mais econômica possível

É no voo de cruzeiro que a aeronave passa a maior parte do tempo e, por isso, nessa fase, surgem as melhores possibilidades de economia. O piloto pode reduzir o consumo de três maneiras: encurtando a rota, otimizando a altitude de cruzeiro e voando na velocidade mais econômica possível. Um bom planejamento de voo, escolhendo uma rota mais direta, uma altitude ótima de cruzeiro e voando na velocidade de Long Range Cruise, proporciona máxima eficiência. Como regra geral, quanto mais alto o voo, mais eficiente ele se torna para a maioria das aeronaves a jato (e muitas a hélice também). Entretanto, deve-se analisar os ventos previstos em cruzeiro, pois pode ser mais vantajoso, por exemplo, voar em uma altitude inferior, com ventos de cauda, do que voar mais alto com ventos de proa. A maioria das aeronaves possui uma tabela chamada Wind/Altitude Trade por meio da qual o piloto consegue determinar o nível mais favorável para o voo. Da mesma maneira, para cada peso e altitude, existe uma velocidade ótima para se manter. Em teoria, o Mach de Máximo Alcance (MRC) seria a velocidade durante a qual a aeronave percorreria a maior distância possível para uma determinada quantidade de combustível. Voar abaixo ou acima desta velocidade geraria um consumo maior. Porém, as aeronaves costumam voar com uma velocidade ligeiramente mais alta, gastando cerca de 1% a mais, mas com uma velocidade um pouco maior e com mais estabilidade de velocidade. É o que é chamado de Long Range Cruise, também presente em tabelas. Nos aviões modernos, o piloto insere no sistema de gerenciamento de voo (FMS) todos os dados de peso, condições atmosféricas e rota, e o FMS calcula a melhor altitude (OPT CRZ ALT), a máxima altitude (REC MAX ALT) e a melhor velocidade de cruzeiro (ECON CRZ).

Custos além do combustível

Apesar de ser o componente majoritário, o combustível não é o único custo de um voo. Há itens como leasing, salários, custos de operação da empresa e manutenção, que também devem ser considerados. Muitos desses custos são atrelados ao tempo de voo, enquanto outros são fixos, seja para um voo longo ou curto. Dependendo do preço do combustível e desses custos fixos e/ou variáveis por hora de voo, pode ser mais vantajoso voar mais rápido (gastando mais em combustível), porém, com um tempo de voo menor (economizando nos custos por hora de voo). Dividido pelo custo do combustível, o custo do tempo de voo gera um número chamado COST INDEX (CI). Quanto mais barato o combustível, maior o CI, pois vale a pena voar rápido. Quanto mais caro o combustível, menor o CI, pois é mais importante economizá-lo. O piloto insere no FMS o CI para aquela rota e o sistema calcula a ECON CRZ speed em função de peso, ventos, altitude etc., o que gerará o menor custo possível para aquele voo específico.

Oportunidades na descida

Na descida, surgem algumas oportunidades de economia. Um perfil vertical otimizado, que assegure uma descida constante com os motores em Idle é a melhor maneira de economizar nessa fase, evitando trechos de voo nivelado a baixas altitudes. A maioria dos jatos desce no que chamamos de “três por um”, ou seja, para cada mil pés de altitude perdida, a aeronave voa aproximadamente três milhas náuticas. Modelos de grande porte costumam ter uma melhor razão de planeio (em torno de quatro por um) enquanto jatos pequenos costumam planar entre duas e duas e meia milhas náuticas para cada mil pés. Ventos de proa reduzem essa capacidade de planeio, enquanto ventos de cauda aumentam. Os FMS modernos levam em consideração todos esses fatores para calcular o ponto ideal de descida, mas cabe ao piloto monitorar atentamente seu perfil e ir adequando-o às condições que mudam constantemente. Uma descida muito antecipada significará descer com potência acima de idle ou nivelar a baixas altitudes, gerando maior gasto. Uma descida tardia significará que a aeronave ficou mais tempo do que o necessário voando com potência de cruzeiro e desceu com alta velocidade (e, consequentemente, alto arrasto), gerando um gasto desnecessário.

Controle de tráfego aéreo

737 Gol
O conceito de aproximação estabilizada, permite o avião passar dentro da janela de estabilização, evitando uma arremetida mandatória e no final também economizando combustível

A aproximação para o pouso é uma fase durante a qual o piloto geralmente precisa cumprir as exigências do controle de tráfego aéreo (ATC), que, muitas vezes, não vão ser as ideais no quesito economia. A aproximação “perfeita” seria feita toda em idle thrust, descendo em um perfil suficiente para que a aeronave intercepte os mil pés na configuração de pouso, com o landing checklist lido, alinhado com a pista e na trajetória de planeio correta, com os motores na potência de aproximação. Esse é o conceito de aproximação estabilizada, que é um padrão mundial na aviação comercial. Muitas vezes, na ânsia de economizar, o aviador acaba calculando mal sua aproximação e passando mil pés fora da janela de estabilização. Nesse caso, uma arremetida é mandatória e toda a economia se perde. Então, cabe ao piloto usar todos os métodos ao seu alcance para passar mil pés estabilizado, mesmo que isso signifique um pequeno aumento no consumo nessa fase (chegando mais baixo, usando speedbrakes, iniciando a configuração de pouso um pouco antes etc).

Opções de pouso

Os fabricantes geralmente oferecem mais de uma configuração de pouso para seus aviões (conf 3 ou full nos Airbus, flaps 30 ou 40 no Boeing 737 etc.). Quanto menor a configuração de flaps, menos arrasto na aproximação e, consequentemente, mais economia. Entretanto, as velocidades de aproximação serão mais altas e haverá a necessidade de maior distância de parada no pouso e, geralmente, maior desgaste nos freios. Cabe uma análise criteriosa e, em caso de pista contaminada, opte sempre pela configuração que lhe ofereça a melhor performance de pouso (menor distância de parada). Cabe notar que, em aeroportos muito grandes e movimentados, pode valer mais a pena aterrissar com full flap e livrar logo na primeira interseção, economizando no tempo de táxi até o terminal, do que pousar com flap reduzido e ter de livrar a pista em uma interseção mais distante. Em condições de pista seca, o uso dos reversos reduz muito pouco a distância de parada, mas consome combustível, podendo ser mantido apenas em Idle Reverse. Em pistas molhadas/contaminadas se deve sempre usar Max Reverse.

Taxiamento final

O táxi para o gate também pode ser feito com apenas um motor, respeitando o tempo mínimo de resfriamento (cooling-down) estabelecido pelo fabricante. O acionamento da APU pode ser adiado até próximo da entrada na posição de estacionamento, ou até mesmo evitado, caso a sua posição de parada disponha de fonte de eletricidade e ar condicionado.

Contribuições da área de manutenção

Outra área que oferece oportunidades de economia de combustível é a manutenção. Despachar uma aeronave com itens inoperantes, de acordo com o Minimum Equipment List (MEL), pode ser vantajoso do ponto de vista operacional, mas deve ser encarado como recurso para permitir retornar a aeronave o quanto antes para uma base de manutenção. Um exemplo: despachar uma aeronave com um gerador inoperante representa, em vários modelos, uma limitação de altitude máxima de cruzeiro na ordem de cinco a nove mil pés. Além disso, a APU deve estar operante durante todo o voo. Em um dia de operação, considerando dez etapas de uma hora, terão sido perdidas pelo menos duas toneladas de combustível devido a apenas esse item inoperante. Lavagem de compressores dos motores melhoram a sua eficiência e reduzem o consumo. Até mesmo uma boa limpeza e polimento da aeronave propiciam ganhos de velocidade e, consequentemente, redução de consumo.

O papel do tráfego aéreo

Finalmente, as autoridades podem desempenhar um papel importantíssimo nesta cruzada por economia de combustível e preservação do meio ambiente. Quanto melhor fluir o tráfego aéreo, mais econômico e menos poluente ele será. Investimentos em infraestrutura aeroportuária e otimização do espaço aéreo podem gerar economias gigantescas ao reduzir congestionamentos do espaço aéreo e dos aeroportos, criar rotas mais diretas e garantir menos esperas, desvios para aeródromos de alternativa e cancelamentos de voos.  A criação de aproximações RNP também oferece ganhos substanciais ao encurtar os procedimentos de aproximação e possibilitar mínimos meteorológicos mais baixos.

Por Giuliano Agmont
Publicado em 26/08/2024, às 13h10


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