Adaptado às normas que regem a nova categoria LSA, o Super Petrel LS surpreende em design e performance no ar, na terra e na água
A base da Edra Aeronáutica, em Ipeúna, interior do estado de São Paulo, convida ao devaneio. Para pilotos acrobáticos, o lugar tem um significado ainda mais especial, pois abriga o "ninho" dos primeiros Bueckers Lerche fabricados no Brasil e do segundo Christen Eagle montado no país. Para quem não conhece, o Buecker continua a ser o mais famoso dos biplanos acrobáticos já construídos. A pista gramada, quase no sopé da serra de São Carlos, lembra um velho campo de aviação da Primeira Guerra Mundial. O clima old looking, porém, é apenas aparência, já que a Edra ostenta tecnologia de última geração em sua linha de montagem, comandada pelo engenheiro aeronáutico Rodrigo Scoda, que nasceu e cresceu respirando aviação. Estamos aqui para ensaiar o novo Super Petrel LS e avaliar as mudanças incorporadas por este avião anfíbio.
Lembro-me do primeiro protótipo dessa família, construído a partir das plantas do seu irmão francês. Daquele protótipo pioneiro, provavelmente equipado com um rudimentar Rotax 482 ou 532, a evolução tem sido constante. Pouca coisa sobrou dos padrões de projeto e da construção do ultraleve anfíbio feito em fibra de vidro na década de 1980. Nascido de um conceito avançado e dos constantes aprimoramentos, o Super Petrel LS é uma das raras aeronaves anfíbias fabricado no Brasil que permanece no mercado.
O forte arrasto provocado pela fuselagem desenvolvida para operações na água faz com que aeronaves anfíbias apresentem baixa velocidade de cruzeiro. Reverter essa situação representa o grande desafio da indústria nessa categoria de aeronaves. Nesse aspecto, o Super Petrel vem tendo uma evolução impressionante. Com incrementos em design, materiais, motorizações e refinamento aerodinâmico, a aeronave desenvolve uma impressionante velocidade máxima de cruzeiro de 110 mph, o que pouco fica a dever a um modelo avançado de operação apenas em terra.
NORMAS ASTM
É inegável a contribuição da aviação experimental à evolução da indústria aeroespacial em todo o mundo. Começando pelas soluções na área de projetos e materiais, com propostas modernas e arrojadas, elevação de potência dos novos motores, e os consequentes aumentos de velocidade e peso máximo de decolagem, até os novos designs totalmente revolucionários, passando pela simplicidade operacional e o baixo custo de uma aeronave não homologada, é natural que a frota tivesse um crescimento significativo. Nesse cenário era de se esperar que as autoridades começassem por introduzir normas que viessem a disciplinar essa indústria. E o Super Petrel LS cumpre as normas da American Society for Testing and Materials - tanto a norma ASTM-F2746, ou Standard Specification for Pilot´s Operating Handbook (POH) for Light Sport Aircraft (LSA), como os requisitos da norma de projeto e construção ASTM-F2245, ou Stardard Specification for Design and Performance of a Light Sport Aircraft. Para atender às normas previstas pela ASTM e adotadas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), segundo a qual uma aeronave LSA deve ter até 600 kg de MTOW (Peso máximo de decolagem), passo fixo de hélice, trem fixo (exceto para aeronaves anfíbias) e velocidade limite de 120 nós, o Super Petrel LS teve de ser totalmente reavaliado e passar por um profundo processo de refinamento de projeto, nunca antes enfrentado. O resultado é uma aeronave mais simples de se operar em terra e ainda mais segura e fácil de operar na água, que é a sua principal função.
Para se chegar a esse resultado, todo o conjunto de cauda teve de ser reprojetado, com nova deriva vertical e leme de direção, novo estabilizador horizontal e profundor (shape e área), mudança do washout e ângulos de incidência de cauda e asas, nova carenagem do motor, novo sistema de calibragem e ajuste do peso e balanceamento, utilizando água como lastro, além de um exaustivo programa de limpeza aerodinâmica. O Super Petrel LS é totalmente fabricado em material composto por fibra de carbono e fibra de aramida (Kevlar), que dão maior resistência à fuselagem e são infinitamente mais leves do que qualquer outro material.
Inspirado em embarcações offshore, casco do Super Petrel LS permite operações com grandes marolas |
BIPLANO SESQUIPLANO
O LS é o irmão mais novo da família Super Petrel, um sucesso internacional com mais de 300 unidades vendidas no Brasil e em vários países do mundo. Trata-se de um LSA anfíbio com motor pusher (traseiro), biplano sesquiplano (asa superior com maior envergadura que a asa inferior), "staggerwing" (asa superior instalada ligeiramente à frente da asa inferior), de decalagem positiva, com elegante configuração que propicia uma estrutura naturalmente esbelta e resistente. O perfil da asa é o NACA-2412, consagrado pelo seu comportamento equilibrado em todas as condições de voo. As superfícies estabilizadoras e de comando são todas "aerofolizadas", o que propicia uma pilotagem dócil e precisa em quaisquer velocidades, justamente pela presença dos aerofólios. O sistema de trem de pouso é retrátil com alojamento das rodas, contribuindo para diminuição do arrasto e maior limpeza aerodinâmica. A forma da fuselagem e do casco foram otimizados e, em razão do grande volume frontal, as operações na água tornaram-se mais seguras, eliminando o risco de submersão do nariz da aeronave em pousos e decolagens na água. O casco foi projetado e construído com materiais e técnicas usadas em algumas embarcações offshore, permitindo operações em superfícies com grandes marolas, o que pretendemos confirmar nas operações deste ensaio. Também absorve com segurança os impactos advindos de operações imperfeitas nas decolagens e pousos na água. Terei a oportunidade de testar a resistência desse casco e a capacidade operacional desta aeronave em condições bastante reais, com um terrível vento noroeste que provoca ondas enormes na Represa do Broa.
As asas inferiores funcionam como defletores do spray de água, preservando a integridade da hélice e tornando as operações aquáticas mais seguras, mesmo em locais remotos ou com detritos boiando na superfície. As asas são construídas em material composto revestidas com telas de tecido Dacron, espuma de PVC de células fechadas constituem as nervuras e os bordos de ataque e de fuga são feitos em fibra de carbono. A envergadura da asa superior é de 8.90 metros e a inferior, de 7.20 metros. O grupo motopropulsor padrão do Super Petrel LS é o motor Rotax 912 ULS de quatro tempos, com 100 HP de potência, e hélice tripa modelo Ecoprop da Arplast, produzida em material composto e de passo ajustável no solo, resultando em um desempenho de alta performance em voo e nas operações na água e em terra. queroO sistema de amortecimento e berço do motor com suas fixações são projetados para transmitir o mínimo de vibrações para a estrutura, minimizando as manutenções reparadoras e aumentando o tempo de vida útil da aeronave.
Antes de qualquer outra avaliação, o Super Petrel LS é lindo. O seu conjunto de cauda reprojetado deixou-o mais esguio e elegante. As asas com diferencial de envergadura e posicionamento têm o mesmo conceito do Beechcraft Staggerwing, o mais belo biplano jamais construído. O conjunto motopropulsor pusher, instalado a montante da asa superior, além de muito bem posicionado e protegido do spray de água, confere um charme inigualável que nos remetem a um Lake Amphibian. A nova cabine é confortável e teve as suas linhas reestilizadas conferindo ao conjunto harmonia, equilíbrio e beleza. Ressalte-se que poucas aeronaves dessa categoria têm tanto espaço interno e conforto quanto o Super Petrel LS.
FORTE VENTO NOROESTE
Durante o briefing, discutimos os detalhes do voo e fica definido que a operação poderá ser abortada em qualquer etapa, em razão do forte vento noroeste que poderá comprometer nossas operações de pouso e decolagem na Represa do Broa, em virtude de grandes ondas que possam estar ocorrendo. Tomo o assento da esquerda, o instrutor Edilson Secco será o meu companheiro de voo. A aeronave paquera conduzindo o nosso fotógrafo Ricardo Becari será um helicóptero Schweizer 300, sob o comando do engenheiro Rodrigo Scoda.
Motores acionados e inicio o táxi para a cabeceira de decolagem, tomando o cuidado de evitar o ninho de uma família de quero-queros na pista de grama. Dono absoluto da área, o casal desfila de maneira desafiadora com sua prole e exige que as aeronaves desviem dos zelosos pais e suas três crias. Vou ter de decolar bem na lateral da pista para não incomodar as irascíveis aves. Check de cabeceira concluído, alinho na lateral da pista e vou ter dificuldades de manter a reta, em razão do forte vento noroeste. Freios aplicados, motor a plena potência e tentarei decolar antes dos "gaviões".
Os 100 cavalos de potência se fazem sentir durante uma breve corrida no solo e logo já temos 50 mph, velocidade suficiente para decolar. Baixo o nariz, deixo a velocidade subir para 80 mph (130 km/h) e recolho o trem de pouso. Este é um detalhe que requer muita atenção, já que uma das exigências da norma para aeronaves LSA (Light Sport Aircraft) é o trem fixo. Em outras palavras, durante o pouso na água precisarei manter o trem recolhido e na terra terei de baixá-lo, um cuidado peculiar desta aeronave. Essa troca de hábitos tem causado alguns acidentes com muita gente experiente. A regra é fazer sempre o checklist pré-pouso, tanto para água como para terra.
Mantenho 80 mph em subida, curvo à direita e mantenho a curva, observando a decolagem do nosso helicóptero paquera. Enquanto ele ganha altura lentamente, mantendo o rumo da Represa do Broa, estabeleço uma proa de interceptação e vamos nos aproximando. Esse é um trabalho que requer muita atenção, pois, como o piloto de helicóptero voa na direita, o fotógrafo trabalha no assento da esquerda, invertendo a posição utilizada nas aeronaves paquera de asa fixa. Nessa situação terei de manobrar na sua lateral esquerda, também ao contrário do que costumo voar nas seções de fotos. Por outro lado, o rotor principal e o rotor de cauda não são visíveis durante as manobras e qualquer aproximação mais temerária pode se configurar em um desastre fatal. Como para nos advertir que os erros são possíveis, escalono na sua lateral direita e procuro o nosso fotógrafo. Meu companheiro de voo, educadamente, alerta para o fato de que ele está do lado esquerdo. Cautelosamente passo por baixo do Schweizer e coloco-me na esquerda, observando o início do trabalho de fotografia. Procuro executar movimentos lentos e cautelosos, sempre mantendo contato visual com eles. Se por um lado, o trabalho com um helicóptero requer mais atenção, por outro facilita muito, pois de líder ele pode passar a voar como ala, evoluindo em torno da nossa aeronave, posicionando o fotógrafo em ângulos estratégicos para o ensaio.
Concluídas as fotos de deslocamento, já nos aproximamos da represa para as fotos na água. Estou preocupado com o forte vento noroeste que esta provocando grandes marolas na represa. As cristas brancas demonstram que a água está bastante agitada. Diferente da quase totalidade das aeronaves anfíbias nas quais voei, o Super Petrel pede que você alivie o manche após o toque na água para que o casco "esquie" sobre a lâmina de água. Nas demais aeronaves, o manche deve se manter na posição cabrado após o toque e "colado" na parada final. Isso é para o caso de os flutuadores (bananas) ou o casco não submergir durante a corrida final de pouso na água.
Como vamos tocar e executar algumas curvas na água, e arremeter em seguida, minha estratégia será manter sempre um pouco de potência no motor e o nariz alto. Também vou procurar me manter o mais próximo possível das margens, locais mais abrigados do vento. Estabeleço uma reta final e o ponto de toque na água e vou mantendo 70 mph (110 km/h) de velocidade e uma razão de descida de 500 pés (150 m) no climb. Pretendo reduzir essa razão para 200 pés (60 m) por minuto na curta final e tocar com a menor razão de afundamento possível. Isso se consegue mantendo sempre um pouco de potência até o toque.
Poucas aeronaves dessa categoria têm tanto espaço interno. No detalhe, trem de pouso retrátil com alojamento das rodas garante limpeza aerodinâmica | |
O primeiro pouso é bastante razoável e minha preocupação se materializa. A água está bastante agitada e as ondas não são nada desprezíveis. O Super Petrel salta de uma onda para a outra, ignorando o mau humor do vento. Nosso fotógrafo pede que façamos uma curva de 360 graus completa e não me atrevo a atendê-lo. Ainda em velocidade, passo a operação para o Edilson, que executa a manobra com perfeição, apesar da "trabalheira" com o tamanho das ondas e a força do vento. Assumo novamente os comandos e inicio uma arremetida com bastante facilidade. Os 100 hp do Rotax não têm nenhuma dificuldade em executar a manobra em menos de 100 m. Com o moral em alta, faço um novo giro e venho para mais um pouso. Pretendo executar uma série de manobras do tipo "toque e arremetida", aproveitando a grande extensão da represa e para conseguirmos boas fotos.
Ganho confiança e até me atrevo a algumas "firulas" na água, apesar das ondas. No último toque, decido fazer um pouso completo, com a parada total da aeronave. Ali conseguimos avaliar realmente a altura das ondas. O pobre "pássaro" é literalmente varrido pela água. Confesso que fiquei preocupado com a possibilidade de não mais sair daquela situação e termos de taxiar até uma praia da represa. Depois de consultar o Edilson, alinho contra o vento, abro todo o motor e o valente Petrel arranca sem dar muita importância a altura das marolas. Em poucos metros, já estamos "esquiando" para voar em seguida.
Estou tão impressionado que decido fazer um último toque antes de voltarmos. No retorno para a base, subo para 4.000 pés (1.200 m) com a intenção de avaliar melhor a máquina. Nas reversões e nas manobras de "oito preguiçoso", a harmonia de comandos é deliciosa. O reposicionamento do leme de direção e profundor, além de ajustes nos ângulos de incidência do estabilizador horizontal e asas, conferiu um ganho de equilíbrio e harmonia de comandos sensível em relação aos modelos antigos. Estabilizado em velocidade de cruzeiro, o equilíbrio longitudinal é excelente. Não observei tendência de guinada ou rolagem. Os estóis são tranquilos e sem tendência à queda de asa. Eles acontecem na faixa das 40 mph em power-off. Cruzamos por sobre a serra de São Carlos e vamos nos aproximando de Ipeúna.
Em função do forte vento, os voos estão suspensos na base. O Becari esta posicionado ao lado da pista e pede que façamos uma "passagem baixa". Executo o primeiro rasante e a turbulência é assustadora. Resolvo não "brincar" mais com a sorte e finalizo o voo com um pouso completo. Se as condições da represa desafiaram a competência do Super Petrel na água, o vento de través na pista colocou à prova seu desempenho em terra. Entregar a maquina sem nenhum arranhão para as fotos de solo foi o melhor diploma que lhe poderíamos conferir.
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Décio Corrêa | | Fotos Ricardo Beccari
Publicado em 22/11/2012, às 09h04 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
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